Possui graduação em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (1991), residência e especial...
iDiferente de nossos antepassados, hoje em dia qualquer um encontra na farmácia alívios químicos para grande parte dos males que sempre afligiram a humanidade. Temos compostos eficazes para aliviar dor, coceira, tonturas, infecções e até tumores - e o livre acesso a alguns destes compostos muitas vezes passa a impressão de que eles são seguros. Mas se há alguma verdade na farmacologia, ela pode ser resumida pela frase: a diferença entre o remédio e o veneno é a dose.
Tome-se como exemplo o paracetamol, um anti-inflamatório comercializado livremente desde 1955 como a alternativa "segura" ao ácido acetilsalicílico. Nos EUA, registram-se mais de 100 mil overdoses/ano com esta droga, sendo que 56 mil demandam atendimento médico e 500 pessoas morrem. E isto vem piorando tanto que o FDA (Food and Drug Administration) tomou a iniciativa de limitar a dose máxima por pílula como forma de conter esta epidemia. No Brasil, dados do Sinitox revelam que em 2011 foram registrados 29.178 casos de intoxicação por medicamentos, tornando esta a principal causa de intoxicação por agente tóxico de qualquer natureza.
Mas como as pessoas se intoxicam? De vários modos, a maior parte deles acidental, por desconhecimento dos riscos de cada composto. O consumidor comum não tem preparo ou hábito de ler bula, então, uma pessoa gripada pode tomar um comprimido de paracetamol para dor e outro para congestão nasal, sem saber que o segundo contém uma dose plena da mesma droga. Isto é frequente no consultório.
Outro modo de se machucar adviria do desconhecimento das vias metabólicas que nosso corpo usa para controlar a quantidade de droga circulante e seus efeitos. O maior exemplo disto é o anticoagulante warfarina, cujo nível sanguíneo é muito facilmente afetado por qualquer medicação ou mudança na dieta, causando sangramentos às vezes muito importantes.
Mas isso é apenas a ponta do iceberg. Mesmo lendo bulas, pessoas podem involuntariamente se colocar numa situação de risco misturando drogas com "produtos naturais". O público em geral tem a falsa noção de que natural significa inócuo. Cabe lembrar que grande parte da farmacopéia ocidental originou-se de produtos naturais. O ácido acetilsalicílico vem da casca do salgueiro, a digoxina, de uma flor, a penicilina, de um fungo, o captopril, do veneno da jararaca e assim por diante. Não bastasse isso, até frutas e legumes podem interferir com drogas e provocar intoxicações involuntárias. Um dos casos mais notáveis é o da toranja, fruta muito apreciada no hemisfério norte e que interfere na metabolização de pelo menos 85 medicamentos, que variam de remédios para o coração como o verapamil a antibióticos como a eritromicina ou imunossupressores como o micofenolato. Há diversos casos graves e fatais de intoxicação involuntária decorrente da ingesta simultânea de uma droga e este suco. E não vamos nem falar sobre consumir álcool com medicações, pois além de um capítulo a parte, isto é quase que pedir para tomar na cabeça. Álcool e remédios essencialmente não combinam em nenhuma situação.
Que situação não? Você busca um remédio para melhorar e sem saber, pode estar se submetendo a um risco de vida involuntário. Como evitar isso? A peça chave para sua segurança é a compreensão de que não há remédio seguro, o que há são limites seguros para o consumo destes compostos. Estes limites envolvem doses, horários, combinações, estado de saúde, controles sanguíneos e vários outros quesitos, todos relevantes e potencialmente perigosos.
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Portanto, jamais se automedique ou combine drogas sem uma orientação específica para fazê-lo. Medicar alguém corretamente já é muito difícil para pessoas que passam a vida estudando o assunto, imagine para quem nem sabe que o assunto existe.