Psicóloga e Mestre pela USP-SP, Psicanalista e Membra do Departamento Formação em Psicanálise em Psicanálise do Sedes Sa...
iRedatora especialista em temas relacionados com bem-estar, família e comportamento.
Gustavo Catunda e Robert Rosselló, casados há 10 anos, e Bruna Viotto e Camila Fogaça, também juntas há 10 anos, têm algumas coisas em comum. Além do tempo de relacionamento, ambos os casais tinham o sonho de ter filhos e esse sonho foi realizado em dobro, com a chegada dos gêmeos Marc e Maya, filhos de Gustavo e Robert, e Marina e Valentim, filhos de Bruna e Camila.
Os casais também concordam que a maior dificuldade que enfrentaram com a chegada das crianças, sem dúvidas, foi dar conta da rotina. “Nossas dificuldades são as mesmas que muitas mães e famílias encontram: conciliar filhos e trabalho, respeitar a individualidade de cada filho e ter um tempo para nós sem as crianças”, afirma Bruna.
“É extremamente desafiador [cuidar de gêmeos] já que não temos nenhuma ajuda em casa. Todas as tarefas da casa e dos bebês são feitas por nós dois. Além de que ainda temos que trabalhar. Eu simplesmente não sei como damos conta de tudo”, completa Gustavo.
Apesar disso, há um fator importante que separa as famílias compostas por pais LGBTQIAP+ das demais: a homofobia. Segundo Gustavo e Robert, o preconceito com seu modelo familiar começou ainda na época da gravidez dos filhos e vinha tanto de parentes próximos como de profissionais da saúde que não estavam preparados para lidar com a situação.
“Depois que os bebês nasceram, não passamos por mais nenhuma situação até o momento. Acredito que também estamos filtrando mais os lugares que frequentamos para evitar possíveis desgastes. Mas no geral, na rua, sempre atraímos muitos olhares, mas também recebemos muito carinho das pessoas quando saímos em família”, relata o casal que é de Brasília e mora em São Paulo.
Para Lígia Polistchuck, psicanalista e membro do departamento de Formação em Psicanálise do Instituto Sedes Sapientiae, é importante conversar com os filhos sobre as possíveis violências que vão sofrer na vida por ter dois pais ou duas mães, como uma forma de prepará-los caso a situação venha a acontecer.
“Não é possível antever as dificuldades, mas, partindo do pressuposto que a sociedade ainda é bastante homofóbica, isso pode ser usado como forma de bullying ou algo do tipo. Tudo isso depende dos meios nos quais a criança está inserida. Talvez seja importante contar para ela que isso pode vir a acontecer, até porque se isso for conversado de forma tranquila, a criança pode ter facilidade de lidar com situações de preconceito”, explica a profissional.
Diferentes formas de iniciar uma família
Assim como para as famílias formadas por um pai e uma mãe, existem diversas possibilidades para os casais LGBTQIAP+ realizarem o sonho de ter um filho. Isso pode ser feito por adoção, inseminação artificial, barriga solidária ou até mesmo barriga de aluguel — apesar de o processo ter de ser realizado fora do Brasil, já que a legislação não permite a prática em território nacional.
Eventualmente, alguns casais de mulheres também recorrem à chamada inseminação caseira. O procedimento, entretanto, não é regulado pelas resoluções do Conselho Federal de Medicina (CFM), o que pode ser um problema na hora de registrar a criança com o nome das duas mães.
Já quando as famílias realizam os procedimentos em clínicas, não enfrentam dificuldades no processo de registro dos filhos. Nesses casos, basta levar ao cartório todos os documentos que comprovem os tratamentos feitos e a certidão já sai com o nome dos pais ou das mães.
Todos os processos (biológicos ou não) possuem suas burocracias e vai de cada casal escolher o que está mais de acordo com suas expectativas e vontades. Camila e Bruna, por exemplo, optaram pela inseminação artificial em uma clínica.
Para escolher quem geraria as crianças, foi bem simples. Ambas tinham muita vontade de ser mãe, mas Bruna sonhava em gestar. E a boa notícia não tardou em chegar: Bruna ficou grávida logo na primeira tentativa.
Para baratear o tratamento, que tem um custo bem elevado, algumas mulheres optam por doar os seus óvulos, uma vez que eles já vão ser retirados para realizar a inseminação. Nestes casos, metade do processo é custeado pelo casal ou pessoa que vai receber a doação. Esse foi o caso de Bruna e Camila.
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Robert e Gustavo, por sua vez, optaram pelo processo de barriga solidária. Após 20 dias do início do processo, eles já estavam “grávidos”. A prima de Gustavo, Lorena, foi a grande parceira dessa aventura, junto com a irmã dele, Camila, que doou os óvulos.
“O processo com a barriga solidária é algo mais simples do que as pessoas imaginam. Passamos por uma banca de médicos, psicólogos e orientação para entender se todos compreendiam os papéis que iriam cumprir nesse processo”, lembra Gustavo.
No Brasil, tanto a barriga solidária quanto a doação de óvulos podem ser feitas por parentes de até 4º grau — ou seja, mãe, irmã, tia ou prima. Em alguns casos, é possível entrar com recursos jurídicos para receber a doação de pessoas sem grau de parentesco, mas o processo é bem mais demorado e pode ser negado.
Dia da família
Apesar de as famílias compostas de diferentes formas serem cada vez mais comuns na nossa sociedade, incluindo crianças criadas pelos avós, além de mães ou pais solteiros, muitas escolas ainda mantêm a tradição de fazer atividades específicas para o Dia das Mães e Dia dos Pais — o que pode não ser tão acolhedor tanto para os pequenos, quanto para suas famílias.
Por outro lado, algumas instituições de ensino já começaram a adotar o Dia da Família: uma oportunidade de celebrar e compartilhar o amor na vida dos alunos. “A escola que escolhemos tem essa data, onde a criança leva para a escola as pessoas que dão amor à ela”, contam Bruna e Camila, que moram no interior de São Paulo.
Robert e Gustavo também pretendem colocar os filhos em uma instituição que siga esse modelo, mas não se preocupam com a reação deles caso estudem em um colégio que comemore o Dia das Mães. “Imagino que eles terão tanto orgulho da nossa família quanto nós temos”, reforça Gustavo.
Sobre a inclusão de famílias com dois pais ou duas mães nas escolas, Lígia Polistchuck afirma que também é importante discutir sobre isso na rotina das aulas. “A melhor forma é incluir os diversos modelos de família nas falas sobre dinâmicas familiares com as crianças. Seja com livros, histórias ou no dia a dia. O discurso naturalizado da diversidade proporciona a inclusão”, pontua.
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Apesar de todos os desafios que envolvem a criação de filhos em uma família LGBTQIAP+, Gustavo defende que a experiência é “a coisa mais prazerosa que alguém pode ter na vida”. Bruna também enfatiza a importância de superar o medo do preconceito e da invalidação da sociedade para realizar o sonho da maternidade ou paternidade. “Por aqui, seremos sempre representatividade para inspirar outros casais a irem atrás desse desejo”, finaliza.