Formada em psicologia pelo Centro Universitário Paulistano e em psicanálise pelo Centro de Estudos em Psicanálise.Especi...
iUma violência pode acontecer de diferentes formas podendo ser física, psicológica, gênero, sexual e financeira, assim como os tipos de assédio e abuso também ocorrem de diferentes formatos e intensidades. Tratam-se de acontecimentos contínuos apoiados em fundamentos histórico, social e cultural.
Apesar de atingir tanto os homens como as mulheres, pelo mundo todo, as mulheres, em qualquer idade ou classe social ou etnias ou período ou situação de suas vidas, acabam sendo um alvo frequente e em larga escala dessas agressões, tornando-as assim as principais vítimas.
Todos os dias e cada vez mais, ouvimos, assistimos ou lemos a respeito de mulheres vítimas de assédio e abuso. Na maioria das vezes essas informações chegam a grande massa social como uma informação trágica e muitas vezes finalizada na morte da mulher.
Também podemos acompanhar através de diferentes canais informativos, principalmente pelas redes sociais, diversos manifestos e chamadas feitas por grupos ou instituições a respeito da importância de falar, mostrar, expor e ensinar sobre os assédios. O intuito é que assim se dê uma chance para que muitos possam refletir sobre essa situação, que há tempos tem sido disfarçada e encarado muitas vezes como natural pela sociedade e seus valores morais.
Falar e ensinar sobre os diferentes formatos de abuso e violências, assim como explicar e informar sobre direitos ao respeito com a seu corpo, sua vida, suas escolhas são ricas oportunidades que hoje chegam a muitas pessoas. Essas são oportunidades que podem evitar que o número atual e alarmante de assédios, abusos e violências continue crescendo ou sendo aceito como algo compreensível.
Essas denúncias também podem acabar propondo uma queda nessas estatísticas por ajudar as pessoas a identificarem as situações de abuso, de risco ou mesmo a buscar ajuda e se defenderem.
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Por que nem sempre os abusos são denunciados?
Temos uma facilidade maior de comunicação e exposição do tema que possuímos atualmente. Temos os recursos destinados aos direitos da mulher e contra violência e abusos. Então, por que, mesmo muitas mulheres acabam não buscando ajuda ou denunciando seus agressores?
Essa situação e explicação é muito mais ampla e delicada, do que um texto pode dar conta. Há diversos motivos e o principal deles é a particularidade existencial de cada pessoa que precisa ser compreendida antes de qualquer coisa.
Somos todos seres ou sujeitos constituídos e formados por uma cultura, leis, valores morais e sociais, históricos familiares, além de nossa estrutura emocional pessoal. Somos quem somos, acreditamos ou não, fazemos ou deixamos de fazer algo por influências diversas que nem sempre são conscientes ou tão claras. Por isso, nossos atos nunca podem ser avaliados, julgados ou entendidos unicamente por um simples querer ou não querer.
O processo de uma mulher optar pela denúncia ou não, por buscar ajuda ou não, requer enfrentar consigo mesma novamente uma nova violência, através de um outro lugar.
Reconhecer, enfrentar, assumir e expor um abuso sofrido remete muitas vezes a um nível de sofrimento que pode ser imensamente angustiante, mesmo que pareça ser um caminho de ajuda. Suas questões de vida, seus sonhos, seus valores, sua autoestima serão colocados numa situação de humilhação que muitas vezes é recebido sem qualquer cuidado ou manejo para que possa lidar.
Os relatos de mulheres abusadas e violentadas que buscaram ajuda acabam nos mostrando que a mulher na maioria das vezes é questionada sobre seus relatos, sobre suas roupas, suas condições e colocada como uma suspeita e responsável em provocar a situação. Isso reforça ainda mais a humilhação já sofrida anteriormente e piora sua condição psíquica frente ao ocorrido.
Os exames clínicos, os interrogatórios mal executados e os julgamentos recebidos desencorajam grande parte delas a buscarem ajuda. Também há poucas atitudes efetivas contra o agressor, que não vão além de um boletim de ocorrência ou medidas de distanciamentos que na maiorias das vezes não intimidam eles, que voltam a realizar as agressões. É comum, inclusive que os casos acabem em homicídios a partir de então.
Vínculo com o agressor
O formato cultural que envolve aquela mulher, ou seja, o tipo de vínculo que ela possui com o agressor também é fator relevante. O machismo que fez parte da educação dessas mulheres acaba ensinando a elas que devem aceitar e compreender certas situações em nome de um casamento, de uma religião ou valores sociais. A dependência psicológica e financeira é mais um fator que acaba retirando da mulher a possibilidade dela pensar sobre suas capacidades, seus potenciais, seus valores existenciais e seus direitos.
A mulher é ensinada desde muito cedo a acatar, ceder, ser doce e entender e salvar o meio que vive. Assim, acaba se colocando em situações de risco, de desrespeito e de aprisionamento nas relações. É muito comum elas acharem que os agressores irão mudar, que eles estão passando por fase difícil, que elas devem aguentar em nome do amor ou da lei moral, religiosa e social.
Muitas mulheres chegam a se sentir culpadas pelas agressões sofridas e são julgadas por si e pelos eu meio como erradas e causadoras da situação. Sentem que são fracas, que são menos ou não têm capacidade, e assim acabam achando que é melhor ficar com alguém, mesmo sendo agredida, pois não aprendeu sobre seus potenciais independentes.
Denúncia por descrença
O que podemos chamar a atenção e pensar com muito cuidado é que parece que os principais motivos das mulheres se recusarem e evitarem a buscar ajuda nessas situações é a descrença no meio que vivem, tanto familiar quanto social. Onde ela deveria sentir apoio, ajuda, orientação, proteção e socorro, ela recebe na verdade dúvida e humilhação. Em alguns casos, há até risco de vida.
Cultura machista
A carga emocional que as mulheres carregam e herdam através do machismo geram resultados com danos imensos a sua estrutura e saúde psíquica. Muitas aceitam essas situações e também acreditam que são responsáveis por sofrer tais abusos.
Ajudar e ensinar sobre seus direitos psíquicos, sociais e humanos é fundamental para estimular as mulheres a identificarem as situações de risco em que elas se encontram ou para evitar que se coloquem e aceitem tais condições.
Precisamos continuar falando e dando oportunidade para que cada dia mais e mais pessoas repensem sobre o prejuízo e os danos gerados por uma cultura machista que necessita sempre oprimir, reprimir, humilhar e agredir outra pessoa para garantir o poder de um.
Mas o que entendemos aqui também é que saber sobre seus direitos, ir atrás deles e buscar ajuda não garante bem estar, auxílio, mudança da situação ou socorro. Pelo contrário, as mulheres entendem que podem correr mais risco, psíquico, físico e de vida.
Denunciar nem sempre é uma regra
Por isso, antes de forçarem uma situação ou de impor uma regra e um conselho, é preciso tomar muito cuidado para não reduzir toda estrutura emocional, social e familiar a visões técnicas ou com análises cercadas de tabus que induzem ao julgamento de certo ou errado ou sugerem formatos de autoajuda com regras a seguir pregando a falsa ideia de que aquilo será o melhor pra ela.
Na verdade, o que uma mulher precisa é ser olhada, escutada, percebida e acolhida com suas condições existenciais e pessoais e levando isso em consideração pensar na melhor possibilidade para ela.
Antes de encerrar deixo aqui um alerta a todas as mulheres que sofrem, já sofreram ou conhecem quem sofre abusos e violências: apesar de toda essa falta de manejo e condição social sempre pode haver alguém para te ajudar.
Busque ajuda, você nem ninguém merece ou precisa ser humilhada e agredida. Pode parecer que não vai dar conta, mas acredite que há pessoas dispostas a ajudar você. Tome cuidado. mas tente encontrá-las. Pode ser um amigo, um familiar ou mesmo um profissional da saúde de confiança. Uma pessoa que te ouça, te acolha e junto com você possam encontrar um método para se defender.
Podemos até duvidar do meio que vivemos, mas não deixe de acreditar em você e nem que você merece uma vida respeitosa e que seus direitos tem valor.