Graduado em Medicina pela Faculdade de Medicina do ABC (1978) e doutorado em Psiquiatria pela Faculdade de Medicina da U...
iA COVID-19 impactou nossas rotinas, relações interpessoais e também o uso de álcool. O aumento no consumo de bebidas alcoólicas durante a pandemia foi relatado por 17,1% das mulheres entrevistadas em pesquisa da Fiocruz.
A crescente ingestão de álcool pelas mulheres (em quantidade e frequência) é uma tendência observada no mundo todo, mesmo antes da COVID-19. No Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde, o consumo abusivo de álcool* entre as brasileiras aumentou 2,7 pontos percentuais, de 10,6% para 13,3%, entre 2010 e 2019. A maior taxa foi registrada entre aquelas com idades de 18 a 24 anos (23%).
Alguns fatores podem estar por trás dessa tendência, como estresse da dupla jornada de trabalho, conquista de melhores condições socioeconômicas, maior convivência com homens bebedores, maior aceitação social do uso, entre outros. Durante a pandemia, ressalta-se que a sobrecarga mental, depressão e ansiedade influenciaram ainda mais o consumo de bebidas pelas mulheres.
As consequências à saúde das brasileiras são importantes, conforme apontou a publicação "Álcool e a Saúde dos Brasileiros - Panorama 2020". O levantamento, realizado pelo CISA - Centro de Informações sobre Saúde e Álcool, apontou que o total de internações atribuíveis ao álcool aumentou 19,5% entre as mulheres, entre 2010 e 2018. A ampliação também foi observada nos óbitos femininos relacionados ao uso da substância - cerca de 15% maior quando comparado 2010 a 2017.
É alarmante notar que essa mudança de padrões de uso tem ocorrido também entre as adolescentes. A Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE) de 2015 (IBGE, 2016), com alunos do 9º ano do ensino fundamental (entre 13 e 15 anos), indicou que, tanto a experimentação quanto o consumo atual de bebidas alcoólicas (nos 30 dias que antecederam a pesquisa), foram maiores entre as meninas para a experimentação (56,1% frente a 54,8% entre os meninos) e para o consumo atual (25,1% contra 22,5%).
Mulheres são mais sensíveis
Os dados preocupam: as mulheres são mais sensíveis aos efeitos dessa substância devido a diferenças em sua composição biológica. Um dos motivos é a menor quantidade de água presente no corpo feminino, o que faz com que o álcool fique muito mais concentrado em seu organismo. Além disso, também apresenta menores níveis das enzimas que metabolizam o álcool, demorando mais para eliminá-lo do organismo.
Isso faz com que, quando consumidas as mesmas quantidades de bebidas alcoólicas que os homens, elas apresentem níveis mais elevados de álcool no sangue e demorem mais tempo para metabolizá-lo, ou seja, os efeitos iniciam mais rapidamente e tendem a ser mais duradouros. Com isso, as mulheres têm maior probabilidade de ter problemas relacionados ao álcool (dependência e outros danos à saúde) com níveis de consumo mais baixos e/ou em idade mais precoce do que os homens.
Por isso mesmo, a recomendação para mulheres que decidem beber e que estejam fora das condições de álcool zero (menores de 18 anos, gestantes, motoristas, quem faz uso de medicamento que interage com a substância ou tem alguma condição de saúde que pode ser agravada pelo álcool) é não ultrapassar 1 dose de álcool por dia, segundo a renomada instituição National Institute on Alcohol Abuse and Alcoholism (NIAAA). Uma dose padrão de álcool corresponde a 350 mL de cerveja, 150 mL de vinho ou 45 mL de destilado.
Saiba mais: Entenda o que é a depência alcoólica
Um problema de saúde pública
Como médico e pesquisador da área, tenho observado a presença cada vez mais recorrente do álcool no estilo de vida das mulheres, com especial atenção ao aumento considerável do consumo abusivo. Por serem mais sensíveis aos efeitos nocivos da substância, este uso excessivo traz mais riscos, por exemplo, para câncer de mama, doenças cardíacas e de fígado.
Principalmente neste novo cenário de pandemia, de crescimento do consumo de bebidas alcoólicas entre as brasileiras, torna-se ainda mais necessária a conscientização da população geral e investimentos em programas de prevenção específicos e adequados para as mulheres.
Bibliografia
* Consumo abusivo de álcool mensurado pela pesquisa Vigitel considera a ingestão de cinco ou mais doses (homens) ou quatro ou mais doses (mulheres) em uma única ocasião, pelo menos uma vez nos 30 dias anteriores à entrevista.
Arthur Guerra é presidente executivo do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA), supervisor do GREA (Programa do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP) e Professor Titular de Psiquiatria da FMABC.