Psicóloga, formada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), especialista em atendimento a usuários de Drogas...
iCom experiência na cobertura de saúde, especializou-se no segmento de família, com foco em gravidez e maternidade.
Você sabe como uma pessoa autista enxerga o mundo? O transtorno do espectro autista (TEA), ou apenas autismo, é um transtorno no desenvolvimento neurológico e pode afetar diferentes áreas da vida.
Segundo dados publicados pela Universidade de São Paulo (USP), estima-se que só o Brasil tenha cerca de 2 milhões de pessoas com autismo. No mundo, é estimado que haja aproximadamente 70 milhões de autistas, somando 1% da população mundial — dados que levaram à criação do Dia Mundial de Conscientização Sobre Autismo, celebrado em 2 de abril.
Pensando em amplificar informações sobre o tema, o MinhaVida convidou dois autistas e uma psicóloga para esclarecer as principais dúvidas e desinformações sobre pessoas no espectro autista.
10 coisas que pessoas com autismo gostariam que você soubesse
Willian Chimura tem 25 anos, é programador e faz mestrado em informática para educação. Marcos Petry tem 26, é palestrante, escritor e tem dois livros publicados.
Além da idade próxima, os dois têm outro fator em comum: ambos foram diagnosticados com Transtorno do Espectro Autista e contam suas experiências em canais do YouTube.
Conversamos com Willian e Marcos, que contaram tudo o que uma pessoa neurotípica — que não tem autismo ou outro transtorno psiquiátrico — deveria saber sobre como uma pessoa com autismo enxerga o mundo. Confira!
1. Autistas não são todos iguais
O que se chama de autismo é, na verdade, uma gama de diagnósticos englobadas no transtorno do espectro autista (TEA). Todos eles têm em comum a dificuldade no relacionamento social e os interesses restritos específicos desde o início da vida.
No entanto, é possível identificar diferentes níveis dentro do espectro autista. De acordo com o Ministério da Saúde, os níveis leves apresentam sintomas mais amenos e permitem total independência para atividades cotidianas, enquanto em outros casos há maior necessidade de apoio para tarefas do dia a dia.
“Observo que em diversas situações, seja por falta de informação ou por preconceito, as pessoas tendem a ver o sujeito autista como alguém incapaz, inacessível, instável emocionalmente e até agressivo. Trata-se de uma concepção pejorativa e bem equivocada”, afirma a psicóloga Pâmmela Lôbo.
2. Pessoas com autismo não são insensíveis
As dificuldades no relacionamento social podem estar ligadas à fama de insensibilidade das pessoas com autismo. Mas isso não é verdade. O fato é que essas pessoas podem ter formas diferentes de expressar sentimentos.
"Assim como a falta de iniciativa, existe também a falta de energia para se embrenhar pelo mundo pouco objetivo dos sentimentos, então creio que, ao invés de afastar o autista de grupos de amigos ou até de festas, deve-se esperar um pouco até que ele se engaje com o mundo sentimental", esclarece Marcos Petry.
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3. Autistas não necessariamente têm deficiência intelectual
O autismo pode aparecer em uma pessoa junto com outros transtornos. A deficiência intelectual é uma delas, e atinge uma parte dos autistas, mas não todos. A deficiência intelectual é mais um conjunto de sintomas amplo, e as dificuldades podem ser inúmeras.
“O nível de funcionamento intelectual em indivíduos com TEA é extremamente variável. Cada pessoa autista terá suas especificidades e terá um repertório diferente de experiências dentro do seu quadro. Quando falamos de autismo, estamos abordando uma multiplicidade de questões e aspectos”, destaca a psicóloga.
Além disso, é importante lembrar que até as dificuldades típicas que podem aparecer na maioria dos autistas — como a questão dos relacionamentos, por exemplo —, são tratáveis. Portanto, esses sintomas podem ser amenizados durante a vida.
4. Pessoas com autismo não necessariamente são "geniais"
Não é raro ouvir exemplos de pessoas com autismo que têm habilidades que impressionam a quem está em volta. Resolver problemas matemáticos difíceis ou falar várias línguas estão entre as coisas que podem tornar autistas ícones, assunto para bate-papos ou até tema de obras cinematográficas.
Essas habilidades podem ser decorrentes da forma como a mente dos autistas funciona. Uma característica que pode ajudar é, por exemplo, o hiperfoco, que consiste em um jeito intenso de se concentrar em um tema, tópico ou tarefa.
No entanto, acreditar que todos os autistas têm inteligência excepcional não é bem-vindo. "Autistas não são geniais. Não mais geniais que qualquer pessoa. Acho que a genialidade não vem de uma hora para outra e os autistas não são privilegiados neste quesito. O que ocorre é as pessoas confundirem retenção de estímulos e pequenos detalhes com genialidade nata!", fala Marcos.
5. Indivíduos com TEA também têm amigos
Certa vez, antes de ser diagnosticado, Willian Chimura falou a uma psicoterapeuta sobre suas dificuldades em se relacionar com as pessoas. Ela descartou sua queixa apontando os amigos que tinha.
Essa crença de que pessoas com autismo não têm amigos pode atrapalhar tanto no momento de diagnosticar quanto no relacionamento interpessoal. Isso porque é muito comum a sociedade evitar o contato social com pessoas com autismo por acharem que elas não têm amigos
6. Autistas não estão em um mundo à parte
Outra desinformação comum sobre autistas é que eles vivem em um mundo à parte, preferindo não se relacionar com a vida ao redor. "Quando as pessoas falam que os autistas vivem no mundo deles, a verdade é que elas não conseguem compreender a forma como as pessoas querem se comunicar ou interagir com o ambiente e desistem de entender", explica Willian.
Pelo contrário, autistas estão no mesmo mundo em que os neurotípicos. A diferença é que as interações entre estas duas esferas podem não ser tão óbvias assim.
"Se alguém ali em volta da pessoa com autismo passar um tempo observando, tentando entender o que ela quer dizer com suas expressões, com certeza vai encontrar uma maneira para se comunicar", completa o programador.
E fazer isso não implica em tratar de forma infantil. Marcos dá a dica: o que se precisa fazer é simplesmente dar "pitadas" de previsibilidade, principalmente explicando algumas nuances da linguagem que muitas vezes são difíceis de captar, como ironias e metáforas.
7. Autistas podem fazer movimentos diferentes
Este item não necessariamente explica como uma pessoa autista enxerga o mundo, mas traz luz sobre uma característica comum dos indivíduos que estão dentro do espectro: as estereotipias motoras.
“São os movimentos motores e comportamentos repetitivos que contribuem para a autorregulação diante de situações que despertam emoções negativas ou positivas, tais como sobrecarga sensorial, circunstâncias que geram ansiedade e outros”, explica Pâmmela Lôbo.
Segundo a psicóloga, são exemplos destes comportamentos:
- Agitar ou esfregar as mãos
- Balançar o tronco para frente e para trás
- Andar na ponta dos pés
- Pular
- Girar
- Fazer movimentos repetitivos com as pernas
- Bater palmas
As estereotipias motoras devem ser tratadas com respeito e naturalidade. “É importante enfatizar que estes comportamentos não devem ser reprimidos, pois são movimentos que tem uma função reguladora”, enfatiza.
8. Pessoas com TEA podem repetir sons e falas
Outra característica que pode aparecer entre pessoas com autismo é a ecolalia, que consiste na repetição de frases em diferentes contextos.
Para Willian, repetir as falas que aparecem em jogos é simplesmente uma atividade prazerosa. Ele compara com o hábito que os neurotípicos têm de cantar músicas que gostam. No entanto, nem sempre acontece no contexto esperado.
Saiba mais: Qual a diferença entre o Savantismo, Asperger e o Autismo?
9. Não é qualquer barulho que incomoda autistas
Autistas sentem o mundo de uma maneira diferente das pessoas neurotípicas. É o que se chama de atipicidade sensorial. Por isso, não faz sentido afirmar que eles não gostam de barulhos, necessariamente.
"Quando estou em meio, não só a barulho, mas também a objetos de cores berrantes, luzes ou outdoors muito chamativos, fico desestabilizado. Acontece porque as informações me vem aos poucos e se aglutinam de tal maneira que fazem a mente esgotar as energias", relata Marcos.
Cada pessoa tem certas sensibilidades diferentes das outras. E ele reforça que isto é treinável. "Já lido com estímulos ambientais muito melhor do que quando era criança, por exemplo", completa.
10. Nem todos os autistas são diagnosticados
Sim, é possível que uma pessoa adulta tenha autismo e não saiba? Segundo o Ministério da Saúde, normalmente o diagnóstico é feito na infância durante consultas de acompanhamento do desenvolvimento infantil.
Porém, uma pesquisa publicada pela Universidade Federal de Minas Gerais demonstrou que em países de baixa e média renda, como é o caso do Brasil, a dificuldade de acesso à saúde e à informação podem levar à falta de diagnóstico ou ao diagnóstico do autismo na vida adulta.
Autismo: entre em contato
Saber sobre as características dos autistas e de como uma pessoa com autismo enxerga o mundo a partir da própria perspectiva delas é a melhor forma de entender melhor o tema.
Tanto Marcos Petry como Willian Chimura, que conversaram com o MinhaVida e participaram dessa reportagem, podem contribuir para expandir seus conhecimentos.
Willian tem um canal sobre autismo no YouTube. Já Marcos é autor dos livros Contos de Meninos e Meninas (2016) e Memórias de um Autista por Ele Mesmo (2018). Ele também comanda o canal Diário de Um Autista no YouTube.