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O que leva uma pessoa a entrar no mundo das drogas? A verdade é que não existe regra ou contexto certo. As histórias abaixo mostram isso de forma clara. Com as mais variadas estruturas familiares e graus de instrução escolar dos mais diversos níveis, esses personagens da vida real têm algo em comum: a vontade de vencer o problema com drogas. Todas as histórias aqui relatadas possuem um ponto de encontro em sua jornada, o da recuperação que é baseada na força dos grupos de apoio. Aqui, eles relatam como o programa de Narcóticos Anônimos (NA), instituição sem fins lucrativos e com presença nacional, foi (e ainda é) uma peça essencial na vida sem as drogas. Confira estas 10 histórias de superação:
"Antes do uso das drogas, aos 19 anos, vivi coisas na minha vida, como um abuso sexual, que fizeram viver como um personagem, por causa da vergonha, culpa e medo. Me aperfeiçoei em viver mentiras. Por muito tempo me destaquei como uma aluna nota 10, que me garantia a admiração e aceitação social, mas o egocentrismo crescente me dizia que deveria controlar tudo a minha volta. Isso foi o meu maior algoz enquanto o uso das drogas tomava espaço das coisas importantes em minha vida.
Me casei e fui mãe aos 21 anos, no terceiro ano de faculdade. Engravidei novamente e meu segundo filho nunca nasceu por causa do uso descontrolado de várias substâncias. Me formei, me separei e frequentemente abandonava minha filha aos cuidados dos meus pais quando a compulsão tomava conta de todos os meus pensamentos, vontades e atitudes. Estava falida.
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A recuperação veio ao perceber a mudança na vida da minha mãe, que buscou ajuda nos grupos familiares. Me senti arrastada por seu exemplo e desejei com todo resto de força e vida existentes em mim mudar, por isso pedi ajuda a ela. Assim, conheci um grupo da Narcóticos Anônimos. Hoje percebo virtudes em mim que me levam a práticas saudáveis: esporte, acordar cedo, dormir cedo, ter um objetivo de vida e reconhecer minha razão de existir me fazem prosseguir num propósito espiritual em tempos difíceis.
O enfrentamento da doença com a verdade foi o que me ajudou. Só com muita verdade somos capazes de reconhecer a derrota. Quando admito que perdi para as drogas, dou início ao processo de contrapor o prazer que destrói. É preciso muita coragem para mudar, daí precisamos tanto uns dos outros."
Vinícius, 34 anos, médico, Pinhais (PR)
3 anos e 7 meses longe das drogas
"Conheci as drogas na faculdade de medicina, aos 17 anos. Não consegui parar mais até os 30 anos. Foram 6 internações e muitas perdas, não só financeiras. Relacionamentos amorosos, oportunidades profissionais e bons relacionamentos familiares ficaram impossíveis. Correr risco de morte era uma constante durante o período, mas o pior era minha limitação: virei um prisioneiro das compulsões. Vivia para usar e usava para viver.
Foi quando um colega de profissão, que também era dependente químico e hoje já é falecido por causa da doença, me apresentou o programa de Narcóticos Anônimos. Conheci o caminho para a recuperação há nove anos, mas estou limpo somente há três anos e meio.
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Para chegar aqui, três coisas foram fundamentais: informação, fundo-de-poço e admissão. As pessoas não sabem que este problema é uma doença mental e quando você diz isto, todos procuram outras explicações mais plausíveis: falha de caráter, má vontade, falta de Deus, culpa dos pais, traumas de infância, etc. É mais fácil ver o problema desta forma. Sem a informação de que isto é uma doença é impossível se recuperar. Além da sociedade, o próprio adicto tem dificuldades em acreditar que se trata de uma doença. Foi o momento que eu decidi seguir as sugestões dadas no tratamento e, quase que magicamente, minha vida só tem melhorado a partir de então. No início da minha jornada fiz o que já sabia que deveria ser feito: fui regularmente ao tratamento e evitei pessoas e lugares relacionados ao uso."
Matheus, 18 anos, estudante, Florianópolis (SC)
1 ano e 4 meses longe das drogas
"Na época, morava com meu pai e meu irmão. Comecei fumando maconha e com o tempo usei todas as substâncias possíveis. Me identifiquei no crack e foi quando minha vida começou a se destruir, perdi tudo. Meu pai não tinha mais controle sobre mim, que ainda era menor de idade. Meu pai ficou doente, teve câncer e, após um mês, ele faleceu.
Me senti destruído, perdi o rumo e passei a viver só em função da droga. Todo dia, toda noite, com chuva e com sol eu estava usando. Cada vez queria usar mais, a droga já não me satisfazia como antes. Foi quando a morte do meu pai me trouxe um despertar espiritual e decidi me internar. Nesse momento, minhas irmãs voltaram a se aproximar de mim e me internaram em uma comunidade terapêutica. Lá eu aprendi muito sobre a irmandade de Narcóticos Anônimos e, quando saí, passei a frequentar as reuniões da NA. Fui muito bem recebido e consegui me sentir importante para alguém.
Achava que ia morrer usando e hoje venho apreendendo que o NA está de porta abertas para me acolher e me ajudar. Para me manter longe da droga, ainda preciso me vigiar, saber o que vou fazer. Evito algumas pessoas e lugares. Tudo o que é ruim para mim hoje eu evito. Procuro decidir tudo da maneira mais correta, calculo e tomo a atitude certa com responsabilidade. O primeiro passo para parar de usar é ter o desejo. Tem que querer muito. É difícil, eu sei. Cada dia eu faço a decisão de não usar. Eu tenho o desejo, eu tenho a vontade de ficar limpo. Com tudo isso aprendi a preservar a minha vida. A coisa mais importante que tenho hoje é a minha vida."
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Leyla, 24 anos, estudante, Curitiba (PR)
94 dias longe das drogas
"Comecei desde cedo a usar substâncias químicas e álcool. Tinha apenas 8 anos quando tomei o meu primeiro 'porre' de cerveja. Comecei a fumar cigarro e maconha aos 12 anos. Aos 14, usei cocaína. Guardava o que recebia de mesada para comprar drogas, vendia coisas de dentro de casa. Até arrumei um emprego e, no dia do pagamento, gastei tudo em drogas.
Fui indo cada vez mais para o fundo de poço, até que tive o meu primeiro internamento. Acabei voltando para o vício, fui internada mais umas 4 vezes e, na última, saí da instituição e fui direto para um grupo de Narcóticos Anônimos, onde eu fui bem recebida, mesmo ninguém conhecendo minha história. Nem na minha casa eu era bem-vinda mais.
Para me recuperar, foi importante eu me afastar dos 'amigos', evitar lugares que eu andava antes e mudar algumas atitudes impulsivas que tomava antes. Hoje, procuro ser honesta comigo e com o próximo, desvio de locais que possam ser de risco para a minha recuperação. Busco praticar a honestidade, a boa vontade e a mente aberta."
Roberta, 34 anos, gestora de vendas, São Paulo (SP)
9 anos e 5 meses longe das drogas
"Nasci em uma família considerada 'normal' para a sociedade, tive carinho e afeto, pais atenciosos e amorosos. Porém, desde muito cedo tive contato com o álcool, considerado uma droga leve, aceitável, mas aos 18 anos comecei a experimentar drogas ilícitas, quando entrei na faculdade. Meu corpo exigia cada vez mais e eu buscava sempre novas drogas. Terminando a faculdade, me mudei para outro estado para fazer uma nova graduação e especialização, mas também para ficar longe da minha família, que não sabia do meu uso. Tive que interromper minha segunda graduação, pois o uso ficou mais intenso.
Cheguei ao fundo do poço emocional, espiritual e físico, precisei buscar ajuda em uma clínica de reabilitação. Passei por um tratamento e voltei a morar com meus familiares no Paraná, procurei o Narcóticos Anônimos e fui ficando 'limpa' um dia de cada vez.
Hoje estou casada, tive um filho, trabalho, consegui recuperar minha autoestima, minha fé e acredito que há vida pós-drogas. Para se recuperar, a palavra-chave é desejo, a pessoa precisa sentir essa vontade de parar de usar, evitar as companhias e os hábitos da ativa e procurar ajuda, como a Narcóticos Anônimos ou uma clínica de reabilitação. Sozinha eu não consigo, juntos podemos."
Jeferson, 38 anos, coordenador de marketing, São Paulo (SP)
4 anos longe das drogas
"Desde a pré-adolescência tive interesse em me relacionar e conviver com pessoas mais velhas para me sentir melhor do que os garotos da minha idade (13 anos). Isso me colocou em contato com o álcool desde muito jovem. Aos 17 anos tive contato com a maconha e, aos 18 anos, com a cocaína. Pelos três anos seguintes me diverti, fui a festas, conheci garotas, parecia perfeito. Mas com o tempo os 'amigos' que usavam drogas comigo pararam de usar e eu não conseguia. Fui me isolando, comprometendo estabilidade nos empregos, abandonando estudos, namoradas e até os familiares mais próximos.
Passei por instituições para dependentes químicos, conheci a Narcóticos Anônimos, mas só depois de alguns meses que passei a frequentar as reuniões, com o real desejo de parar de usar e encontrar uma saída definitiva para o meu problema com drogas.
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Hoje tenho uma vida que nem nos meus sonhos mais otimistas acreditei que poderia ter. A vontade de mudar surgiu quando olhei ao redor e me vi sozinho, com duas alternativas: me entregar de vez e desistir ou tentar mudar de vida, dar uma chance para mim e acreditar em algo que funcionava para milhares de pessoas, a irmandade de Narcóticos Anônimos. Hoje só estou limpo há 4 anos e 29 dias porque decidi não usar um dia de cada vez."
Antonio, 35 anos, professor, Joinville (SC)
10 anos e 6 meses longe das drogas
"Com 14 anos comecei na dependência. Não tinha consciência de certas coisas que aconteciam e, quando observei os danos que estava fazendo em minha vida e na vida da minha família, já estava totalmente fora da realidade. Fiquei internado por um tempo e depois busquei a recuperação na irmandade de Narcóticos Anônimos, onde dei seguimento ao meu processo de recuperação, aos 25 anos de idade. Nessa época, era um professor recém-formado e estava sem nenhum rumo em minha vida.
Uma coisa que a família pode fazer para ajudar é colocar fotografias de infância perto do dependente, fotos de pessoas que ele goste, isso mexe com a pessoa e uma hora ou outra poderá surgir uma resposta positiva. É um processo lento, porém muito eficiente.
Abandonei o vício por causa do amor que tenho pela minha família e porque buscava novos horizontes em minha profissão. Tive que modificar alguns hábitos, deixei de frequentar certos lugares, me afastei de pessoas que estavam fazendo o uso das drogas. Tentei praticar esportes e melhorar minha alimentação, além de frequentar as reuniões em grupos do NA cotidianamente."
Alice, 49 anos, jornalista, Rio de Janeiro (RJ)
18 anos e 5 meses longe das drogas
"Comecei a usar drogas muito cedo para fazer parte daquela turma 'mais descolada'. O que era uma brincadeira se tornou um hábito semanal, diário. Rapidamente a perda de controle se instalou. Tive uma boa formação familiar e isso não foi suficiente para meus valores se manterem sólidos.
Junto ao uso de drogas, a deformação de caráter e personalidade ficaram latentes e eu passei a viver para usar e usar para viver, sem poupar maneiras e meios de usar drogas. Completamente falida em todas as áreas da minha vida: física, mental, emocional, espiritual, familiar e financeira, encontrei a irmandade de Narcóticos Anônimos, que me ofereceu uma nova maneira de viver livre das drogas. Para isso, precisei sentir uma aceitação no nível mais profundo e compreender que o mundo não me devia nada.
Junto ao uso de drogas, a deformação de caráter e personalidade ficaram latentes e eu passei a viver para usar e usar para viver, sem poupar maneiras e meios de usar drogas. Completamente falida em todas as áreas da minha vida: física, mental, emocional, espiritual, familiar e financeira, encontrei a irmandade de Narcóticos Anônimos, que me ofereceu uma nova maneira de viver livre das drogas. Para isso, precisei sentir uma aceitação no nível mais profundo e compreender que o mundo não me devia nada.
Serena, 35 anos, servidora pública municipal, Serra Gaúcha (RS)
7 anos longe das drogas
"Iniciei o uso de drogas por diversão, ou pelo menos é o que eu pensava na época. Conforme o tempo foi passando, percebi que eu já não parava mais quando eu queria. Comecei a fazer coisas que eu jamais imaginei que faria. Prejudiquei a mim mesma e a outras pessoas. Só pedi ajuda quando não tive mais saída, quando minha mãe, chorando, disse que não sabia mais o que fazer. Naquele dia, ela tinha percebido que saquei dinheiro da sua conta, então eu admiti que perdi o controle total da minha vida. Foi então que começamos, juntas, a buscar soluções. Encontramos um lugar que pessoas como eu se reuniam para partilhar a recuperação.
Encontrei o meu lugar no mundo, não me sentia mais sozinha. Percebi que a recuperação era possível e continuo voltando para manter aquilo que tenho: uma vida limpa, sem drogas. Só procurei ajuda quando a dor de não mudar foi maior do que a dor da mudança. Para me manter limpa, preciso fazer uma manutenção regular da minha recuperação.
Procuro estar com pessoas que também vivem essa nova maneira, sem drogas, busco compartilhar com elas as minhas dificuldades e as minhas conquistas diárias, assim vamos ajudando uns aos outros. Adicção é uma doença, não é falta de caráter. É uma doença comportamental, com sérios prejuízos sociais, inclusive. Ela nos leva a três destinos: instituições, prisões ou morte. O desejo de querer parar é a chave da recuperação. Minhas experiências me mostraram como ter esperança em qualquer ser humano, não importa o que ele fez no passado."
Alisson, 28 anos, advogado, Curitiba (PR)
1 ano e 9 meses longe das drogas
"Nasci em outro país e vim para o Brasil com 8 anos junto com meus pais. Aqui comecei a estudar e tentar me adaptar a uma nova realidade. Logo após a adolescência começou o meu uso de drogas, resultado, entre outras coisas, da minha falta de aceitação. O uso de drogas prolongou-se por 10 anos, causando descontrole físico, mental e emocional.
Em 2012 fui internado em uma comunidade terapêutica e lá conheci o programa de Narcóticos Anônimos. Após sair da comunidade, acreditei que ainda poderia usar álcool, crença esta que me fez voltar a usar drogas ilícitas. Em 2014, cansado de tanto sofrer, retornei para os grupos e reuniões de NA, tendo a certeza de que ali era o meu lugar.
Além do desejo honesto de parar de usar, foi fundamental na minha recuperação o apadrinhamento, o amor e acolhimento dos companheiros de NA. Hoje eu evito lugares e hábitos relacionados a drogas. O primeiro passo foi me afastar de amigos e conhecidos dependentes.
O meu maior aprendizado certamente foi aceitar ser uma pessoa que possui uma doença, mas ciente de que tenho um tratamento. Este aprendizado aconteceu de forma lenta e gradativa, mas foi um alívio e, graças a essa aceitação, finalmente pude abrir minha mente e iniciar minha recuperação."
Sobre o Narcóticos Anônimos (NA)
A irmandade sem fins lucrativos atua mundialmente desde 1953 e realiza atualmente cerca de 63 mil reuniões semanais em mais de 131 países. No Brasil existem atualmente cerca de 1.463 grupos realizando aproximadamente 4.000 reuniões por semana. Os grupos de NA recebem homens e mulheres de todas as idades que entendem que a droga está sendo um problema em suas vidas. As reuniões regulares dos grupos servem para que todos se ajudem a manter-se longe do uso. O objetivo do programa é para total abstinência de todas as drogas, inclusive o álcool.
Narcóticos Anônimos faz questão de ressaltar que para ser um membro não há qualquer tipo de discriminação, seja social, religiosa, econômica, racial, étnica ou de gênero, sendo o único requisito para ser membro o desejo de parar de usar. Não há quaisquer matrículas ou taxas para se tornar um membro de NA.
Uma das chaves do sucesso do método é o valor terapêutico do trabalho de adictos junto a outros adictos. Os membros partilham suas conquistas e desafios para superar o vício, viver livre das drogas e de forma produtiva, através da aplicação dos alicerces do programa de recuperação de 12 passos, que contam com a admissão de que existe um problema, a busca de ajuda, a realização de uma autoavaliação honesta, a admissão de defeitos, reparações pelos danos causados e ajudar outros adictos a se recuperarem. Para conhecer mais sobre Narcóticos Anônimos, acesse o site: http://www.na.org.br/
* Os nomes dessa matéria podem ser fictícios para preservar o anonimato pessoal.