Com experiência na cobertura de saúde, especializou-se no segmento de família, com foco em gravidez e maternidade.
O dia das crianças se aproxima e os pedidos dos seus filhos já vêm junto: a boneca que imita um bebê, a miniatura do personagem do momento, a pista que arremessa os carrinhos para o outro lado do quarto...
Principalmente quando são pequenos, os filhos nos suscitam os sentimentos mais fortes: o maior amor que há em nós, a preocupação excessiva com seu futuro, a vontade que nada de mal lhes atinja? E no dia das crianças, nosso coração sempre amolece na retribuição com presentes e passeios.
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E não é à toa. O Dia da Criança segundo a ONU é comemorado em 20 de novembro, por ser a data em que foi aprovada a Declaração Universal dos Direitos da Criança. No entanto, especula-se que a origem da comemoração em 12 de outubro tenha "pegado" nos anos 50, por causa de uma ação de marketing de uma marca de brinquedos.
Se, com o passar das gerações, os brinquedos e passeios se tornam mais interessantes, o que aconteceu com a presença dos pais na vida destas crianças?
"As pessoas não estão dando a atenção devida às crianças", afirma a psicóloga Katyanne Segalla, que atende crianças em seu consultório.
Um estudo comparou o tempo que os pais passam com seus filhos em 11 países entre 1965 e 2012. Enquanto em 1965, as mães passavam, por dia, uma média de 54 minutos com as atividades relacionadas a cuidados infantis, em 2012 a média era quase o dobro: 104 minutos por dia. Já em relação aos pais, o aumento foi ainda maior. Em 1965, eles passavam uma média diária de apenas 16 minutos com seus filhos, enquanto hoje em dia cuidam dos filhos por cerca de 59 minutos diários.
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Tempo de qualidade
Por outro lado, a quantidade nem sempre indica que este tempo está sendo bem aproveitado. Outro estudo feito em 25 países descobriu que, em média, as famílias passam juntas apenas 36 minutos de "tempo de qualidade".
De acordo com a psicóloga Katyanne Segalla, se fala muito no tempo que as pessoas estão passando com seus filhos, mas pouco se menciona como esse tempo pode ser bem aproveitado. "O que a gente tenta orientar é que, no tempo que ela puder, a pessoa esteja com essa criança mesmo. Nem que forem 10 minutos, que não fique dividindo essa criança com o celular com a televisão", explica.
A presença, segundo ela, é importante para a formação da personalidade dos pequenos. O que acontece é que nos primeiros anos, as crianças se espelham nas figuras próximas que elas têm, aprendendo a como se comportar através delas. "Se o núcleo familiar está mais ausente, há maior dificuldade de se espelhar. Então buscam a referência de educadores e pessoas próximas", completa. Isto pode gerar um problema pois nem sempre os mesmos valores e referências são compartilhados.
Até na formação de um hábito alimentar saudável a presença faz diferença. A nutricionista comportamental Karen Caroline explica que fazer pelo menos uma refeição em família torna mais fácil que a criança aprenda a comer bem. "O meio ensina muito mais, a vivência ensina muito mais. Se os pais perdem esse momento [de comer à mesa], perdem a oportunidade de ser modelo para aquela criança", explica.
Mini-adultos?
Na tentativa de proporcionar um futuro melhor aos filhos, muitos pais os matriculam em cursos, atividades e buscam os melhores resultados na escola. Mas o tempo para brincar livremente permaneceu? A pressão para que as crianças alcancem marcas não obtidas pelos pais pode colocá-las em uma competição ingrata, que os traz doenças consideradas "de adulto".
"Se os pais colocam um monte de coisa pras crianças fazerem durante a semana, elas não conseguem exercer nem a criatividade nem a vontade. O brincar espontâneo também ajuda na saúde mental", enfatiza Katyanne.
Em alerta lançado esta semana, a Organização Mundial da Saúde estima que metade dos transtornos emocionais se originam ainda antes dos 14 anos. Estes problemas atingem um a cada cinco adolescentes e, segundo o órgão, a maioria dos casos não é tratada.
A psicóloga concorda que, com a popularização destes temas e do acesso ao tratamento, estes problemas estão mais diagnosticados do que antes. No entanto, não descarta o modo como a sociedade atual se configura como grande protagonista no cenário.
"A sociedade está muito corrida. Vemos crianças ansiosas que não conseguem dormir, têm crise de pânico. Vemos distanciamento familiar, essa enxurrada de tarefas... As crianças têm que lidar com coisas que não são adequadas para a faixa etária delas", explica.
Diante deste cenário, muitos pais se sentem culpados e não entendem por qual motivo seus filhos estão sofrendo de questões psiquiátricas, já que provém de tudo materialmente. "Às vezes eles dão um monte de brinquedo, mas no outro quarto estão gritando, se xingando...", ressalta.
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Obesidade infantil
O valor da presença na vida de uma criança se reflete até quando o problema parece físico. Quando se busca no google por "epidemia infantil", os primeiros resultados já apontam para a obesidade em crianças.
A nutricionista comportamental Karen Carolina, no entanto, explica que não há um consenso sobre a obesidade ser, por si só, uma doença. "O grande problema não é o excesso de peso ou o acúmulo de gordura, mas a consequência do que pode trazer para o corpo, como a resistência à insulina ou pré-diabetes", explica.
Por isso, a nutricionista prefere tratar como uma questão multifatorial, com origem em questões como o sedentarismo e a alimentação ultraprocessada.
"O sedentarismo mata tanto quanto cigarro. Mas quando vemos pelo viés do peso, a gente se desliga da parte de saúde. Aí, quando emagreço, paro de me exercitar", exemplifica Karen.
Estes problemas podem ser agravados pelo estilo de vida que as crianças levam atualmente, em que as brincadeiras são mais internas e as famílias têm menos tempo para preparar alimentos em casa, junto à maior oferta dos ultraprocessados. "Antes era muito comum ver as crianças brincando na rua e elas se movimentavam sem perceber", continua a nutricionista.
Por isso, quando os pais chegam a seu consultório se queixando de crianças com obesidade, ela reforça que a criança não deve mudar sozinha, mas sim os hábitos da família como um todo. E isso demanda presença, com maior responsabilidade dos adultos. "Não adianta eu oferecer verduras pro meu filho se eu como achando que salada é mato", exemplifica a nutricionista.
Exatamente pela obesidade ser uma questão multifatorial, Karen aconselha que os pais fujam de profissionais de emagrecimento, e busquem profissionais de saúde. Caso contrário, é um terreno fértil para o desenvolvimento de transtornos e compulsões alimentares.
Atenção aos sinais
Se, por um lado, a proximidade dos pais com as crianças pode evitar que estes problemas "de adulto" apareçam, por outro, também torna mais fácil enxergar quando algo não vai bem.
A psicóloga Katyanne aconselha que os pais e cuidadores estejam atentos às mudanças repentinas na forma de socialização de uma criança. Se, de repente, ela passa a só querer ficar no colo, tem medos exagerados que não tinha antes ou não brinca mais na escola, é um alerta vermelho para algum transtorno emocional, como depressão ou ansiedade.
Os sinais destes problemas também podem aparecer na hora de dormir, como privação, excesso de sono e xixi na cama, e na hora de comer, com ausência ou excesso de fome.
"Se você conhece essa criança, sabe quando ela está mudando o comportamento", finaliza a psicóloga.