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Os avanços obtidos nas pesquisas realizadas com células-tronco têm feito com que muitas pessoas busquem por serviços de coleta e armazenamento de células-tronco contidas no dente de leite.
"Hoje esse é um investimento para o futuro, já que existem diversas terapias em fases finais de estudo, como tratamentos para degeneração da córnea, fissura labiopalatal (lábio leporino) e até mesmo infarto", explica a odontologista Daniela Bueno, doutora em Genética pela Universidade de São Paulo e pesquisadora nessa área pelo Hospital Sírio-Libanês.
Mas o que é esse processo e como ele é feito? Explicamos para você!
Conhecendo as células-tronco
Para começar a entender porque se tem armazenado justamente as células do dente de leite, é importante entender como elas funcionam. "Células-tronco são células que além de se replicar, têm a capacidade de se diferenciarem em células específicas do nosso corpo, que podem compor qualquer órgão, como neurônios, células musculares, etc..", explica Daniela Bueno.
Quando um embrião se forma, ele começa como uma célula-tronco, que aos poucos vai se multiplicando e se transformando em diferentes tipos de células, que formam as diferentes estruturas do corpo. Nesse começo, as células-tronco podem se tornar qualquer célula do corpo. Mas esse tipo de célula é pouco usada, pois elas só existem nos embriões em formação e há uma série de regulamentos e entraves éticos sobre a manipulação de células embrionárias.
Quando o corpo já está completamente formado, no entanto, ainda existem células-tronco chamadas de "adultas" (mesmo estando no corpo de um bebê ou criança). Essas células podem ser retiradas de diversas fontes, como da gordura corporal, da medula óssea, dos dentes de leite e sangue e parede do cordão umbilical. Elas são chamadas de multipotentes, e só conseguem se transformar em um número limitado de tipos de células.
Vantagens das células-tronco do dente de leite
É aqui que entram as células-tronco do dente de leite! Elas são consideradas mais versáteis do que outras células-tronco. "Em laboratório já foi possível transformá-las em osso, tecido articular, tecido nervoso, células beta do pâncreas...", enumera a pesquisadora Ana Maria Teixeira, mestre em Psiquiatria pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e em Biotecnologia pela Northeastern University. Tanto que são usadas em diversos estudos para terapias com célula-tronco.
Outra vantagem é que elas são células mais jovens, o que inclusive colabora para sua versatilidade na hora de se diferenciar. Além disso, quanto mais velha a célula, maior a chance de ela sofrer alterações e mutações genéticas devido a fatores ambientais, como explica a bióloga Karina Griesi, doutora em Genética pela Universidade de São Paulo e pesquisadora do Instituto de Ensino e Pesquisa do Hospital Albert Einstein. As células de uma criança entre 6 e 12 anos de idade (fase em que caem os dentes de leite) sofreram bem menos lesões do que a célula de um adulto, por exemplo.
Além disso, as células-tronco dos dentes de leite conseguem se reproduzir bem mais, pois demoram mais para envelhecer do que as células-tronco do cordão umbilical, por exemplo. Isso faz com que as células coletadas de apenas um dente seja suficiente para o uso em diversas terapias.
Coleta e armazenamento
A coleta dos dentes de leite também é vantajosa, pois ela não é invasiva. As células do dente de leite, normalmente, não são retiradas de um dente que já caiu. Isso ocorre porque esse dente entra em contato com bactérias e também já está há algum tempo sem o recebimento de sangue, o que pode causar a morte das células.
De modo geral, os pais que desejam armazenar as células-tronco dos dentes de leite dos filhos devem leva-lo a um odontologista credenciado para esse tipo de serviço. Ele avaliará os dentes que ainda conservam um ou dois terços da raiz através de um raio-x e então marcará a extração desse dente. Depois de extraído, o dente será colocado em um meio de cultura especial e levado ao laboratório. No laboratório as células-tronco são separadas, multiplicadas e então armazenadas em tanques com nitrogênio líquido à -196 °C.
Quanto a extração, ela não é um processo de alta complexidade, já que o dente está próximo de cair. "Em algumas ocasiões pode ser necessário usar anestesia local, mas nem sempre isso ocorre", considera a odontologista Daniela. O mais importante é que a extração seja feita por dentistas certificado nesse processo, para que ele preserve o dente de forma correta.
Como essas células poderão ser usadas no futuro?
Existem diversas linhas de pesquisa envolvendo as células-tronco mensequimais do dente de leite. Veja quais são elas:
Reconstrução óssea em fissura labiopalatal: Cientistas do Hospital Sírio-Libanês (em São Paulo), em parceria com o Hospital Municipal Infantil Menino Jesus, têm conduzido uma pesquisa em que usam células-tronco do dente de leite para reconstrução óssea em crianças com fissura labiopalatal (conhecida popularmente como lábio leporino). Quando a fissura compromete o osso na região alveolar, normalmente é preciso fazer um enxerto com o osso do quadril, o que causa dores no pós-operatório. "Nossa pesquisa usa as células-tronco para estimular a renovação do osso: elas são colocadas na cavidade local ainda indiferenciadas e os estímulos do corpo fazem com elas ajam", explica Daniela Bueno, que está conduzindo essa pesquisa. Além disso, eles estimulam essas células com aplicações de laser, o que torna o processo ainda mais rápido.
Entendimento dos transtornos do espectro autista: Pesquisas brasileiras também estudam os transtornos do espectro autista com o auxílio das células-tronco. Nesse caso, o intuito não é utilizá-las para tratamento em si, mas ajudar os especialistas a entenderem melhor como funcionam os neurônios dos autistas. Para tanto, eles fazem a reprogramação celular de células da polpa de dente ou células do sangue de pessoas autistas, transformando-as novamente em células pluripotentes (células pluripotentes induzidas). Depois, essas células são induzidas a se tornarem neurônios. Com isso, é possível reproduzir exatamente como são os neurônios de crianças com e sem autismo. O próximo passo e usar esses modelos para testar novas drogas.
Entendimento da paralisia cerebral: As células-tronco vem sendo estudadas como forma de reverter os sintomas da paralisia cerebral, dando ao paciente novas habilidades funcionais, o que gera maior qualidade de vida. Além disso, elas podem ser usadas de forma semelhante ao que está sendo feito com os transtornos do espectro autista, ou seja, usando modelos cerebrais para entender melhor o problema e futuramente testar medicamentos.
Tratamento do diabetes tipo 1: Pesquisadores norte-americanos estão testando como usar as células-tronco para ajudarem o pâncreas a recuperar sua função de produzir insulina, habilidade perdida por pessoas com diabetes tipo 1. Para tanto, eles estão injetando células-tronco em cápsulas que são colocadas no pâncreas e desempenham as funções das células-beta desse órgão sem serem atacadas pelo sistema imunológico. Os testes já foram realizados com sucesso em camundongos e agora será testado em humanos.
Tratamento da degeneração macular: Estudos recentes conduzidos nos Estados Unidos têm tratado pacientes que estavam praticamente perdendo a visão com a degeneração macular ou distrofia macular de Stargardt. Nestes estudos, os cientistas diferenciaram células-tronco em células do epitélio pigmentar da retina e as aplicaram nos pacientes, que apresentaram melhoras significativas, mesmo em casos mais avançados. Atualmente esse tratamento já se mostrou seguro e está em testes com grupos maiores de pacientes.
Tratamento do câncer: Alguns estudos no Reino Unido têm buscado formas de transformar as células-tronco em potenciais destruidoras de tumores. Para tanto, cientistas ativam o gene TRAIL nessas células, o que as torna semelhantes às células imunes. Essas células acabam sendo atraídas pelos tumores e fazem com que as células tumorais "se suicidem". Por enquanto essa terapia só foi estudada em ratos, mas conseguiu curar alguns deles completamente do câncer de pulmão.
Recuperação de lesões medulares: Nesse tipo de lesão o paciente pode ter diversos problemas, dependendo da altura da coluna em que o problema ocorreu. A ideia dos cientistas é usar as células-tronco para entender como a região em torno da lesão age e investigar estímulos que ajudam na regeneração sem efeitos colaterais. Existem diversas abordagens e todas estão em fase de testes.
Criação de órgãos para transplante: Muitos cientistas estudam como criar órgãos inteiros, direcionando células-tronco para se diferenciarem formando tecidos para órgãos específicos. Se forem usadas células do próprio paciente, não há risco de rejeição deste novo órgão. No entanto, o desafio dessa linha de pesquisa é fazer com que as células se diferenciem para os diferentes tecidos que podem compor um mesmo órgão, já que eles são estruturas complexas.