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Há muito tempo ser diagnosticado com Aids deixou de ser uma sentença de morte. Hoje, os portadores do vírus HIV têm condições de viver muito mais tempo, quando se submetem ao tratamento adequado. Isso aconteceu principalmente com a democratização dos medicamentos antirretrovirais, que começou em 1996 no Brasil. "No entanto, só agora estamos conhecendo os efeitos do HIV em longo prazo", destaca a infectologista Carolina Lázari, médica do Fleury Medicina e Saúde.
E o que se tem notado nesses pacientes é uma incidência acima da média de algumas doenças crônicas comuns ao envelhecimento: como doenças cardiovasculares e hepáticas, diabetes e até mesmo alguns tipos de câncer. "Podemos dizer que o corpo do soropositivo funciona como o de alguém 15 anos mais velho", considera a infectologista Heloísa Ramos Lacerda de Melo, coordenadora do Comitê Científico de Retroviroses da Sociedade Brasileira de Infectologia.
Um fator de risco extra
Tudo isso ocorre porque o vírus do HIV gera no corpo um processo inflamatório, semelhante aos causados pelas doenças crônicas. Essa fator inflamatório acelera o processo de envelhecimento, que nada mais é do que o desbalanço entre os danos que nosso corpo recebe das atividades no dia a dia e a capacidade que temos de nos recuperar disso. "Mesmo quando o paciente está tratado, o vírus continua em suas células, e isso altera processo de acumulo de danos irreparáveis no nosso organismo ao mesmo tempo em que dificulta os mecanismos de reparação", explica a infectologista Carolina Lázari.
É mais ou menos o que ocorre quando a pessoa tem hábitos de vida não saudáveis, como tabagismo, consumo excessivo de álcool, sedentarismo e alimentação rica em gorduras e sódio. Por isso mesmo, ser portador do vírus HIV, na verdade, apenas aumenta as chances de esses problemas aparecerem, se tornando mais um fator de risco a se acumular nessa lista. "O que temos visto, na verdade, é que os fatores de risco tradicionais (história familiar, genética e hábitos de vida) são muito mais importantes do que o HIV isoladamente nessa equação, mas ele também tem um papel importante", ressalta a infectologista Sandra Wagner, do Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas da Fundação Oswaldo Cruz (Ipec/Fiocruz).
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Inclusive, o tipo de doença que o soropositivo pode desenvolver tem grande relação com esses outros fatores de risco. Por exemplo, se o paciente, além do HIV, tem histórico de colesterol alto na família e uma alimentação desregrada, é mais provável que desenvolva precocemente uma doença cardiovascular, por já ter um "ambiente" propício a isso.
Alguns medicamentos antirretrovirais também podem agravar a situação e predispor ao aparecimento dessas doenças. Isso porque alguns deles podem causar aumento do colesterol, triglicérides e glicemia e perda de cálcio nos ossos, além do acúmulo de gordura visceral, ou seja, entre os órgãos. Todos esses são fatores de risco para essas doenças crônicas. "Mas os remédios mais novos não provocam mais isso, é cada vez menos incidente esse tipo de efeito colateral", lembra a infectologista Heloísa Ramos Lacerda de Melo.
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Doenças crônicas mais comuns
A lista de doenças crônicas que aparecem mais precocemente em portadores do vírus da Aids é diversa. No topo dela, estão as doenças cardiovasculares, cuja relação com o HIV tem um maior respaldo científico e a incidência chega a ser 50% maior nesses pacientes. "Diversos estudos reforçam o aparecimento precoce de doenças cardiovasculares em soropositivos, e isso ocorre também devido aos medicamentos, que podem causar aumento do colesterol e acúmulo de gordura visceral", considera a infectologista Carolina Lázari. Além disso, esses pacientes tem um perfil de maior consumo de cigarros, álcool e drogas, o que aumenta o risco de desenvolver esses problemas.
Depois disso, a lista também inclui doenças hepáticas, complicações renais, osteoporose e doenças neurodegenerativas, como a demência. Neste último caso, isso ocorre porque os medicamentos antirretrovirais atuam em menor potência no sistema nervoso central, portanto os vírus costumam se acumular nessa região.
Por fim, ainda existem alguns cânceres que são mais comuns em soropositivos. No entanto, essa prevalência ocorre devido à deficiência no sistema imunológico mesmo. "Além de nos defender de infecções, esse sistema costuma detectar quando uma célula sofre alguma mutação perigosa e a elimina, e esse mecanismo se torna deficiente quando a pessoa está com o vírus HIV", explica Carolina.
A importância da prevenção
Infelizmente os processos inflamatórios causados pelo vírus HIV ainda não podem ser evitados ou pausados. "Há uma linha de estudos para verificar o efeito das estatinas nesses paciente, medicamentos com efeito anti-inflamatório, mas ainda está passando por estudos iniciais", comenta lembra a infectologista Heloísa Ramos Lacerda de Melo.
Enquanto isso, a solução é observar tudo isso bem de perto, nas consultas de rotina. "É importante que o infectologista veja o paciente como mais do que alguém que esteja infectado pelo HIV e peça exames para verificar outros aspectos da saúde desta pessoa, a encaminhando a um especialista quando necessário", ressalta Carolina Lázari. Além disso, as consultas frequentes com ginecologista e urologista são essenciais para qualquer pessoa, principalmente quem tem esse vírus.
Além disso, é importante não esquecer que as doenças crônicas são multifatorais, ou seja, são causadas por diversos fatores, e ser soropositivo é só um deles. Os danos do HIV não podem ser prevenidos, mas outros fatores de risco podem e devem ser combatidos. "É preciso incorporar o portador em rotinas de prevenção de doenças associadas", alerta a infectologista Sandra Wagner. E isso inclui ações como praticar atividade física, parar de fumar, beber apenas socialmente, ter uma dieta saudável e evitar a obesidade.