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O que é episiotomia?
A episiotomia é um corte feito no períneo (região entre a vulva e o ânus) no momento do parto vaginal. Também chamado de "pique" ou apenas "corte", a prática é feita para aumentar o espaço que o bebê tem para passar.
Apesar de ser feita desde o século 18, essa técnica foi difundida especialmente no século 20, quando os partos hospitalares passaram a ser mais comuns.
Desde o século passado, a episiotomia vem sendo feita sem nenhuma justificativa ou necessidade clínica por muitos médicos. Além disso, a Organização Mundial da Saúde (OMS) já recomendou que ela não deve acontecer.
O órgão global admitiu também não existir uma taxa aceitável de episiotomias nos partos vaginais, por não haver evidências científicas de que o procedimento é mais eficaz do que as consequências de um parto sem cortes (quando ocorrem as lacerações, ou "rasgos", no períneo).
"O papel da episiotomia em emergências obstétricas, como sofrimento fetal, que requerem parto vaginal instrumental, ainda precisa ser estabelecido", afirma um documento publicado em 2018 pela OMS.
Como a episiotomia é feita
A melhor técnica para fazer uma episiotomia é o corte que é feito na parte lateral do períneo. Quando ela é feita em direção ao ânus, o risco de lesão é maior.
A incisão é feita apenas no período expulsivo do trabalho de parto, ou seja, após a dilatação total, quando o bebê já está descendo. O instrumento usado é uma espécie de tesoura cirúrgica para um corte de 3 a 4 centímetros.
O corte é realizado com anestesia local eficaz, para que a mulher não sinta quando ele está sendo feito.
Para que ela serve
Em tese, a episiotomia é feita para evitar uma laceração ("rasgo") mais grave do que o próprio corte cirúrgico.
"O objetivo da episiotomia é direcionar a laceração vaginal para longe de estruturas nobres, como o reto (esfíncter anal) e a uretra, evitando os malefícios que lacerações nessas regiões podem causar", explica Alexandre Pupo, ginecologista e obstetra do Hospital Sírio Libanês e Hospital Albert Einstein. Segundo o médico, estas lacerações podem levar a incontinência urinária ou fecal.
"Em termos de indicação da episiotomia, uma das mais aceitas hoje é quando acontece o anel vaginal rígido, quando o períneo não distende nada", opina Alberto Guimarães, ginecologista e obstetra, criador do projeto Parto Sem Medo.
Ele também cita o uso de fórceps como uma situação em que se usa episiotomia. Nesse caso, é preciso de mais espaço para introduzir o instrumento.
Por que alguns médicos se recusam a fazer?
Embora muitos médicos façam o corte indiscriminadamente, a ginecologista e obstetra Andrea Rebello já não realiza o procedimento nos partos que assiste há quatro anos.
"É uma falácia dizer que se faz episiotomia para prevenir laceração. Às vezes, você está ali, olhando o bebê nascer, e parece que vai lacerar muito, mas não lacera nada. Além disso, a própria episiotomia aumenta o risco de uma laceração mais profunda", comenta a médica.
Atualmente, a episiotomia feita sem necessidade e sem consentimento da parturiente é considerada uma violência obstétrica. Isso porque a recuperação do corte é muito incômoda e dolorosa para a mulher.
Prejuízos da episiotomia
É importante entender que todo parto vai gerar algumas dores e incômodos. No caso das cesáreas, por exemplo, o processo de cicatrização do corte traz dificuldades em algumas ações simples, como tossir e andar.
Já nos partos normais, o nível do incômodo vai depender se o períneo ficou íntegro (ou seja, sem nenhum corte), se houve laceração de algum grau ou se foi feita a episiotomia.
Em termos comparativos, a episiotomia tem uma recuperação muito mais lenta em relação às lacerações naturais. O obstetra Alberto Guimarães listou alguns prejuízos do corte após o parto, quando comparado aos partos com laceração:
- Mais dor na região
- Mais sangramentos
- Dor no sexo (dispareunia).
Episiorrafia
Depois da episiotomia, o corte é fechado com uma sutura de alguns pontos, formando a chamada episiorrafia. É normal que o local apresente inchaço, dor e hematomas. Para aliviar as dores locais, recomenda-se as seguintes ações:
- Crioterapia
- Bolsas de gelo no local
- Compressa gelada com calêndula.
A cicatrização costuma demorar de duas a três semanas.
Veja como fica a vagina depois do parto normal.
Tipos de laceração do períneo
A laceração natural do períneo pode ser desde um "rasgo" menor, nas camadas mais superficiais da pele, até aqueles que atingem estruturas mais profundas, como músculos. Dessa forma, os graus de laceração do períneo são:
- Grau 1: Laceração superficial da pele e da vagina, sem necessidade de sutura
- Grau 2: Laceração que envolve a pele ou a vagina e o tecido adiposo (gordura), em que uma simples sutura é necessária
- Grau 3: Laceração que atinge os músculos do ânus, pede sutura nos músculos e na vagina
- Grau 4: Laceração que envolve toda a espessura da vagina, esfíncter e que atinge também o revestimento interno do reto (mucosa retal). O reparo de todas estas áreas é necessário.
"As lacerações de 3º e 4º graus são muito raras. Além disso, quem está assistindo o trabalho de parto tem que saber corrigir cirurgicamente nos casos em que é necessário", explica Alberto Guimarães.
O que aumenta chances de laceração
Segundo Andrea Rebello, existem alguns fatores que aumentam a chance de laceração durante o parto. Entre eles, estão:
- Parto em posição ginecológica, que é aquela deitada com as pernas para cima
- Repetição constante de exames de toque para aferir a dilatação do colo do útero
- Fazer episiotomia
- Usar fórceps (intervenção em que se usa um instrumento para puxar o bebê).
O que evita laceração
Por outro lado, também existem alguns cuidados que podem evitar a laceração:
- Parto em posição vertical (sentada, semi-sentada), em quatro apoios ou deitada de lado
- Fazer o exame de toque apenas a cada quatro horas
- Evitar fórceps e usar o instrumento apenas em casos que haja indicação de acelerar o período expulsivo e que não tenha como usar o vácuo extrator.
O que as autoridades indicam?
Conforme citado no início do texto, a Organização Mundial da Saúde (OMS) não recomenda a realização da episiotomia de rotina e reforça que não encontrou evidências da eficácia do corte no geral. Por isso, o órgão não considera que exista uma taxa aceitável desse procedimento.
Enquanto isso, no Brasil, a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo) afirma que a episiotomia, se realizada de forma seletiva, justificada e com técnica correta, pode proteger a mulher de lesões graves no períneo. Entretanto, o órgão reconhece que esses efeitos são conflitantes.
"A realização de episiotomia, de forma rotineira e indiscriminada, em toda e qualquer parturiente, não é benéfica. No entanto, a falha na indicação do procedimento, quando houver situação clínica em que é evidente a sua necessidade, é igualmente prejudicial", publicou a Febrasgo.
A entidade ainda reforça que os médicos devem assegurar que a mulher entendeu a necessidade do procedimento e buscar seu consentimento antes do início do período expulsivo, já que o momento final do parto envolve emoções muito mais intensas.
Fontes
- Andrea Rebello, obstetra e ginecologista
- Alberto Guimarães, ginecologista, obstetra e criador do Parto Sem Medo
- Alexandre Pupo, ginecologista e obstetra do Hospital Sírio Libanês e Hospital Albert Einstein
- WHO Reproductive Health Library. WHO recommendation on episiotomy policy (February 2018). The WHO Reproductive Health Library, Geneva: World Health Organization.
- Cancer Care Of Western New York: Episiotomy (2019).
- Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia: Recomendações Febrasgo parte II - Episiotomia.