Médica pediátrica formada pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). É gerente médica do grupo Vaccini -...
iErra quem pensa que bebês prematuros ou que têm alguma necessidade especial não podem ser vacinados da mesma maneira que outros bebês. Pelo contrário: eles precisam ainda mais desse cuidado para que não desenvolvam nenhuma doença que é possível prevenir por meio da imunização1, já que têm o sistema imunológico ainda não totalmente desenvolvido.2
O bebê prematuro, por exemplo, tem imunidade comprometida, pois não teve tempo de se desenvolver por completo durante a gestação, vindo ao mundo precocemente. Muitos deles permanecem por períodos maiores na UTI, enquanto outros já vão rapidamente para casa. No entanto, todos eles necessitam de cuidados maiores em relação aos bebês a termo, como são chamados os que nasceram a partir de 37 semanas de gestação.2
"Além disso, os bebês dependem bastante dos anticorpos que são transferidos pela mãe através da placenta. A questão é que essa transferência acontece principalmente no terceiro trimestre de gestação, então os bebês que adiantam o nascimento têm chance muito menor de receber esses anticorpos", explica Flávia Bravo, presidente da Comissão de Formação e Orientação da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm) nacional. Com isso, eles nascem ainda mais desprotegidos do que os bebês a termo.3
Portanto, vacinar o bebê prematuro ou com necessidades especiais, como cardiopatias ou outras condições é, sim, necessário e muito importante.1
"Os bebês prematuros, mais do que os nascidos a termo, precisam da vacinação", reforça o pediatra e neonatologista Nelson Ejzenbaum, que também é membro da Academia Americana de Pediatria.
Ele ressalta que, para os bebês que precisam ficar internados por um período mais longo, a imunização pode acontecer dentro do hospital, de forma com que eles possam ser protegidos e tenham a carteirinha de vacinação atualizada no momento certo.
"A vacinação deve acontecer pela idade cronológica do bebê prematuro, e não pela idade corrigida", explica Flávia. Idade corrigida é aquela que tem como base 40 semanas de gestação, ou seja, o bebê que nasceu prematuro de 35 semanas só atinge a semana um de idade corrigida quando ultrapassa as 5 semanas que ele deveria ainda estar dentro da barriga da mãe. No caso da vacinação, a idade corrigida é desconsiderada, e conta-se a partir do momento em que o bebê efetivamente saiu do útero.5
"Muita gente não vacina os bebês que ficam muito tempo internados, e a maior parte deles fica com o calendário vacinal atrasado para o resto da vida", alerta Flávia.
E a preocupação em vacinar os bebês na hora certa é, sem dúvida, genuína. De acordo com Flávia, um bom exemplo é a vacina contra a coqueluche.
"Uma criança só fica protegida adequadamente depois de três doses, que terminam aos seis meses de vida6. Os bebês que já começam a serem vacinados atrasados só ficam completamente protegidos mais tarde, mas o problema é que a letalidade da coqueluche é justamente maior em menores de seis meses", preocupa-se.
A especialista explica, porém, que é preciso tomar alguns cuidados na hora de vacinar os bebês prematuros e com necessidades especiais, pois há bebês que são mais instáveis do ponto de vista cardíaco ou que têm alguma outra comorbidade.
"Por isso, nesses casos nós temos de usar as vacinas acelulares7", explica Flávia. "Para esses bebês, o próprio estresse, a dor e o processo inflamatório que as vacinas de células inteiras causam podem descompensar o problema cardíaco deles".
Vacina de células inteiras x vacina acelular: qual a diferença?
A vacina de células inteiras diz respeito exclusivamente à vacina contra coqueluche, essencial para proteger o bebê contra essa doença grave.
Para entender melhor, a diferença entre a vacina de células inteiras para a vacina acelular é que na primeira, além dos antígenos que desencadeiam a resposta imune, outras proteínas presentes ali também vão desencadear uma resposta no organismo, o que pode levar a um risco maior de evento adverso.8
"No caso das vacinas acelulares, elas são compostas apenas pelas proteínas responsáveis por gerar a resposta imune. Nesse sentido, pode-se dizer que elas são mais purificadas", explica Flávia. Com isso, os efeitos colaterais são menores, o que faz com que elas sejam mais indicadas para prematuros e bebês com outras comorbidades.9
E por que é preciso evitar ao máximo eventos adversos em bebês prematuros ou com necessidades especiais? Simples: esses efeitos colaterais podem descompensar algum problema já pré-existente, o que pode causar complicações nesses bebês mais frágeis.9
A vacina de células inteiras é a que está amplamente disponível nos postos de saúde de todo o País. Porém, quando o bebê é prematuro ou tem alguma necessidade especial, é possível recorrer aos Centros de Referência de Imunobiológicos Especiais - CRIEs, pois assim a vacina acelular é disponibilizada gratuitamente. A vacina acelular é também disponibilizada na rede privada.
É importante saber, porém, que os dois tipos de vacinas cumprem bem o seu papel e imunizam corretamente. A diferença está apenas nos possíveis efeitos colaterais que a vacina de células inteiras pode causar e que, no caso de bebês prematuros ou com necessidades especiais, é preciso evitar.
Cuidados pós-vacinação
O cuidado pós-vacinação é o mesmo que o padrão no caso de bebês prematuros ou com necessidades especiais. "Pode-se usar compressa gelada para dor, tomando os devidos cuidados já que os bebês prematuros têm a pele mais fina, então não pode gelar demais e é preciso proteger a pele", alerta Flávia. "O pediatra que acompanha também pode avaliar se é conveniente recomendar um analgésico profilático", diz a especialista.
No caso das vacinas em geral, Ejzenbaum explica que há casos que devem ser avaliados individualmente, já que há crianças que podem ser alérgicas a determinados componentes da vacina, como ovo e a proteína do leite, por exemplo. "É muito importante manter uma boa vacinação e observar as reações adversas, caso ocorram. No geral, toda criança deve receber as vacinas, sempre", completa.
Referências
1 - Gagneur A, Pinquier D, Quach C. Immunization of preterm infants. Human Vaccines & Immunotherapeutics. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC4685684/ Acesso em 19 de outubro de 2020.
5 - Asad A. Common Queries About Immunizations in Preterm Infants. Pediatric Annals. Disponível em: https://www.healio.com/pediatrics/journals/pedann/2018-4-47-4/%7B6b63c3d7-aac3-4c39-a5cc-692480e4c8bd%7D/common-queries-about-immunizations-in-preterm-infants Acesso em 19 de outubro de 2020.
9 - Sen S, Cloete Y, Hassan K et al. Adverse events following vaccination in premature infants. Acta Paediatrica. Disponível em: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/11529542/ Acesso em 19 de outubro de 2020.