Anna Hirsch Burg é psicóloga formada pela Pontifícia Universidade Católia de São Paulo. Fez sua formação em psicanálise...
iApesar dos novos tempos e de tanto se falar na anulação das diferenças entre os sexos, percebemos que as mulheres continuam sonhando com o príncipe encantado. Parece anacrônico, mas basta olhar para o universo sem fim das revistas femininas que ensinam técnicas (infalíveis) de se conquistar o "homem dos sonhos" para enxergarmos tal realidade.
As estratégias vão desde o lingerie até o botox, passando pelas fórmulas mágicas de emagrecimento e pela escova marroquina ou de chocolate (ou seria de banana?). São infindáveis as dicas de beleza e sexo, e tudo acaba orbitando, direta ou indiretamente, em torno da necessidade de se arrebatar o coração masculino.
Com a ajuda de conceitos psicanalíticos, podemos descobrir questões interessantes nos comportamentos femininos e masculinos quando se trata de amar. Sigmund Freud considerava que a sexualidade originada na infância, por exemplo, é um rascunho da sexualidade que se desenvolverá na idade adulta. Olhando para as bases infantis dos sujeitos, Freud nos mostra que existem posições psíquicas masculinas e femininas, independente do sexo do indivíduo. Ou seja, pode haver um corpo de mulher com resquícios de uma psique masculina e vice-versa. O criador da psicanálise nos revela, assim, que a psique está muito além da anatomia dos sexos.
É por isso que prefiro conversar com vocês abordando as duas maneiras de se posicionar frente ao amor: a masculina e a feminina. E quando digo mulher, estou me referindo a uma maneira de amar feminina e que pode estar no corpo de um homem ou de uma mulher e quando digo homem me refiro a uma maneira masculina de se posicionar frente ao amor.
De saída, gostaria de deixar muito claro alguns pontos. Não há nada mais feminino do que o medo de perder o amor ou de deixar de ser amada. Costumo dizer que a diferença mais gritante entre os modos feminino e masculino de amar é o fato de a mulher amar exagerando os sentimentos e o fascínio pelo objeto de seu amor. Em outras palavras, a mulher romantiza a relação em todos os seus detalhes. Enquanto prazer sexual e afeto convergem na cabeça da mulher, o homem constrói duas mulheres distintas: a que ele ama e a que ele deseja sexualmente.
As marcas históricas desse comportamento estão em nossas antecessoras, que "aceitavam" a natureza dos homens e eram educadas para ignorar as amantes ou prostitutas, pois, desta forma, viam seu lugar de esposa garantido e preservado. Eis aqui um grande nó que as mulheres de hoje tentam desatar: não entendem porque os homens precisariam de outra mulher uma vez que a esposa assume o papel de mãe, amante, intelectual e dona de casa. Cá entre nós, diante de mulheres tão completas, de que precisariam os homens?
Freud escreveu que, acima de tudo, a mulher deseja ser amada. Podemos dizer, como vocês possivelmente conhecem, que a mulher ama com os ouvidos. Ela pergunta constantemente ao homem se ele a ama. Ela persegue incansavelmente a confissão do amor e insiste para que o parceiro dê a resposta afirmativa. Mesmo quando o amado atende ao chamado, corresponde as expectativas e se casa, ainda há a necessidade de saber se será para sempre. As garantias de amor eterno que a mulher necessita do homem são semelhantes as do amor incondicional materno. Não voltam.
Insatisfação
Na impossibilidade de acreditar na resposta do homem, a mulher cria em seu imaginário a situação de uma "outra", uma concorrente, uma mulher que saberia despertar o desejo de seu homem. Ela começa a sentir inveja dessa pessoa que sabe expressar sua feminilidade corporal e, por isso, o ciúme muitas vezes é delirante. O que essa outra tem que eu não tenho? Tal questionamento pode ser observado em vários tipos de mulher - inclusive aquelas que aparecem nuas nas revistas masculinas.
Todas buscam entender o que tem essa "outra" para despertar o desejo de seu amado e preencher totalmente a falta que ele sente. Essa rival sempre sabe ser mais mulher que ela. Mas atenção: trata-se de uma criação, de uma rival imaginária. E haja sofrimento.
Se amamos de forma feminina, sabemos que nas rodas de mulheres a conversa gira, basicamente, entorno de uma mesma questão: será que ele me ama? Uma boa amiga responderá que sim, ainda que no íntimo cobice a possibilidade de sucesso da outra. É uma verdadeira loucura sentimental. Não é a toa que Freud escreveu que a insatisfação é uma grande característica da mulher.
Muitas vezes elas elegem como objeto do seu amor homens que lhes oferecem certezas, somente por segurança. Assim, se sentem livres da dor do amor. Mas o fato é que acabam sonhando com homens capazes de levá-las à loucura, sem garantias de amor eterno.
Acredito que a diferença fundamental entre homens e mulheres na forma de amar está na fantasia de um em relação ao outro. Nesse ponto, a fase da infância pode nos dar muitas pistas. Vemos que as meninas elegem brincar com bonecas ou bichos de pelúcia, estabelecendo uma relação carinhosa e maternal com seus brinquedos. Já os meninos, quando brincam com carrinhos, por exemplo, sempre se fixam em uma parte dele. Se elegem a roda do carrinho, ficam rodando e observando-a o dia inteiro.
Por isso, considero fundamental que as mulheres entendam que o jeito de amar dos homens é totalmente diferente. Sei que é justamente essa diferença que pode causar a impressão de que ela não é amada o suficiente. Observo que, para o homem, o amor não ocorre de forma integralizada. Ele ama partes separadas, que são detectáveis pelos sentidos, exatamente como fazia com seu carrinho. Ele capta o beijo, o cheiro, a voz e principalmente o olhar que a mulher lança sobre ele. Quando as partes agradam ao homem, ele elege a mulher de sua vida que, em última análise, é uma imagem inconsciente de sua mãe.
Sabemos que o homem é muito atraído por aquilo que considera belo, ou seja, pela chamada beleza da mulher. Suas emoções estão fundamentalmente ligadas ao visual.
Não vivemos uma guerra, uma aposta, uma luta. A relação entre homens e mulheres, entre psiques femininas e masculinas, é conflitante e também muito gratificante em todos os sentidos. Acho muito oportuno o aforismo de Aristóteles para quem o melhor caminho do amor conjugal é a amizade. Por meio dela e do entendimento das idiossincrasias de mulheres e homens torna-se possível suportar as diferenças e as faltas. Somente assim se pode construir uma troca real.
A aceitação e a compreensão dessas diferenças é o que chamamos amor. Não falo do amor integralizado da mulher e que muitas vezes dá impressão de obsessão e loucura. Não falo do amor fracionado do homem que pode levar ao fetichismo. Falo do amor que se pauta na compreensão de que cada um de nós o enxerga de forma desigual e nem por isso ama mais ou menos.
Igualdade entre os sexos existe apenas quando ambos se apaixonam, mas isso dura pouco. A desigualdade logo volta a reinar. A mulher se ressente do fim da paixão e busca preservá-lo para sempre. O homem, via de regra, não se entristece quando a paixão esmorece e se transforma em amor ou simplesmente acaba.
O filósofo Nietzche certa vez escreveu que há sempre alguma loucura no amor, mas que há também um pouco de razão na loucura. Parece-me muito simbólico, afinal, mesmo aos trancos e barrancos, mulheres e homens insistem em se relacionar. E muito.
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