Formado em medicina pela Faculdade de Medicina da USP, neurologista clínico pelo Hospital das Clínicas da FMUSP e Ph.D....
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Em agosto de 2021, o pastor Marcos Davis se manifestou por meio das redes sociais para relatar comentários preconceituosos que sua família recebeu após postar fotos de seu filho recém-nascido. As mensagens continham questionamentos sobre a origem do bebê, que nasceu com a pele clara mesmo sendo filha de pais com origem negra.
Apesar de nem sempre ser registrado, esse tipo de microagressão acontece com mais frequência do que se imagina. Muitos pais, sejam da mesma etnia ou distintas, são expostos a comentários discriminatórios sobre as características de seus filhos e, muitas vezes, têm sua paternidade questionada.
Mas a realidade é que um filho nem sempre terá os mesmos traços de seus genitores. "Um bebê com pais que têm origem negra pode sim nascer mais claro e essa pele modificar a coloração com o passar do tempo", conta Cristina Carvalho, geneticista da IGENOMIX.
A especialista explica que, quando falamos de negros no Brasil, precisamos lembrar que somos um país altamente miscigenado. Logo, pessoas que se identificam como negros, em sua maioria, possuem uma gradação muito grande na pigmentação de suas peles — fator decorrente do grande histórico de miscigenação.
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Como a cor da pele do bebê é formada?
"A cor da pele é um fenótipo (característica) complexo, determinado por mutações em uma centena de genes. Considerando que cada um dos pais apresenta duas cópias de cada gene, ou seja, duas possibilidades de variações, o filho pode receber diversas combinações desses genes para compor diferentes tons de pele", explica David Schlesinger, médico geneticista da Mendelics e meu DNA.
Segundo o especialista, o pai, ou representante masculino, passa para o filho apenas uma das cópias dos seus genes, assim como a mãe. Então, se os genes herdados tenderem a compor a "paleta de cores" mais claras, o filho terá uma cor de pele mais clara que a dos pais. O mesmo pode ocorrer para filhos com cor de pele mais escura que seus pais.
"Isso acontece, principalmente, quando os pais possuem ancestrais com diferentes ancestralidades e cores de pele, mesmo que sejam distantes. É algo bastante comum na população brasileira, que é altamente miscigenada", explica David.
Além disso, Cristina Carvalho conta que a interação com o meio ambiente também modula a herança genética recebida. A geneticista explica que, quando falamos da cor da pele humana, é preciso considerar esse caráter como um caráter quantitativo - uma característica controlada por muitos genes e cada um possui uma contribuição cumulativa para a formação desse fenótipo final.
"Um bebê recém-nascido não tem essa exposição toda gerada no nascimento. Ele ficou dentro do útero materno por nove meses. Ele precisa ser exposto ao meio, para que então a combinação poligênica e a interação com o meio gerem a característica física final", diz.
Essa exposição ao meio acontece de diferentes formas. Segundo David, a produção de melanina, o pigmento que dá cor à pele, é estimulada por fatores externos, como a radiação solar, aos quais o bebê não estava exposto durante a gestação. Então, alguns meses são necessários para que a cor de pele do bebê seja a mesma determinada por seus genes.
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Alteração no tom de pele do bebê
Assim como a pele pode mudar com os anos e ganhar mais pigmentação, pais negros podem ter um bebê de pele clara que, com o passar do tempo, não sofre alteração da cor e permanece num tom claro. Isso acontece por dois motivos principais: doença ou herança familiar.
"Um exemplo de doença é no distúrbio de pigmentação chamado albinismo, que ocorre devido a mutações em alguns genes envolvidos na produção da melanina. Nesse caso, as cores da pele, olhos e cabelo são claras pelo fato de mutações genéticas afetarem a produção de melanina no corpo inteiro, independente da cor dos pais", conta David Schlesinger.
Já outra situação, que ocorre com frequência, é a herança da cor da pele de ancestrais distantes do pai e da mãe, que tinham a pele clara. "Conforme explicado anteriormente, nesta situação a combinação de variações nos genes da mãe e do pai determina a cor da pele do bebê, de forma que características ocultas nos pais podem se manifestar no bebê", explica o médico.
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Entenda como a textura do cabelo do bebê é formada
Assim como acontece com o tom de pele, os filhos também podem nascer com o cabelo diferente dos seus pais. De acordo com Cristina, o cabelo também é uma herança poligênica e a modificação na textura do fio é ainda mais forte do que na cor da pele.
A especialista explica que, conforme a criança cresce e passa por marcos hormonais diferenciados, é possível observar a modificação na textura do fio de cabelo em virtude do marco hormonal atingido. Isso pode ser observado durante a menstruação, por exemplo.
Muitas vezes, até o momento da menarca (primeira menstruação), a criança ou adolescente possui os fios em um determinado formato, que é alterado logo após o início do ciclo menstrual. Essa mudança acontece devido aos hormônios que são ativados a partir daquele momento.
"Quando nós falamos dessas características, como cor de pele, cabelo e olhos, precisamos olhar de uma forma muito ampla, pois são heranças complexas. Elas são multigênicas, não são simples, não são determinadas por um alelo paterno e materno básico", finaliza a geneticista.
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