Redatora especialista em família e bem-estar, com colaboração para as editorias de beleza e alimentação.
Ficar longe da escola, dos amiguinhos e das atividades e brincadeiras diárias, pegou não apenas os pais de surpresa, mas especialmente as crianças, que de uma hora para outra tiveram que ficar em casa, sem contato com o mundo lá fora e longe de toda a diversão.
A determinação do isolamento e distanciamento social foi apenas um dos grandes impactos da pandemia do COVID-19, que afetou drasticamente o dia a dia de toda a sociedade, especialmente o cotidiano de estudo, trabalho, e convivência familiar. Esses impactos são sentidos de forma mais drástica pelas crianças com autismo.
A mudança abrupta de rotina, junto com a interrupção de atividades, terapias presenciais e do hábito de convívio social foi fonte de muita confusão e desorganização emocional entre as crianças com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA).
Em meio a tantas mudanças, os pais de crianças com espectro autista tiveram - e ainda têm - que aprender a otimizar e readaptar a rotina de seus filhos, além de dar todo o suporte emocional para esses pequenos que absorvem o mundo de maneira tão particular.
Os impactos da pandemia na rotina de crianças com TEA
O TEA, ou Transtorno do Espectro Autista, é uma condição do neurodesenvolvimento e que pode ser observada já no início da infância, caracterizada por prejuízos persistentes na comunicação e interação social e padrões restritos e repetitivos de comportamentos, interesses ou atividades.
De acordo com Deborah Kerches, neuropediatra especialista em TEA e autora do livro Compreender e acolher Transtorno do Espectro Autista na infância e adolescência, as crianças com espectro autista tendem a sentir de forma muito mais intensa as mudanças de rotina.
"Desde o início da pandemia, aumentaram as queixas de crianças e adolescentes que, na falta da rotina, ficaram mais impacientes, irritadas, apresentando aumento na frequência e intensidade de comportamentos estereotipados (ações repetitivas motoras e/ou vocais), distúrbios do sono e etc", evidencia a médica.
Por conta do distanciamento social, as terapias presenciais, essenciais para o desenvolvimento e manejo comportamental das crianças e adolescentes com TEA, acabaram sendo adaptadas para o formato on-line ou suspensas por um determinado tempo. Essas mudanças afetaram não apenas a rotina, mas o programa de estudo das crianças e consequentemente o aprendizado e comportamento.
Ainda segundo a neuropediatra, a própria exigência do uso de máscara pode ser motivo de estresse na criança com TEA: "A criança e o adolescente no espectro autista costuma apresentar alterações sensoriais e comportamentais que dificultam a compreensão e o uso de máscaras", completa a médica.
Por conta desse obstáculo na percepção, o uso de máscara deixou de ser obrigatório entre pessoas com transtorno do espectro autista (ou com deficiência intelectual ou sensorial), de acordo com a Lei 14.019/2020, artigo 3º, inciso 7º.
Como criar uma rotina para a criança com autismo em meio ao isolamento social?
Não existe uma fórmula ou uma "receita de sucesso", afinal vários fatores influenciam o cotidiano dessas crianças, como o ambiente em que vive, contexto doméstico e familiar, e especialmente a maneira como experienciam qualquer estímulo.
No entanto, Deborah Kerches aponta algumas orientações que podem ajudar no dia a dia dos pais e responsáveis, especialmente no sentido de diminuir a ansiedade em crianças com TEA nesta temporada de maior isolamento:
- Usar de previsibilidade, oferecendo uma nova rotina a ser seguida
- Utilizar de pistas visuais (imagens/dicas ilustrativas/histórias sociais) que mostrem ações como lavar as mãos, tomar banho, trocar de roupa, comer, esperar, brincar, estudar e que possam facilitar que a criança identifique e expresse algumas emoções
- Pedir para que a equipe multidisciplinar que acompanha a criança passe programas de brincadeiras que possam ser aplicadas de maneira divertida e com técnica dentro de casa
- Manter o tratamento multidisciplinar da criança (se não for possível presencialmente, que seja remoto)
- Proporcionar, mesmo que em casa, exercícios físicos
- Criar momentos oportunos para conversar, explicar sobre a fase que estamos passando e acolher a criança, seja verbalmente ou através de pistas visuais
- Criar momentos de qualidade e lazer junto da criança usando a criatividade para fazer brincadeiras motivadoras que possam auxiliar no aumento e aprimoramento do repertório de habilidades.
A neuropediatra ainda explica que durante o atual cenário é importante que os pais, cuidadores ou responsáveis estejam atentos aos seus próprios sentimentos e cuidem da própria saúde mental.
"Não hesite em buscar um acompanhamento (on-line, se necessário) e em manter o contato com amigos e familiares por meio de telefone ou de chamadas por vídeo. Caso a criança note a angústia das pessoas próximas, certamente ficará mais abalada", recomenda Deborah.
A psicopedagogia e o autismo durante a pandemia
A pandemia e o distanciamento social impactaram explicitamente no desenvolvimento das crianças, especialmente aquelas com TEA - com consequências que ainda não sabemos, mas que certamente poderão ser observadas com o passar do tempo.
É isso que Deborah elucida, ao explicar que no contexto do TEA o ambiente escolar é ainda mais importante, considerando que o prejuízo no funcionamento social é o mais expressivo no espectro autista e que é nesse ambiente onde a criança desenvolve novas habilidades, autonomia, independência, além de propiciar momentos prazerosos de brincadeiras com seus colegas e oportunidades de socialização. "Só esse fato já denota o quanto esse isolamento impacta negativamente em todas as áreas do desenvolvimento."
Dentro do contexto educacional é preciso considerar que a criança com TEA apresenta uma série de comprometimentos que podem impactar - em maior ou menor grau - no aprendizado, como dificuldades na interação e na comunicação social; interesses restritos; hiperfoco; dificuldades em flexibilizar pensamentos, emoções e comportamentos; déficits atencionais, entre outros. Algumas têm ainda questões sensoriais importantes, apresentando estereotipias ou deficiência intelectual.
Deborah Kerches argumenta que "tudo isso já soma desafios dentro do ambiente escolar e torna-se muito mais desafiador se considerarmos que essas crianças precisam agora participar de aulas on-line."
Apesar de ser um desafio para os pais, é sugerido que se preze pelo lado emocional da criança e evitem forçá-las a, por exemplo, ficarem em frente ao computador.
É importante que os pais priorizem também manter a rotina da criança, prezando por estímulos como atividades, brincadeiras e interações (principalmente as de cunho visual). "Um programa de rotina e previsibilidade é fundamental para nortear e evitar que a criança se sinta insegura, ansiosa, se desorganize", finaliza a neuropediatra.