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A menstruação ainda é um tema recheado de tabus. O próprio acesso a itens de higiene e orientações específicas para pessoas que menstruam é por si só uma seara que ainda carece de investimento e discussão. É a chamada pobreza menstrual.
O assunto, por sinal, esteve em pauta devido ao Projeto de Lei que institui o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual.
Entenda, a seguir, por que é importante combater a pobreza menstrual, oferecer acesso à higiene íntima para pessoas com útero e quais são os impactos na população quando esse direito é negado.
O que é pobreza menstrual?
Conforme explica o relatório "Pobreza Menstrual no Brasil: desigualdade e violações de direitos", elaborado pela UNFPA e UNICEF, a pobreza menstrual se refere a inúmeros desafios de acesso a direitos e insumos de saúde para meninas, mulheres, homens trans e pessoas não binárias que menstruam.
"Pobreza menstrual é um conceito que reúne em duas palavras um fenômenocomplexo, transdisciplinar e multidimensional para a falta de acesso a recursos, infraestrutura e conhecimento para que tenham plena capacidade de cuidar da sua menstruação", diz o documento.
Nesse sentido, a pobreza menstrual é a falta de acesso a absorventes, saneamento básico (água encanada e esgotamento sanitário), coleta de lixo, banheiros, recursos para a higiene, falta de acesso a medicamentos para administrar problemas menstruais e/ou carência de serviços médicos e até mesmo do conhecimento sobre o próprio corpo para que o período da menstruação seja bem cuidado.
Impactos da pobreza menstrual
Quando pensamos em situações de pobreza menstrual, precisamos considerar as consequências tanto em aspecto social (constrangimento, a falta de condições adequadas, a exclusão de atividades sociais) quanto físico, segundo o presidente da Febrasgo, Agnaldo Lopes.
"Quando mais novas, muitas vezes, ocorrem faltas de aulas por esse motivo. No caso de situações extremas, pessoas que não têm acesso a absorventes ou a outros métodos seguros, muitas vezes, usam produtos inadequados - até mesmo alternativas muito arriscadas, como introduzir algodão na vagina, miolo de pão. E esses corpos estranhos ou produtos inadequados podem levar a complicações graves, principalmente, complicações infecciosas - a síndrome do choque tóxico, por exemplo, que é uma infecção pelo uso de um tampão vaginal inadequado", indica o médico.
A título de conhecimento, das 321 mil pessoas que menstruam em idade escolar no país, 3% estudam em escolas que não possuem banheiros em boas condições de uso para se higienizar corretamente em seu período menstrual.
Outro dado que chama atenção: 62% das pessoas de 13 a 24 anos afirmam que já deixaram de ir à escola ou a outros lugares por causa da menstruação. Esse dado foi levantado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), que entrevistou 1.730 pessoas no Brasil; do total, 82% menstruam e 18% não.
Projeto de lei contra a pobreza menstrual
Em 2021, foi criado oficialmente o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual, que constitui estratégia para promoção da saúde e atenção à higiene com o objetivo de:
- Combater a precariedade menstrual, identificada como a falta de acesso a produtos de higiene e a outros itens necessários ao período da menstruação feminina ou à falta de recursos que possibilitem a sua aquisição
- Oferecer garantia de cuidados básicos de saúde e desenvolver meios para a inclusão das mulheres em ações e programas de proteção à saúde menstrual.
Em nenhum dos artigos, porém, o Programa de Proteção e Promoção da Saúde Menstrual fala sobre a população para além da cisgênero, como a trans ou não-binário. Para o presidente da Febrasgo, o programa deveria contemplar todas as pessoas que menstruam e não só a população cisgênera.
"A ginecologia não é uma especialidade que lida apenas com mulheres [cisgênero]. Lida também com pessoas transgêneras ou que não apresentam conformidade com seu gênero [designado ao nascer]. A sociedade deve estar preparada para aceitar essas pessoas. Seja no preparo do profissional de saúde, para dar a devida assistência para esse grupo, e também em relação à população em geral, levando educação e conscientização para todo mundo. Isso é muito importante. É uma questão de responsabilidade de todos nós", pontua Lopes.