Redatora de saúde e bem-estar, autora de reportagens sobre alimentação, família e estilo de vida.
Crescer em uma família disfuncional não gera problemas apenas na infância. Como adultos – considerando que o que aprendemos quando crianças reflete em nossa personalidade na vida adulta – podemos ter algumas crenças limitantes das quais nem nos damos conta. Você pode ter adotado certos padrões de pensamento que não estão lhe ajudando.
De acordo com o psicólogo Bernardo Peña, uma família disfuncional é aquela que “não é capaz de fornecer o que é necessário para que as crianças cresçam saudáveis, tanto física quanto emocionalmente, e felizes”. Falamos de violência doméstica e manipulação, mas também de famílias conflituosas, pais excessivamente permissivos que estragam seus filhos, pais excessivamente autoritários e até mesmo com problemas de comunicação, empatia ou falta de inteligência emocional.
A boa notícia é que nosso passado não precisa determinar nosso futuro e nem afetar nossa autoestima. O primeiro passo para evitar isso é identificar as crenças que podemos ter desenvolvido ao ter crescido em uma família disfuncional.
1. Querer consertar tudo
Como explica a Dra. Annie Tanasugarn no Psychology Today, quando você tem pais que não conseguem administrar bem suas emoções, você pode ter sido forçado a assumir mais responsabilidades do que o necessário para a sua idade. Você acaba acreditando que precisa resolver tudo, desde conflitos familiares até mesmo se encarregar de outros aspectos de sua família, como cuidar de irmãos mais novos ou resolver problemas de outras pessoas. Spoiler: é impossível fazer isso e mentalmente exaustivo tentar.
Isso não significa que você não assuma a responsabilidade e não trabalhe para resolver seus conflitos. Significa que você não pode assumir tudo ou controlar tudo. Esse excesso de responsabilidade é um comportamento típico de quem cresceu com pais imaturos, mas também pode ocorrer em outros tipos de famílias disfuncionais.
2. Normalizar padrões familiares não saudáveis
Quando você cresce em uma família disfuncional, acaba normalizando certos padrões que ocorrem e até mesmo minimizando-os. Veja alguns exemplos: seu irmão faz uma “piada” sobre sua vida amorosa e sua família ri. Seu pai o “lembra”, de forma gentil, que você fez a escolha errada de carreira e todos concordam com a cabeça. Sua mãe critica constantemente as decisões que você toma porque ela está “fazendo isso para o seu próprio bem”.
Embora possamos pensar que essas situações são normais, a depreciação ou rejeição constante pode levar a sentimentos de incompetência, baixa autoestima e até mesmo ansiedade.
Mesmo que possamos ter normalizado esses comportamentos, a psicóloga Rosario Linares diz que precisamos refletir sobre como nos sentimos quando pensamos em nossa família. Se ela nos faz sentir apoiados e sabemos que nos apoiará e ajudará quando precisarmos, mesmo que não compartilhe de nossas decisões, ou se, ao contrário, “sentimos que não fazemos parte dela, ou que ela não nos aceita nem nos apoia, ou até mesmo que ela nos dá mais problemas do que ajuda”. Se esse for o caso, você pode ter normalizado atitudes prejudiciais.
Não se trata de ser perfeito – porque nenhuma família é perfeita – mas de entender e aceitar que certos padrões tóxicos não são normais. Abandonar essa crença é o primeiro passo para relacionamentos mais saudáveis e maior bem-estar.
3. Evitar conflitos
Há um termo que entrou em voga recentemente, explicado por Hailey Magee no podcast HBR IdeaCast da Harvard Business Review, que é “o ato de colocar as necessidades, os sentimentos, os desejos e os sonhos dos outros em primeiro lugar, em detrimento das próprias necessidades, sentimentos, desejos e sonhos”. Isso é chamado de agradar às pessoas e não se trata de ser gentil e generoso, “mas de sacrificar a si no processo”.
Quando crescemos em um ambiente em que conflitos mal resolvidos são comuns, podemos desenvolver a crença de que é melhor evitar conflitos para manter a paz e nos tornarmos pacificadores, agradadores de pessoas que evitam conflitos a todo custo, sem entender que o conflito é necessário e prático em qualquer relacionamento.
Quando aprendemos a discutir bem e a lidar corretamente com o conflito, aumentamos a compreensão e melhoramos o vínculo em nossos relacionamentos. Aceitar o conflito de forma saudável significa expressar sentimentos e necessidades de forma assertiva, ouvir as perspectivas dos outros e trabalhar para chegar a uma solução que respeite todas as partes envolvidas.
4. Entender demonstrações de emoção como um sinal de fraqueza
“Não chore por bobagens”, “Pare de fazer uma cena, você está me envergonhando”, “Eles pensarão que você é um medroso se continuar agindo assim”, “Meninos não choram, eles são fortes”. Você reconhece alguma dessas frases?
Se você foi punido em sua família por demonstrar suas emoções, é mais do que possível que agora acredite que as demonstrar é um sinal de fraqueza. No entanto, muitas pesquisas psicológicas mostram que expressar e gerenciar emoções é um sinal de força mental e resiliência.
A alexitimia, a dificuldade de expressar e compreender as emoções, pode ter sua origem, segundo os especialistas, em um ambiente em que a expressão emocional é desencorajada ou não é reconhecida, embora as normas culturais e sociais também possam desempenhar um papel importante.
De acordo com a psicóloga Iria Reguera, “não existem emoções negativas ou positivas. Todas são emoções, todas são válidas e nenhuma é evitável”, e está comprovado que o reconhecimento e a validação de nossos sentimentos podem levar a uma melhor saúde mental, melhores relacionamentos e bem-estar emocional geral.
Por outro lado, reprimir as emoções como um sinal de fraqueza pode causar angústia, estresse e desconforto e, é claro, pode ser um impedimento para relacionamentos saudáveis na idade adulta.
5. Se sentir sozinho
Crescer em uma família disfuncional pode fazer com que você pense que está sozinho. Você chega a pensar que é o único que passou por isso, mas há milhões de pessoas que tiveram experiências semelhantes, e é por isso que os grupos de apoio funcionam tão bem. Eles oferecem uma oportunidade para que as pessoas compartilhem experiências pessoais, sentimentos e estratégias de enfrentamento e, ao fazer isso e ver que não são apenas elas que estão passando ou passaram pela mesma coisa, a solidão é reduzida.
A ideia de que estamos sozinhos muitas vezes nos impede de pedir ajuda, assim como a ideia de que a vulnerabilidade não é um sinal de fraqueza. Mostrar vulnerabilidade não fará com que as pessoas o vejam como menos do que você é, nem fará com que elas se aproveitem de você e, embora pedir ajuda possa ser assustador, é o primeiro passo para eliminar essa crença limitante para que a solidão não se torne um problema.
6. Ser perfeccionista
De acordo com o psicólogo Jonathan García-Allen, o perfeccionismo, “Síndrome do Perfeccionista” ou “Transtorno da Personalidade Anancástica”, pode ser causado por crescer em um ambiente em que se recebe elogios constantes, ser continuamente humilhado durante a infância ou ser filho de pais perfeccionistas, entre outras causas, que estão incluídas no conceito de família disfuncional de que estamos falando.
A psicóloga Alice Miller, em “The drama of the gifted child” (O drama da criança superdotada), afirma que essa crença pode “levar a uma desconexão com nosso verdadeiro eu, gerando sofrimento emocional na vida adulta”. O perfeccionismo extremo pode ser uma consequência do crescimento em uma família disfuncional, por exemplo, com pais excessivamente exigentes. Se a crença de que temos de ser perfeitos para agradar a todos for mantida, corremos o risco de ter ansiedade, estresse e medo do fracasso nas esferas pessoal e profissional.
7. Sentir que deve amar os familiares
Lamento dizer que o fato de compartilharmos sangue só nos torna parentes e não família. O amor mútuo não compreende a genética e é algo criado, nutrido e cuidado, tanto com um bom relacionamento quanto com o respeito pela individualidade. E se ele não existe porque você cresceu em uma família disfuncional, não tem problema. Você pode encontrar uma família em seus amigos ou em seu parceiro.
8. Achar que não merece ser amado
Crescer em uma família disfuncional pode levá-lo a acreditar que não é digno de ser amado. Essa talvez seja uma das consequências mais tristes. Como explicam os psicólogos do Cepsim Madri, “são pessoas que não acreditam que são dignas do afeto dos outros, que não têm valor nem são dignas de serem amadas pelos outros”.
Isso acontece, por exemplo, se crescermos sem que prestem atenção em nós ou nos mostrem afeto, e também se a criança crescer em um ambiente de abuso e maus-tratos. É fácil que as mensagens ou ações negativas de nossa família se tornem parte de nós quando são repetidas constantemente, levando à crença de que você não merece amor e respeito.
Seu valor não é definido pelas ações dos outros, nem depende de atingir padrões impossíveis. Abandonar essa crença e praticar a autoaceitação permitirá que você tenha relacionamentos mais saudáveis e menos dependentes.
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