Graduado em Medicina pela Faculdade de Medicina do ABC (1978) e doutorado em Psiquiatria pela Faculdade de Medicina da U...
iO primeiro contato com a bebida alcoólica acontece, em geral, no período escolar (ensino médio ou faculdade) ou em reuniões familiares. Essa última situação, inclusive, com consentimento ou influência de pais e parentes — até mesmo, em alguns casos, para o consumo por menores de idade.
Esse é um dos destaques apresentados pela pesquisa qualitativa feita pelo Ipec, a pedido do CISA – Centro de Informações sobre Saúde e Álcool, que apontou ainda que entre as principais motivações para a experimentação estão: socializar, fazer parte de um grupo, buscar uma sensação física ou mental ou, ainda, mera curiosidade.
A experimentação precoce de bebidas alcoólicas, embora prejudicial e um fator de risco para consequências negativas à saúde, é mais comum do que se imagina. De acordo com a Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (PeNSE), de 2019, 63,8% dos estudantes brasileiros entre 13 e 17 anos já beberam. Isso acontece mesmo havendo no Brasil, desde 2015, uma lei que proíbe a oferta de bebidas alcoólicas a menores de 18 anos e que prevê também a detenção para quem descumprir a legislação.
Então, como esses jovens têm acesso às bebidas alcoólicas? Essa mesma pesquisa com escolares apontou que os modos mais frequentes foram festa (29,2%), seguido pela compra em mercado, loja, bar, botequim ou padaria (26,8%), com amigos (17,7%) e em casa, com alguém da família (11,3%).
Comparando à PeNSE de 2015, chama atenção o aumento da representativa da “compra em mercado” – que passou de 14,4% para 26,8% - e da obtenção da bebida “em casa” – que foi de 9,4% para 11,3%.
Esse cenário, apesar de preocupante para todos nós que trabalhamos com saúde, indica pelo menos dois caminhos para avançarmos na prevenção do uso precoce de álcool entre menores de 18 anos.
O primeiro deles está relacionado ao papel da família, principalmente dos pais, no acesso às bebidas alcoólicas. Muitos valem-se que “beber em casa” é melhor que beber “na rua”, mas esse é um grande mito. Ao invés de proteger o filho, permitir o consumo de álcool dentro de casa aumenta as chances de o adolescente começar a beber mais cedo ou desenvolver problemas relacionados ao álcool.
O outro extremo, ser autoritário e apelar para sermões, também não contribui e ainda cria obstáculos para uma conversa franca e amistosa. A desaprovação do beber direcionada apenas aos filhos, mas com a permissão ao uso frequente e intenso de bebidas pelos adultos, não tem efeito positivo. Lembre-se: o exemplo não é a melhor forma de ensinar alguma coisa para alguém; é a única! Portanto, os pais não poderão cobrar uma atitude responsável de seus filhos se fizerem exatamente o oposto.
A segunda medida que considero importante diz respeito à venda ou oferta, mesmo que gratuita, de bebida alcoólica a menores de 18 anos. Isso é crime e quem infringir a lei é passível às penalidades previstas em lei (detenção de dois a quatro anos e multa).
Isso vale para estabelecimentos comerciais (bares, restaurantes, casas noturnas, etc), que podem ser fechados, ou para aquele “amigo” maior de 18 anos que entregou a bebida, sabia? Nesse sentido, um trabalho em três frentes: orientação e conscientização, fiscalização e punição para quem descumprir a lei é mais do que necessário, é fundamental.
Contudo, acredito que a prevenção do uso nocivo de álcool, sobretudo entre os adolescentes, é uma responsabilidade de todos, que começa na família e estende-se a outros atores – governo, escolas, comunidades, empresas e organizações da sociedade civil.
É preciso haver um pacto coletivo que estabeleça tolerância zero ao consumo de álcool por menores. Entender como e quando esse consumo precoce acontece é o primeiro passo, mas há um caminho a ser percorrido. Precisamos começar a trilhá-lo!