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Casos de preconceito racial são relatados diariamente há muitos anos. Porém, episódios sobre esse assunto vêm ficando cada vez mais sob o holofote, chamando a atenção da mídia mundial. A ampliação do debate sobre racismo acabou gerando uma série de manifestações contra esse tipo de violência ao redor do mundo, levando milhares de pessoas a protestarem pelo fim do preconceito.
De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua do IBGE, realizada no primeiro trimestre de 2020, pouco mais de 56% da população brasileira se identifica como preta ou parda. Apesar desse número representar mais da metade da nação, o julgamento de todas as características desses indivíduos ocorre constantemente na sociedade.
Seja por meio de agressões físicas ou psicológicas, abusos, ofensas verbais ou uma série de diferentes tipos de opressão, enfrentadas no dia a dia pela população preta, as consequências de uma vida reprimida vão além da falta de representatividade na mídia ou do baixo número de pessoas negras no meio universitário.
Na verdade, de acordo com a psicóloga Ellen Senra, o racismo também pode se tornar um trauma com efeitos nocivos a longo prazo. Quando uma pessoa sofre ataques racistas por causa de sua aparência ou uma abordagem policial violenta, por exemplo, é possível que, no futuro, ela possa evitar determinados ambientes devido ao sentimento de ansiedade aumentada com a situação.
Racismo como trauma
Ellen Senra explica que o transtorno do estresse pós-traumático é um tipo de ansiedade caracterizado como pós-trauma, ou seja, após uma experiência de grande impacto que o paciente tenha vivenciado ou presenciado, mesmo que a situação não tenha ocorrido diretamente com ele.
O TEPT, sigla que representa a síndrome, é diagnosticado quando existe uma situação de estresse intenso que apresenta relação com uma experiência passada. Por exemplo, se alguém esteve em meio a um tiroteio, pode apresentar taquicardia e uma crise de ansiedade só ao ouvir um barulho de estouro, semelhante à um tiro.
"Também é possível que a pessoa não se dê conta que a ansiedade foi causada por um trauma. No caso do racismo, ela pode reconhecer o medo descabido, mas não perceber a relação daquilo com o preconceito ou violência que sofreu", explica a psicóloga.
Sintomas de TEPT relacionados ao racismo
Há alguns exemplos no dia a dia de vítimas de racismo que demonstram a manifestação do transtorno pós-traumático, como:
- Evitar estar em ambientes com muitos indivíduos brancos
- Evitar entrar em determinadas lojas com medo de ser seguido ou perseguido
- Evitar estar perto de policiais por medo de uma abordagem agressiva
- Evitar o convívio cotidiano com pessoas fora de sua classe ou raça
A especialista conta que, quando uma dessas situações precisam ser enfrentadas, os sentimentos de medo e ansiedade podem se manifestar com força, permitindo ou não que o indivíduo reconheça o motivo.
É possível superar a TEPT?
Embora a vivência numa sociedade racista não possa ser evitada, a boa notícia é que esse tipo de trauma pode ser tratado. De acordo com a psicóloga, o primeiro passo é reconhecer que esses sentimentos ansiosos são provenientes do racismo. Em seguida, é preciso criar uma estratégia de enfrentamento para situações de preconceito:
- Distanciar-se de pessoas e situações que manifestam atitudes de ódio
- Compreender que a atitude racista vem do outro, não de si mesmo
- Manusear o comportamento em certas situações, a fim de diminuir os sintomas do TEPT
Ellen Senra explica que, além do transtorno pós-traumático, o indivíduo que sofre racismo também pode desenvolver outras condições psicológicas, como o TOC (Transtorno Obsessivo-Compulsivo) e a ansiedade generalizada. Entretanto, a depressão segue sendo a doença que mais atinge a população que sofre com o preconceito racial.
"É importante ter uma educação anti-racista, fortalecer o indivíduo que passa por esse tipo de situação e prestar um serviço de qualidade no atendimento a essas pessoas, de forma que elas não se sintam invalidadas diante do seu próprio sofrimento", finaliza a psicóloga.
Vale reforçar também que racismo é considerado crime no Brasil há mais de 30 anos. Previsto na Lei nº 7.716/1989, esse ato de violência é inafiançável e imprescritível, podendo ser denunciado até mesmo pelo Ministério Público, não exigindo a representação oficial da vítima. O crime prevê pena de 2 a 5 anos de detenção.