Dra. Danielle H. Admoni, psiquiatra geral, da Infância e Adolescência, preceptora na residência da Universidade Federal...
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Amar demais não é só um meme de internet ou uma brincadeira sobre paixões avassaladoras. O amor pode ser uma patologia e provocar reações no corpo que exigem tratamento direcionado e atenção para que não cause sofrimento.
De acordo com a psiquiatra Danielle H. Admoni, da Escola Paulista de Medicina Unifesp, o amor patológico, ou "love addiction" é um transtorno de dependência emocional intensa e pode ser comparado a quadros de dependência de álcool e drogas. "Neste caso, a pessoa torna-se dependente de seu parceiro", afirma a médica.
Entenda melhor sobre dependência do amor, os sintomas e como é possível tratar o amor patológico.
Dependência de amor: como acontece
A comparação da sensação do amor com drogas não é rara de ser feita - ainda que de modo jocoso. Porém, ela não está errada.
Conforme explica Danielle, o estado de euforia despertado pelo amor é muito semelhante ao uso de substâncias viciantes.
"Um estudo realizado na década de 1980, por cientistas do New York State Psychiatric Institute, constatou que o amor excessivo pode provocar um estado de euforia no Sistema Nervoso Central similar ao induzido por uma grande quantidade de anfetamina. Segundo os pesquisadores, o amor produziria sua própria substância intoxicante: a feniletilamina, algo que poderia explicar a dependência", diz a psiquiatra.
De acordo com a especialista, o amor, em seus estágios iniciais, age no corpo de forma similar ao uso experimental da cocaína e outros estimulantes.
Uma das substâncias liberadas pelo uso de cocaína é a dopamina que, por sinal, está relacionada à paixão amorosa.
Altas doses de dopamina produzem outras sensações associadas à paixão, como aumento de energia, hiperatividade, falta de sono, tremor, respiração acelerada, coração pulsante, além de ser responsável pelo êxtase, que é sentido pelos apaixonados como um êxtase amoroso.
"Soma-se a isso o efeito de aumentar a persistência: quando a recompensa é postergada, a dopamina aumenta a energia do cérebro para que esse tenha uma maior atenção e leva o amante a lutar mais e mais para conseguir a reciprocidade do amado", diz a psicóloga Elaine Di Sarno.
Por outro lado, a dopamina traz efeitos negativos ligados à dependência. "Os aspectos negativos podem incluir a 'dependência do amado', como num comportamento aditivo. Elevados níveis de dopamina produzem uma atenção concentrada num objeto, bem como uma motivação e comportamento direcionado a um fim", complementa a psicóloga.
A dependência do amor ocorre, dessa forma, pela mesma lógica que o organismo se torna dependente de outras substâncias químicas.
"Principalmente quando há algum sintoma psíquico (depressão ou ansiedade, por exemplo) que traz angústia, para se 'livrar' dele, a pessoa faz uso da substância. Porém, o sintoma volta e ela faz uso novamente e assim vai. Por exemplo: alguém que está deprimido e se sente melhor ao usar cocaína, ao passar o efeito e voltarem os sintomas, acaba precisando usar mais cocaína", diz Danielle.
Amor como transtorno obsessivo-compulsivo
A psicóloga Elaine ainda destaca outra característica do amor patológico. De acordo com a especialista, pessoas que vivem esse amor problemático experimentam sintomas parecidos com os encontrados em pessoas que sofrem de transtorno obsessivo-compulsivo (TOC).
"Uma alteração de comportamento que faz com que a pessoa tenha pensamentos persistentes de medo e ansiedade. Para aliviar o mal-estar, ela costuma realizar tarefas ou gestos repetitivos, como se desdobrar em cuidados dirigidos à pessoa amada", afirma Elaine.
Outro ponto é o medo de perder a pessoa amada que torna o amor uma patologia. "Em termos psicológicos, a essência dessa patologia parece não ser amor e sim medo de estar só, de não ter valor, de não merecer amor, de vir a ser abandonado. Quem sofre do amor patológico convive com o medo diário de ser rejeitado ou de perder o companheiro. A pessoa se desgasta emocionalmente, perde sua autenticidade, seu próprio jeito de ser e de gostar, até chegar a um momento em que ela própria percebe sua descaracterização e despersonalização como pessoa", afirma Danielle.
Sintomas da dependência de amor
O amor patológico apresenta sintomas que envolvem o comportamento da pessoa com o sujeito amado, seu cotidiano, vida social e quadros de abstinência (emocional).
- Abstinência (emocional) na ausência do parceiro: a pessoa pode sofrer de insônia, alterações de apetite, irritação e tensão quando o parceiro está fisicamente ou emocionalmente distante
- A pessoa se ocupa do parceiro mais do que gostaria: costuma negligenciar atividades diárias e o trabalho
- Medo intenso e constante de sofrer rejeição ou de perder o companheiro
- Frustração ao controlar o impulso de cuidar do parceiro não funciona: mesmo que a pessoa tenha consciência de seu sofrimento intenso e tente controlar seus comportamentos, sente-se impotente em relação às suas emoções e atos
- Dedicação total ao companheiro, com a sensação de que seus cuidados e gentilezas nunca são suficientes para suprir as necessidades do outro
- Impulso irresistível de agradar o tempo todo, praticamente abrindo mão de si mesmo
- Insistência em manter o relacionamento mesmo que seja insatisfatório ou abusivo
- Dedicação excessiva em controlar as atividades do parceiro, com quadros de desconfiança, ciúmes excessivo,vigilância (telefonemas, e-mails, redes sociais), perseguição
- Possibilidade de agressão física
- Abandono de atividades antes valorizadas e afastamento da família e dos amigos
Amor saudável x amor patológico
Há maneiras de diferenciar o amor patológico do amor saudável. Enquanto o amor saudável se caracteriza pelo comportamento de cuidar do parceiro com controle e duração limitada, tendo o desenvolvimento e a realização pessoal preservados, no amor patológico há falta de controle e de liberdade de escolha sobre essas condutas.
"O componente central do amor patológico é a caracterização do comportamento repetitivo e sem controle de prestar cuidados e atenção ao objeto de amor com a intenção (nem sempre revelada) de receber o seu afeto e evitar sentimentos negativos. Para a avaliação diagnóstica do amor patológico é importante, também, constatarmos que essa atitude excessiva é mantida pelo indivíduo mesmo após concretas evidências de que está sendo prejudicial para a sua vida e/ou para a vida de seus familiares", pontua Elaine.
Como é um relacionamento com dependência de amor
Quando uma pessoa desenvolve um quadro de amor patológico existe a possibilidade de que seus relacionamentos amorosos carreguem esse tipo de padrão estabelecido.
"Como são questões estruturais, como personalidade, autoestima, história de vida, se a pessoa não buscar tratamento tende a repetir esses mesmos padrões em todos seus relacionamentos", diz Danielle.
Pessoas vulneráveis ao amor patológico
Normalmente o amor patológico atinge pessoas que são vulneráveis psicologicamente, com baixas autoestima e autoconfiança, crises de raiva, privação de afeto, estresse emocional e baixa tolerância à rejeição. São pessoas, também, que lidam com medos da solidão, de temas sobre merecimento e abandono.
"Da mesma forma, alguns fatores familiares podem estar associados, como abuso de substâncias e histórico de negligência (física e/ou emocional) na infância. Essas pessoas vivenciaram relações conflituosas em seu núcleo familiar desde a infância; lares desajustados, em que conviveram e sofreram com situações de violência doméstica, pais distantes, dependentes químicos ou foram vítimas de abuso sexual infantil", completa Danielle.
De acordo com a psicóloga, em muitos casos, por terem pais que necessitavam de cuidados, essas pessoas assumiram responsabilidades quando crianças temendo o abandono e, na fase adulta, tendem a repetir esse padrão, buscando inconscientemente parceiros instáveis e, muitas vezes, dependentes (para destinar seus cuidados).
Diagnóstico e tratamento
Não existe um sintoma chave para o amor patológico que ajude em seu diagnóstico. Como outras dependências, o quadro começa a trazer prejuízos nas áreas da vida da pessoa, como os sintomas descritos acima, sem que ela se dê conta.
O tratamento, dessa forma, costuma ser procurado apenas quando o relacionamento acaba, quando já não é mais possível aceitar ou aguentar a forte angústia pelo rompimento.
Segundo as especialistas, para tratar o amor patológico, a psicoterapia é a forma mais indicada.
"No início, o tratamento é bem difícil, pois como em casos de dependência a substâncias, a pessoa não tem crítica em relação a sua situação e acha que não precisa de suporte ou acompanhamento", afirma Danielle.
A psiquiatra também indica grupos de apoio, como o Mulheres que Amam Demais Anônimas (MADA). Já o tratamento psiquiátrico é necessário apenas em casos de sintomas associados e patologias de base, como depressão, ansiedade, entre outros.
Relacionamento e cuidados
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