Psicóloga clínica de 26 anos, apaixonada por entender o amor, os relacionamentos românticos, as dinâmicas de gênero e as...
iJornalista com sete anos de experiência em redação na área de beleza, saúde e bem-estar. Expert em skincare e vivências da maternidade.
iVocê pode estar com a vida relativamente estável — contas em dia, emprego garantido, alguma reserva guardada — e, ainda assim, ser invadido por uma angústia difícil de explicar: o medo constante de perder tudo. Essa sensação de que o chão pode sumir a qualquer momento não é tão rara quanto parece e, segundo a psicologia, tem raízes mais profundas do que apenas as preocupações com os boletos.
Esse tipo de medo, que muitas vezes parece desproporcional à realidade, pode estar ligado a traumas antigos, insegurança emocional ou até à forma como fomos ensinados a lidar com o dinheiro, o trabalho e a ideia de sucesso. Além disso, ele também pode afetar nossa saúde mental, nossos relacionamentos e, inclusive, nossas escolhas profissionais.
Mas, afinal, por que tanta gente vive dessa maneira? A psicologia tem algumas respostas — e elas vão além do medo de ficar sem dinheiro.
Especialista explica de onde vem o medo de perder tudo
Segundo a psicóloga Maria Milena, especialista da AfroSaúde, esse sentimento pode ter raízes profundas, ligadas a contextos de vulnerabilidade que vão muito além da falta de dinheiro no bolso.
“No Brasil, muitas pessoas vivem em situação de vulnerabilidade socioeconômica e cultural. Porém, dentro dessa realidade, existem diferentes camadas”, explica a especialista. “Algumas pessoas enfrentam uma forma mais intensa de escassez. Mesmo dentro do contexto de vulnerabilidade, há subgrupos com distintos níveis de acesso, ainda que limitados — como a políticas públicas, espaços de lazer, cultura, esporte ou educação.”
Esses elementos, ainda que precários, podem funcionar como pequenos pilares de sustentação, ajudando na construção de uma sensação mínima de pertencimento. Mas nem todos têm acesso a isso. “Há quem viva à margem até mesmo dessas possibilidades mínimas. Para essas pessoas, a escassez não é apenas material, mas simbólica: falta acesso, cuidado, referências, pertencimento”, aponta Maria Milena.
É aí que entra o impacto psicológico. Quando a experiência traumática de viver em escassez se torna a principal referência de mundo, isso molda o jeito como a pessoa enxerga a si mesma e a realidade ao seu redor. “Quando o trauma se torna o principal ponto de referência para a construção da identidade e da forma de enxergar o mundo, a autopercepção se forma de maneira distorcida, marcada pela dor, pelo medo e pela invisibilidade.”
Segundo a psicóloga, essa construção subjetiva é muito individual, mas atravessada por fatores sociais e culturais. “A maneira como cada pessoa vai compreender e seguir a partir disso é muito particular. Isso decorre do quanto todos esses fatores estão ou não interligados à sua construção de identidade. Por isso, há sempre influências pessoais, sociais e culturais atuando em conjunto.”
Como esse pensamento pode afetar a sua vida?
Viver sob a sombra do medo de perder tudo pode parecer apenas um pensamento recorrente, mas a verdade é que esse tipo de mentalidade tem um impacto profundo — e muitas vezes invisível — na forma como a pessoa se comporta, se relaciona e toma decisões. Segundo a psicóloga, esse medo constante não afeta só a mente, mas o corpo todo.
“Quando se vive sob a lógica da escassez, a forma como você lida com tudo à sua volta é influenciada pela falta — ou pelo medo da falta — inclusive os seus pensamentos”, explica. Isso quer dizer que, mesmo quando a situação de vida melhora, quem cresceu cercado por privações ou incertezas pode continuar reagindo como se ainda estivesse em risco.
É como se o corpo ficasse sempre em estado de alerta, preparado para o pior — mesmo quando o pior já passou. “Esse sujeito aprendeu a funcionar em estado de alerta, hipervigilante, e qualquer sinal, real ou não, que o reconecte aos elementos do trauma pode capturá-lo, afetando suas decisões”, afirma a especialista.
Essas reações não são apenas emocionais. “A alteração é, também, física. O sistema nervoso dessa pessoa responde de forma mais complexa, compreendendo de maneira distorcida um momento que, inclusive, já não carrega mais o trauma — mas que é sentido como se fosse presente e constante”, complementa Maria Milena.
Na prática, isso pode levar a uma vida guiada pelo medo: dificuldade para relaxar, confiar nas pessoas, fazer planos a longo prazo ou até aproveitar conquistas com leveza. O pensamento de que “tudo pode desmoronar a qualquer momento” acaba moldando escolhas profissionais, relacionamentos e até a forma de cuidar da própria saúde. E entender essa dinâmica é o primeiro passo para quebrar o ciclo.
É possível se libertar desse medo de perder tudo?
Maria Milena acredita que, embora o medo talvez nunca desapareça por completo, é possível, sim, transformar a forma como se lida com ele.
“Não sei se é possível se libertar por completo da sensação, mas diminuir a intensidade e a frequência com que ela aparece, eu tenho certeza de que é possível”, afirma. O primeiro passo é entender de onde vem essa insegurança. “Acredito que é possível compreender de onde surge essa insegurança, quais elementos a compõem, como ela te afeta e, a partir disso, explorar ou construir um caminho diferente, com estratégias e respostas mais funcionais.”
Esse processo de autoconhecimento é justamente o foco da psicoterapia. De acordo com a especialista, o acompanhamento psicológico pode ajudar a mapear os gatilhos, entender a narrativa pessoal por trás do medo e criar novas formas de enfrentamento. “Na terapia, é possível não só identificar o percurso que essa narrativa seguiu, mas também desenvolver ferramentas de fortalecimento, autocompaixão, maior consciência em momentos de crise e formas mais coerentes com o sujeito de lidar com situações que parecem ameaçadoras.”
Mas vale lembrar: quando a pessoa ainda está inserida em um contexto de vulnerabilidade real, a psicoterapia sozinha não dá conta de tudo. “É importante acionar redes de apoio e compreender, de forma multidisciplinar, um jeito mais amplo de sustentar esse paciente”, conclui a psicóloga.
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