Formada em psicologia pelo Centro Universitário Paulistano e em psicanálise pelo Centro de Estudos em Psicanálise.Especi...
iO tema relacionamento abusivo tem frequentemente estado presente nas sessões ou mesmo nas leituras e conversas. Este assunto antigo e histórico tem sido atualmente tão falado e mencionado, porque possivelmente não dá mais conta de guardar para si e se calar diante de tantas vivências em torno dele.
Falar a respeito não é "mimimi", é educativo, fundamental e uma questão de saúde pública. É uma grande chance de aprender a respeito e se defender na vida destas situações e poder dar a chance de ser você mesmo. Muitas pessoas se encontram nestas relações porque nunca tiveram a chance de ler, ouvir e falar a respeito, apenas seguem os tabus e regras sociais e culturais que a vida impõe e acreditam que ali devem ficar.
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O que é um relacionamento abusivo?
Um relacionamento abusivo é toda e qualquer relação onde uma pessoa exerce poder excessivo e continuo sobre a outra pessoa, gerando no outro uma dependência, aprisionamento, medo, insegurança e receio de ser ele (a) mesmo (a) e impedindo de alguma forma que este outro possa se expressar e agir por ele mesmo.
Isso não acontece somente com casais, mas pode acontecer entre pais e filhos, entre irmãos, amigos ou mesmo no ambiente de trabalho e se caracteriza por controle prejudicial ao físico, psicológico, cultural, financeiro, patrimonial, social, de gênero e sexualidade. A relação gera possessão, menosprezo, submissão, agressividade e é firmada em cima de ações, palavras, gestos, piadas, sarcasmos e cultura de poder ou superioridade de um frente ao outro.
É muito importante saber que nem toda relação abusiva necessariamente irá sofrer agressividade física ou ofensa grosseira de palavrões. Muitas relações passam desapercebidas e com apoio social, cultural e até religioso, pois se apoiam em nome do que entendem e chamam de amor e valores morais.
A relação abusiva faz parte de nossa cultura há muitas gerações e é ensinada às crianças desde cedo através de tapas, gritos, ofensas e ações que são justificadas moralmente. Aquela frase: "eu não sei porque estou batendo, mas ele (a) sabe porque está apanhando?, é um grande exemplo disso. Nossa cultura prega que aquele que apanha ou é humilhado pediu por isso e merece tal punição e também que aquele que exerce o poder de bater, xingar, humilhar, apontar, criticar, menosprezar e diminuir o outro é inteligente, heroico, forte, poderoso e está apenas cumprindo seu papel de ?boa pessoa? na sociedade.
Como reconhecer um relacionamento abusivo?
Uma pessoa de atitudes abusivas, muitas vezes nem mesmo se dá conta de que suas atitudes são prejudiciais, possivelmente porque ela provavelmente passou por isso ou assistiu tal aprendizado, isto é, na maioria das vezes são pessoas que avaliamos como boas, com bons valores e atitudes gerais que são consideradas saudáveis. Mas ao mesmo tempo são envolventes, com conhecimentos e com facilidade de manipular o outro para suas verdades, pois realmente acreditam que estão certos, portanto não enxergam ou entendem que haja maldade ou prejuízo em seus atos e palavras, pelo contrário o outro é que é ingrato, problemático, imoral e que pouco provável outra pessoa o(a) amaria tanto assim.
Nossa cultura não somente aceita uma relação abusiva como comum, mas ainda apoia estruturas abusivas romantizando o abuso, o excesso de poder e diferenças entre gêneros, classes sociais e posição na família. Frequentemente assistimos em novelas, filmes ou ouvimos histórias de relações onde o ciúme excessivo, a manipulação em nome da paixão, atos invasivos e persecutórios são aceitos e compreendidos em nome do amor ou de Deus e assim uma relação abusiva é entendida desde cedo que deve ser não somente suportada, mas desejada e admirada.
É importante frisar que uma relação abusiva não ocorre somente por parte dos homens, apesar de na maioria das vezes as queixas estarem ligada a eles e possivelmente devido ao contexto cultural social que vivemos. Mas há muitas mulheres, amigas, irmãs e mães extremamente abusivas que em nome de sua ideia de amor ou do que entendem como o bem exercem seu poder abusivo e prejudicial sobre o outro.
Reconhecer que está em uma relação abusiva na maioria das vezes não é fácil, pois como mencionei estamos tão habituados a conviver com estas ações e costumes e até mesmo acreditar que isso é amor, que uma pessoa pode ficar uma vida toda nesta relação e não se dar conta de que está sendo abusiva ou abusada. É preciso que algo chame a atenção para certo estranhamento e a partir de então pode ser que venha a questionar sua estrutura de vida e de relação. Sem contar que reconhecer que está nesta situação envolve também um delicado conflito pessoal, é muito difícil perceber que se colocou, aceitou e ficou neste lugar. As pessoas costumam se julgar muito por isso e sofrem com este reconhecimento e por isso podem resistir muito no início, por vergonha e confusão de ideias e tabus.
Na maioria dos casos é preciso auxilio de alguém de fora da relação, um conhecido que a pessoa confie para aos poucos ir refletindo, ouvindo, falando e então poder perceber o que acontece consigo e sua relação (daí a importância extrema de falarmos cada vez mais sobre esse tema).
Inclusive é exatamente por isso que pessoas abusivas tendem a criar impedimentos para que seus parceiros, filhos, amigos ou funcionários não tenham outros contatos e relações profundas. Acabam gerando disputas, pedem para escolher entre um ou outro, criam cenas que desvalorizam e acusam este outro, pois temem que seu submisso acabe ampliando seu olhar e reveja seu lugar na relação.
Quando terminar uma relação abusiva?
Estar numa relação abusiva, nem sempre significa o fim ou separação, se ambas as partes estiverem abertas a falar, ouvir, serem ouvidos e refletir sobre a estrutura de sua relação podem sim aprender e criar uma possibilidade de uma nova relação mais saudável.
Mas isso não depende de boa vontade ou palavras bonitas e de amor, nem mesmo de contexto religioso. Para que isso aconteça é preciso que ambos cheguem a conclusão que sua relação é prejudicial para os dois lados e por isso entendem que algo precisa ser revisado e modificado. O mais difícil aqui é esta consciência acontecer no mesmo tempo para ambos os lados. Geralmente um lado (mais comum, o lado submisso) percebe antes e precisa construir possibilidades de mudanças antes que seja tarde. E o outro lado em vez de acompanhar, acaba se tornando mais agressivo ou conflituoso, pois teme perder sua relação e resiste em considerar sua responsabilidade na história, reforçando mais ainda seus hábitos.
Muitos me perguntam quando e se devem terminar e eu jamais me atreverei a dizer, pois como psicanalista, entendo que dizer o que uma pessoa deve ou não fazer é um ato invasivo e extremamente prepotente, que sugere que eu (ou qualquer pessoa) saiba mais sobre sua vida que você mesmo. Se você sabe que está numa relação abusiva, sofre com isso e mesmo assim tem dúvidas do que deve fazer, já não estamos falando somente de sua relação com o outro, mas de sua relação com você mesmo. Vale pensar no que será que te faz aceitar, compreender e ficar neste lugar em sua vida?
O que seria terminar? Seria ir embora ou colocar o outro para fora de sua vida? Talvez essa seja a solução para uns, mas para outras pessoas terminar seria conseguir colocar um fim a este lugar submisso e aprender a se reposicionar na vida com mais poder sobre si mesmo, barrando o abuso do outro e colocando limites nas interferências dos outros sobre si mesmo.
O que posso sugerir é que se está sofrendo, se sente menos, inseguro, se acredita que deve ser grato ao outro por cuidar ou ficar com você, se vivem brigando, se as ações do outro te humilham e te desmerecem, então preste atenção, possivelmente está numa relação abusiva.
Pense consigo mesmo:
- O que você busca ou espera quando está numa relação?
- A sua relação te traz isso?
- Você se sente capaz, produtivo e seguro de ser você mesmo ou depende do outro para tomar suas decisões?
- Tem medo de perder o outro e por isso abre mão de seus prazeres?
Esta resposta pode te ajudar a refletir sobre o que está acontecendo com você e também sobre o que pode fazer. Caso esteja muito difícil ou sinta muito medo, não saiba como fazer, busque ajuda de alguém conhecido e confiável, mas principalmente de um profissional, para falar e se ouvir.