Possui graduação em medicina pela Fundação Universidade Regional de Blumenau (2011). Residência em clínica médica pela U...
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Em 2015, quando a estudante Anne Carrari, na época com 40 anos, começou a notar um inchaço incomum na barriga, ela decidiu ir ao médico investigar o que poderia estar acontecendo. O profissional falou que eram apenas gases e ela voltou para casa. Após alguns dias, o inchaço aumentou e um segundo médico pediu para que ela intensificasse a atividade física, pois “poderia ter engordado”.
Foi apenas na terceira ida ao hospital, quando suas calças já não fechavam e quando sentia dificuldade de respirar deitada, devido ao tamanho de sua barriga, que Anne recebeu o diagnóstico correto: ela estava com câncer de ovário. Hoje, aos 49 anos, ela se empenha em conscientizar outras mulheres para que elas não passem pelo mesmo problema.
Gritar para ser ouvida
Chegar no diagnóstico de câncer de ovário não foi fácil. Anne precisou, literalmente, gritar para ser ouvida. “Eu passava pelos médicos e eles nem me examinavam clinicamente, porque eu estava com meus exames ginecológicos em dia e, aparentemente, estava tudo bem”, contou durante conversa por telefone com o MinhaVida.
Mesmo assim, Anne continuou suspeitando de que algo não estava certo. “Era um inchaço diferente de tudo o que eu já tinha tido, era uma barriga como se eu estivesse grávida. A calça não fechava mais e eu não engordava em outras partes do corpo, era apenas a barriga distendida. Eu cheguei a só usar vestido de grávida nessa época”, relata.
Nesse ponto, a preocupação já era grande e ela não acreditava mais nos especialistas que tinha consultado. Decidiu ir para o pronto-socorro e, no atendimento, feito por uma médica, ela implorou por uma investigação mais profunda.
“Precisou eu, literalmente, gritar para uma médica pedir um ultrassom para mim. Eu cheguei tão desesperada no consultório que falei: ‘Doutora, pelo amor de Deus, pede um exame de imagem porque eu sei que não são gases’. Ela ficou brava, disse que a conduta médica não cabia a mim”.
Apesar disso, a profissional solicitou um exame de ultrassom, que identificou uma ascite volumosa, condição caracterizada pelo acúmulo de líquido no abdômen. Então, a especialista começou a se preocupar e iniciou uma investigação mais profunda.
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Foram realizadas mais uma tomografia computadorizada e exames de sangue de marcadores tumorais. O diagnóstico foi confirmado: câncer de ovário já espalhado por todo o abdômen e peritônio (membrana que reveste o interior do intestino, fígado, estômago e ovários).
Deram 20% de chance de vida em cinco anos, mas ela sobrevive há nove
Logo após receber o diagnóstico de câncer, Anne já foi internada para realizar sua primeira cirurgia citorredutora, um procedimento que visa remover o máximo possível de tumores visíveis no peritônio. Porém as dificuldades de comunicação com os médicos ainda continuavam.
“Nenhum médico veio falar comigo sobre o que estava acontecendo. Eles falaram primeiramente com o meu marido e contaram para ele sobre o meu diagnóstico e só depois ele veio me contar”, revela. Nesse momento, os médicos ainda não sabiam qual era a origem do tumor, mas sabiam que o prognóstico não era bom.
Só após o procedimento cirúrgico e os exames anatomopatológico e histoquímico que foi possível entender a gravidade da doença: o câncer já estava em estágio 4. O primeiro impulso de Anne foi pesquisar na internet o que isso significava na prática e se deparou com baixas taxas de sobrevida.
“A chance de eu estar viva depois de cinco anos era menos de 20% e eu não achava, nas minhas buscas, outra mulher que tivesse sobrevivido ao câncer de ovário. E eu pensava, desesperada: ‘Meu Deus, elas morrem, por isso que eu não estou encontrando ninguém’”, relata.
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Mesmo com o prognóstico ruim, Anne não deixou de lutar por sua vida. Desde 2015, passou por diversos protocolos de quimioterapia, teve várias recidivas e passou por mais uma citorredutora. Os efeitos colaterais do tratamento ao longo dos anos a deixaram exausta.
“Eu não conseguia tomar banho em pé”, afirma. Em 2021, ela chegou ao seu limite físico. “Eu falei pro médico que eu queria parar, interromper a quimioterapia. Me falaram que eu não iria durar quatro meses sem o tratamento”.
A partir desse momento, Anne resolveu que precisava buscar novas soluções. Alguns anos antes, ela havia descoberto que tinha a mutação genética BRCA 1, a mesma que pode causar câncer de mama. Ela e seus médicos encontraram um novo possível caminho por ali.
“Descobri que existe uma terapia-alvo específica para essa mutação genética que poderia tratar o câncer. Desde então, é isso o que tem me dado qualidade de vida e tem segurado a progressão do tumor”, relata.
Engajamento por si e por outras mulheres
A falta de informação no início do diagnóstico e toda a sua jornada de luta contra o câncer foi o que fez Anne se engajar para levar informação para outras mulheres com o mesmo tumor. “Eu fico me perguntando se eu tivesse visto em alguma revista ou em algum site os possíveis sinais de sintomas e relatos de alguma paciente, como isso teria mudado a minha trajetória”, afirma.
Pensando nisso, Anne criou um perfil no Instagram (@sobrevivi_ao_cancer_de_ovario). “Coloquei esse nome justamente para as mulheres me encontrarem. Não teria sentido eu colocar o meu nome, porque ia ser a minha história pessoal, e a minha ideia sempre foi ampliar, trazer histórias de outras mulheres e falar que esse tumor existe, que ninguém está sozinha”, explica.
Através das redes sociais, Anne ajuda a levar informação de qualidade para outras mulheres que estão passando pelo mesmo. “A informação nos coloca em um lugar de possibilidades, de poder. Se hoje os médicos me acompanham de uma maneira mais humana e assertiva, é porque fui atrás de informações. Por isso, eu incentivo as mulheres que me procuram a fazer o mesmo”, afirma.
Nem sempre é fácil. Muitas mulheres que procuram Anne vivem em locais remotos, em que o acesso à saúde básica é mais difícil. “Muitas não sabem nem por onde começar e é aí que temos que nos apropriar de informação de qualidade. Temos leis que precisam sair do papel, como a lei dos 30 dias e a lei dos 60 dias. São direitos que a mulher com câncer tem e que precisam ser garantidos”, exemplifica.
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Anne se refere a duas leis: a Lei Federal 13.896/19, que prevê que os exames para confirmação de câncer devem ser realizados no prazo máximo de 30 dias, contados a partir do início dos sintomas, e a Lei 12.732/12, que garante ao paciente com câncer o direito de iniciar o tratamento no Sistema Único de Saúde (SUS) em até 60 dias após o diagnóstico da doença.
Além do Instagram, Anne também é voluntária do Movimento Todos Juntos Contra o Câncer, do Oncoguia, da Abrale (Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia) e do Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos. Através deles, ela se engaja com questões relacionadas a políticas públicas contra o câncer e com a experiência do paciente.
“Eu não sei quanto tempo eu ainda tenho de vida, mas eu tenho certeza que, até agora, eu fiz a minha parte para que outras mulheres com câncer tenham um caminho mais tranquilo e seguro”, finaliza.
Câncer de ovário é silencioso e de difícil rastreamento
O câncer de ovário é considerado o nono tipo de tumor mais comum em mulheres no mundo. De acordo com o Instituto Nacional do Câncer (INCA), a estimativa é que sejam diagnosticados 7.310 novos casos da doença por ano no triênio 2023-25. Quanto ao número de óbitos, o Atlas de Mortalidade por Câncer de 2020 apontou 3.921 mortes no período no Brasil.
Porém, esse é um câncer silencioso, pois não apresenta sintomas em estágio inicial. Portanto, seu diagnóstico precoce é mais difícil. Além disso, muitas vezes, os sintomas podem ser confundidos com outras condições de saúde - como aconteceu com Anne.
“O câncer de ovário tem sintomas extremamente inespecíficos, que, muitas vezes, se confundem com outras doenças, como pedra na vesícula, intolerância à lactose, entre outros sintomas que são de proporção gastrointestinal, indigestão, intestino mais preso ou mais solto”, explica Marcela Bonalumi, oncologista da Oncoclínicas São Paulo.
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À medida que o tumor cresce, os sintomas podem incluir:
- Inchaço no abdômen
- Dor abdominal
- Dores na região pélvica, nas costas ou nas pernas
- Náuseas
- Indigestão
- Gases
- Funcionamento anormal do intestino (prisão de ventre ou diarreia)
- Fadiga constante
- Perda de apetite e de peso sem razão aparente
- Sangramento vaginal anormal, especialmente depois da menopausa
- Aumento na frequência e/ou na urgência de urinar
Justamente por esses sintomas poderem ser confundidos com outras condições de saúde, é muito importante realizar exames que descartem a possibilidade de câncer, principalmente quando há alguma suspeita ou fator de risco conhecido, como histórico familiar ou herança genética.
É o caso de exames clínicos ginecológicos, laboratoriais e de imagem, para identificar a presença de ascite. Se houver suspeita, é necessário também uma avaliação cirúrgica. A partir do diagnóstico e do estadiamento do tumor (o estágio em que ele se encontra), é definido o tratamento.
“A estratégia de tratamento para os pacientes com tumores mais avançados, envolve a cirurgia oncológica, retirando todo o tumor visível da cavidade abdominal e a quimioterapia. Além disso, todas as pacientes com câncer de ovário devem realizar o teste para uma mutação genética chamada BRCA e, caso haja mutação, são ministradas drogas específicas”, explica Marcela.