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Cada vez mais, os casais formados por duas mulheres (do mesmo sexo biológico ou não) conseguem concretizar o sonho de gerar filhos graças às diversas técnicas de reprodução assistida desenvolvidas pela medicina moderna. Porém, em meio a quebras de tabus e preconceitos, essas novas famílias ainda esbarram em questões legais que atrapalham (e até impedem) o registro das crianças.
A dupla maternidade, como é chamada a filiação de duas mães, continua sendo um tema rodeado por dúvidas e desinformação. Isso acontece porque a Constituição Brasileira de 1988 contém diversas lacunas, ou seja, falta conteúdo de regulação jurídica para determinadas situações - o que gera um certo despreparo, inclusive, dos cartórios em todo o território nacional.
Desta forma, muitos casais lésbicos não sabem se, realmente, seus filhos podem ter o nome das mães na certidão de nascimento. Assim, não são raros os casos em que a criança acaba tendo o registro de apenas uma de suas mães - ou passam meses sem ter o documento oficial devidamente preenchido. Descubra a seguir como funciona a dupla maternidade no Brasil:
Registro de duas mães é possível?
A advogada Ivone Zeger, autora do livro Direito LGBTI: Perguntas e respostas, lembra que, em 5 de maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou o entendimento geral de que casais do mesmo sexo poderiam ter os mesmos direitos que casais heteroafetivos. Desta forma, filhos de casais homoafetivos podem ter o registro tanto de duas mães como de dois pais (na chamada dupla paternidade).
Neste sentido, a especialista ressalta que as certidões de nascimento emitidas na última década já são mais inclusivas. "Se você pegar uma certidão de nascimento recente, você verá que não há mais a especificação pai ou mãe neste documento. Está escrito filiação, ou seja, podem ser dois pais ou então duas mães", elucida.
A advogada Ana Paula Vasconcelos, mestre em Direito, destaca ainda que a constituição garante que a família é a base do Estado - sendo essa qualquer modalidade familiar. "Toda família deve ser defendida. Fechar os olhos para os casais homoafetivos não fará com que eles desapareçam", afirma.
Reprodução assistida
Para conseguirem gerar filhos biológicos, os casais lésbicos devem se submeter a métodos de reprodução assistida regularizados pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). Em geral, as mães podem optar por fazer uma inseminação artificial ou Fertilização in Vitro (FIV), seguindo a orientação de um médico especialista.
Na grande maioria dos casos, essas técnicas acabam sendo realizadas em clínicas especializadas - já que o Sistema Único de Saúde (SUS) não oferece esse serviço em todas as cidades brasileiras e, muitas vezes, a fila de espera é demorada.
A média de valores cobrados pelas clínicas de reprodução assistida fica entre R$5.000 e R$20.000, dependendo do tipo de cobertura e medicamentos utilizados no decorrer do tratamento. Já nesta etapa do processo, as mães são informadas sobre os documentos que devem ser levados ao cartório no ato do registro, para garantir o direito à dupla maternidade.
Entraves da inseminação caseira
Por outro lado, de acordo com o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM), ainda há uma lacuna na lei brasileira ao se tratar de casos de inseminação caseira - quando duas mulheres decidem ter um filho com material genético masculino de um doador geralmente conhecido, introduzindo o esperma diretamente no útero de uma delas.
"Nestas situações, as mães devem solicitar um alvará judicial para que esse registro seja feito, incluindo a Declaração de Nascido Vivo (DNV) e todos os documentos previstos no provimento 63 do Conselho Nacional de Justiça", explica Vitor Blotta, Doutor em Direito e Professor da Universidade de São Paulo (USP).
Mesmo não sendo uma técnica aprovada pelo CFM, devido ao custo elevado cobrado pelas clínicas de reprodução assistida, a inseminação caseira acaba sendo utilizada por muitos casais. Entretanto, é preciso saber que esse método oferece alguns riscos, tanto pelo lado da saúde quanto pelo lado legal.
Em entrevista prévia ao Minha Vida, o médico especialista em reprodução humana Gustavo Teles explicou que, nessas circunstâncias, a mulher corre o risco do doador solicitar a paternidade após o nascimento do bebê e também de contrair infecções sexualmente transmissíveis (ISTs). A dificuldade de registro da criança é outro ponto problemático ao realizar a inseminação caseira.
Desinformação que gera consequências
Embora já exista uma garantia legal para a dupla maternidade ou paternidade, ainda acontece a recusa dos cartórios em emitir a certidão de nascimento para filhos de casais lésbicos ou gays. Essa situação gera consequências que vão além do desgaste psicológico e emocional para as famílias.
Segundo a advogada Ana Paula Vasconcelos, isso fere os preceitos de isonomia constitucional, princípio no qual todos são iguais perante a lei. Além dos custos com o processo jurídico, os casais homoafetivos e a criança podem ter outros direitos negados por conta da falta da certidão de nascimento.
Muitas vezes, os bebês podem ficar meses sem o registro, o que pode atrapalhar a emissão de outros documentos importantes e até impedir o acesso a determinados serviços essenciais. Só para se ter uma ideia, o SUS só realiza o atendimento agendado de pacientes que possuem o cadastro na rede pública - que, por sua vez, é feito somente mediante a apresentação da certidão de nascimento ou RG.
Para acabar com os entraves em torno da questão da dupla maternidade ou paternidade, o advogado Vitor Blotta acredita que uma regulamentação legal seria a forma mais efetiva - garantindo este direito, de uma vez por todas, aos casais homoafetivos. "Inclusive prevendo todas as formas de reprodução possíveis, de modo a assegurar tanto o direito das mães quanto o direito da criança", pontua.
Atualmente, está em análise na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 5423/2020. O documento visa garantir o registro da dupla maternidade ou paternidade aos casais homoafetivos. De autoria da deputada federal Maria do Rosário (PT/RS), a PL aguarda parecer do relator na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF), segundo consta no site da Câmara.