Redatora especialista em família e bem-estar, com colaboração para as editorias de beleza e alimentação.
Introduzir novos alimentos nas refeições das crianças é um desafio pelo qual quase todos os pais já passaram. No entanto, quando o estranhamento passa a ser uma recusa em ingerir qualquer tipo de comida, especialmente verduras e legumes, e é somado a uma preferência por coisas mais doces, é preciso se atentar.
Conversamos com especialistas em alimentação infantil a fim de entender o que leva a criança a se alimentar mal, qual o papel dos pais no processo e como estimular a criança a comer melhor.
Afinal, porque meu filho come mal?
As preferências alimentares de uma criança afetam diretamente o seu comportamento alimentar que, por sua vez, está ligado à saúde geral e ao bem-estar.
A recusa alimentar pode ser um comportamento bastante típico na primeira infância, fase em que a criança está desenvolvendo novas percepções e também preferências alimentares.
Atitudes como birra na hora de comer, recusa em digerir certos alimentos, remexer e beliscar a comida podem ser características desse período.
No entanto, quando esse comportamento persiste a ponto da criança apresentar extrema recusa e resistência em comer certos tipos de comida, os sinais podem indicar a seletividade alimentar, que pode levar a diversos prejuízos de curto a longo prazo na vida da criança.
Quais os sinais e como identificar
Dentre as principais características da seletividade alimentar na infância, a maioria se mostra de cunho comportamental, com sinais como:
- Birra na hora de comer
- Recusa em ingerir alimentos específicos
- Enrolar para terminar a comida
- Beliscar e brincar com a comida
- Querer levantar ou fazer outras coisas durante a refeição
Impactos da má alimentação infantil
De acordo com Matias Epifanio, pediatra, nutrólogo e Executivo Danone responsável pelo projeto Danone NutriAção, a má alimentação nos primeiros anos de vida pode trazer danos significativos para o desenvolvimento infantil, uma vez que os hábitos alimentares são formados durante a infância e acompanham até a vida adulta.
"Diversas doenças, como desnutrição, anemia, hipovitaminoses e obesidade podem ser desenvolvidas pela falta de nutrientes, quantidades erradas e excesso de alimentos calóricos com pouca representatividade nutricional", explica o médico.
Ele ainda faz um alerta para o excesso de consumo de alimentos altamente calóricos e sem nutrientes significativos - e sua ligação direta ao sobrepeso infantil.
"O consumo insuficiente de alimentos e nutrientes também pode ocasionar prejuízos no aprendizado e na capacidade física e intelectual da criança, impactando no desenvolvimento da vida adulta", esclarece Matias.
Tratamento
O principal aspecto do tratamento para a seletividade alimentar infantil é estabelecer uma relação saudável da criança com a comida desde os primeiros meses de vida e, se não nesse período, criar essa "reaproximação" da criança e da comida aos poucos e diariamente.
"É preciso entender as preferências e particularidades das crianças. Obrigar o consumo de certos alimentos ou punir as crianças por não comê-los não é um caminho eficiente para que a relação com a comida seja saudável, por exemplo".
De acordo com Matias, algumas práticas diárias podem ajudar, como diversificar e oferecer alimentos com diferentes formas de preparo.
Como estimular a criança a comer?
Em meio à correria do dia a dia, controlar a alimentação da criança pode ser um desafio, especialmente quando se trata de introduzir novos alimentos nas refeições.
De acordo com o nutrólogo Matias Epifanio, alguns critérios simples podem ser adotados para auxiliar pais e cuidadores a tornarem a alimentação mais completa e garantir maior quantidade de nutrientes fundamentais para o desenvolvimento infantil:
Qualidade - As crianças reproduzem comportamentos dos adultos. É muito importante levar em consideração que o ambiente familiar deve ser propício para que a alimentação saudável aconteça. Investir no consumo variado de alimentos frescos é fundamental.
Quantidade - Focar a atenção na hora de comer e evitar distrações com TVs, tablets e celulares, por exemplo, ajuda a controlar a quantidade. Se a criança come com atenção e mastigando bem os alimentos, ela consegue não comer além do necessário.
Para o controle da quantidade, a dica é não obrigar a criança a comer tudo o que está no prato. O ideal é disponibilizar alimentos saudáveis, mas são as crianças que devem ter autonomia para dizer quando estão satisfeitas ou quando não gostam de algo. Além disso, é natural variar a quantidade e comer mais ou menos dependendo do dia.
Variedade - O ideal é oferecer alimentos diversos em cores, formas, texturas, sabores e formas de preparo. As crianças precisam conhecer os diferentes tipos de alimentos e a partir disso escolher qual agrada mais o paladar.
Incluir a criança na hora da compra e no preparo das refeições também são boas estratégias, pois assim ela se sente participando e a chance de provar alimentos variados aumenta. E se a criança não gostar de um tipo de alimento de um determinado grupo, ele pode ser substituído por outro que ela aceite.
Qual o papel dos pais e responsáveis na alimentação da criança?
Os pais exercem um papel direto e crucial no desenvolvimento alimentar da criança, afinal, ela depende total e completamente deles para comer e ingerir qualquer tipo de alimento.
No entanto, mais do que apenas comer, as crianças reproduzem comportamentos que vêm dos adultos e das pessoas que as cercam, e isso inclui os hábitos alimentares. Sendo assim, é essencial que sejam dados exemplos positivos de consumo de alimentos saudáveis e variados no dia a dia.
Matias Epifanio elucida que também é muito importante levar em consideração que o gosto por certos alimentos podem ter influência genética e características hereditárias, mas que sofrem alterações durante o desenvolvimento humano.
Ele explica que os hábitos alimentares desenvolvidos nos primeiros anos de vida tendem a se manter ao longo dos anos e o papel dos pais e cuidadores neste processo é fundamental.
"As crianças são expostas a diferentes experiências estimulantes. Entre os seis meses e os dois anos de idade, o paladar entra em processo de amadurecimento e este período pode ser determinante em questões futuras. É nesta fase que os adultos devem oferecer a maior quantidade de grupos alimentares possível e ficarem atentos a vários amadurecimentos das crianças, como o processo de aceitação a novas texturas de alimentos", esclarece.
Durante todo o período de desenvolvimento alimentar da criança, é responsabilidade dos pais continuar oferecendo os alimentos negados e explorando maneiras criativas de introduzir variedade no cardápio.
"Os adultos precisam testar novos caminhos com as crianças, como usar a imaginação para montar pratos saudáveis que chamem a atenção dos pequenos, envolvê-los no preparo da comida e fazer as refeições em família", diz Matias.
O médico também alerta para a importância do acompanhamento regular da criança com pediatras a fim de entender com precisão as suas necessidades.
Crianças podem tomar suplementos alimentares?
Segundo Elza Mello, pediatra, nutróloga e consultora Danone NutriAção, a mudança do comportamento alimentar da criança é demorada. Por isso é necessário o uso de suplementos de nutrientes que podem não estar sendo ingeridos de modo adequado.
"Para os pais é fundamental a segurança de que os filhos estão bem nutridos para que realizem os ajustes comportamentais, como não oferecer muitas opções em cada refeição com o objetivo de fazer com que as crianças ingiram algum tipo alimento", diz a médica.
O Consenso da Associação Brasileira de Nutrologia apresenta algumas indicações importantes sobre o uso e indicação de suplementos infantis para crianças com dificuldades alimentares:
- Quando os inquéritos alimentares demonstrarem persistentemente ingestão calórica-nutricional insuficiente
- Sempre que peso, estatura e/ou índice de massa corporal estiverem abaixo do recomendado ou desacelerando de acordo com a curva de crescimento da criança
- Sempre que estiverem presentes agravos à saúde a fim de oferecer segurança nutricional para a recuperação
- Quando o tempo para a reeducação alimentar for muito longo, expondo a criança a risco nutricional até que seja implementada
- Face à presença de pais excessivamente ansiosos e incapazes de implementar as medidas educativas com o objetivo de assegurar nutrição adequada
- Sempre que for detectada doença de base (orgânica ou psíquica) a ser tratada
- Em casos de ampla seletividade alimentar por um longo período de tempo, abrangendo macro e micronutrientes.
Ainda de acordo com o nutrólogo Matias Epifanio, o uso precoce de suplementos infantis nutricionalmente completos contribui para o suporte da composição corporal e para reduzir as perdas de crescimento que muitas crianças com dificuldades alimentares costumam apresentar.
Relato de Caso
Gabi Cywinski, atriz por formação e mãe de duas meninas, teve dificuldades com o processo alimentar de sua primogênita, Manu, de 7 anos, que logo na primeira fase da vida já passou a recusar todo tipo de alimento.
"Eu achava que a criança simplesmente comia, que a partir dos 6 meses você vai lá e dá a comida pra ela e pronto. Mas com a Manu foi muito difícil porque ela não tinha interesse em comida. Eu fazia de tudo que você pode imaginar e ela não comia. Ela comia fruta e, depois de completar um ano, iogurte. E era isso", conta Gabi.
A atriz explica que logo após o nascimento da filha já procurou estudar sobre alimentação infantil, mas que só procurou por ajuda especializada quando notou as dificuldades e recusas alimentar de Manu, que apesar de ingerir frutas tranquilamente, recusava alimentos salgados.
"O que me fez procurar ajuda foi justamente a minha preocupação em achar que eu estava fazendo ela passar fome."
Ela conta que a relação de ambas as filhas com os alimentos sempre foi bastante diferente. Enquanto Manu desde os primeiros anos de vida apresentou recusa em ingerir certos alimentos, a filha mais nova Nina, de 4 anos, sempre comeu de tudo espontaneamente.
Ao procurar uma nutricionista infantil, Gabi acabou optando pelo método BLW (Baby Led Weaning), uma estratégia alimentar que visa estimular o bebê a comer com as próprias mãos.
Para Gabi, além do método escolhido, outra forma de ajudar na alimentação das filhas foi reeducar a própria alimentação em casa. Ela fala que para estimular as filhas, ela e o marido passaram a observar o que eles comiam e a evitar, por exemplo, comer besteiras na frente delas.
Ela diz também que procura inserir no cardápio alimentos preparados de diversas formas. Hoje, apesar de ter as barreiras diárias, Gabi Cywinski diz que Manu tem se alimentado melhor, mas que continua sendo um desafio diário.