Possui graduação em Psicologia pela Universidade de Guarulhos e graduação em Pedagogia pela Universidade Metodista de Sã...
iRedatora especialista na cobertura de conteúdos sobre saúde, bem-estar, maternidade, alimentação e fitness.
Estabelecer limites no trabalho e não fazer mais do que está combinado no contrato. Essa é a premissa por trás do conceito “quiet quitting”, ou “demissão silenciosa”, traduzindo do português. Essa filosofia tem ganhado bastante popularidade na internet nas últimas semanas após um vídeo sobre o assunto ter viralizado nas redes sociais.
Apesar do nome, o conceito não defende que a pessoa trabalhe pouco até ser demitida. Na verdade, o quiet quitting é um movimento que vai na contramão no ideal de “fazer mais do que o esperado”, tão presente no cotidiano de muitas empresas e tão esperado pelos empregadores em relação aos seus funcionários.
Leia mais: Dificuldade para dormir no domingo afeta um terço dos jovens
A proposta por trás do quiet quitting é priorizar o bem-estar mental no trabalho, evitando que o trabalhador se estresse por pressão para cumprir tarefas ou deixe a vida pessoal de lado em prol de horas extras. É daí que vem o princípio de estabelecer limites bem definidos entre vida profissional e pessoal, assim como o que será feito ou não na rotina de trabalho.
Esse movimento, inclusive, já virou tendência nos Estados Unidos: segundo a Gallup, empresa de pesquisa de opinião, pelo menos 50% da força de trabalho estadunidense já é um quiet quitter. Mas será que essa prática é realmente benéfica para a saúde mental?
O quiet quitting é eficaz para o bem-estar mental no trabalho?
Para Cristiane Santos, psicóloga do Núcleo de Atendimento Psicológico e Psicopedagógico da Faculdade Santa Marcelina, sim. “O que não é saudável é esperar que as pessoas trabalhem além do esperado, porque isso pode desencadear em uma pressão velada, já que o funcionário vai se sentir na obrigação de fazer mais o tempo inteiro”, comenta a profissional.
A psicóloga explica que sempre foi e sempre será comum que algumas pessoas façam mais do que lhes é pedido no trabalho, por motivos como ambição, perfeccionismo ou, até mesmo, por prazer. Porém, isso pode se tornar um problema quando a empresa passa a valorizar apenas esse tipo de funcionário e espera que todos os outros sejam assim.
“Nesse caso, a empresa pode se tornar vulnerável, porque ela vai depender da boa vontade dos funcionários. Além disso, essa expectativa nem sempre é comunicada aos empregados, então gera um problema muito grande: a empresa vai esperar do funcionário uma atitude que ele não necessariamente terá e isso pode afetar a produtividade e a qualidade da empresa”, esclarece Cristina.
Saiba mais: Quando se preocupar com o estresse excessivo?
Como consequência, o trabalhador passa a realizar suas tarefas sob pressão, o que gera estresse, fadiga mental e, em casos mais graves, pode evoluir para uma síndrome de burnout. “Eu penso que o melhor caminho para essa situação é definir os objetivos e as obrigações mútuas de forma clara, bem definida, em que um lado saiba exatamente o que esperar do outro”, opina a psicóloga.
É exatamente aí que entra o quiet quitting com a sua proposta de realizar apenas aquilo que é acordado no momento da contratação, sem mais, nem menos. “A ansiedade vai diminuir, haverá uma maior organização do trabalho e as relações entre líder e empregado vão entrando em um equilíbrio”, diz Cristina.
Quiet quitting e síndrome de burnout
Por falar em síndrome de burnout, existe uma relação entre o movimento quiet quitting e a doença, caracterizada pelo estado de estresse extremo e crônico, geralmente provocado por sobrecarga ou excesso de trabalho. No Brasil, o burnout atinge cerca de 30% dos mais de 100 milhões de trabalhadores, segundo dados da Associação Nacional de Medicina do Trabalho (Anamt).
O quiet quitting pode surgir como uma solução para evitar que esse estado de esgotamento mental atinja os funcionários. Porém, é importante entender que, em muitos casos de burnout, a desmotivação com o trabalho pode fazer com que o funcionário acabe fazendo o mínimo - nesse caso, não é uma escolha e, sim, uma consequência.
“Quem sofre com burnout pode sofrer com uma baixa realização profissional e, consequentemente, ter uma redução de eficácia que pode ser confundida com o ‘deixar de fazer o esperado’. Isso tem que ser olhado com muito cuidado”, ressalta Cristiane.
Desmotivação x quiet quitting: qual é a diferença?
Afinal, qual é a diferença entre desmotivação com o trabalho e quiet quitting? Enquanto o segundo termo é uma decisão tomada conscientemente, a desmotivação é um sinal de que algo não está indo bem na vida profissional.
“O profissional desmotivado, muitas vezes, sempre fez além do esperado e, quando algo pontual acontece ou ele não é reconhecido por isso, ele muda de atitude”, explica Cristiane. “Já o quiet quitter fez essa escolha de estabelecer um limite, é uma filosofia de trabalho em que o empregado acredita que vai ter um ganho físico e emocional com ela”, completa.
Por isso, o quiet quitting não deve ser confundido com a desmotivação e nem com outra síndrome conhecida no universo corporativo: o boreout. Ao contrário do burnout, uma pessoa que sofre de boreout se sente cada vez mais entediada e frustrada, o que leva à desmotivação e ao sentimento de distanciamento de seus sonhos e objetivos.
Saiba mais: Exaustão feminina é destaque no Google durante a pandemia
Por outro lado, a psicóloga Cristiane acredita que, se não bem administrada, a prática do quiet quitting pode evoluir para uma síndrome de boreout. “Mesmo o quiet quitting sendo uma decisão, quando não se atinge o resultado esperado, ele pode evoluir para o boreout”, afirma a especialista.
“Muitas vezes, a pessoa que toma a decisão de fazer só o que foi combinado e nada além disso pode sentir tédio, a sensação de estar vivendo um trabalho aquém do seu potencial e acabar sofrendo com isso, se sentindo subestimada e desmotivada”, exemplifica. “Nesse caso, o quiet quitting é uma decisão e o boreout, um sintoma.”
Como aderir ao quiet quitting sem se prejudicar no trabalho?
Resumindo, é possível dizer que o quiet quitting é uma prática que, quando bem definida e decidida com total consciência, pode ser benéfica ao bem-estar mental do funcionário. Entretanto, como aderir a essa filosofia sem prejudicar a vida profissional?
A psicóloga Cristiane elenca algumas dicas fundamentais: “Ser claro e objetivo com a sua liderança, mostrando os porquês da sua decisão e realizando as entregas combinadas, cumprindo o que foi estabelecido”, afirma. “Dessa forma, o líder sabe o que estar do seu liderado, não havendo riscos no desenvolvimento produtivo do trabalho”, acrescenta.
E como saber quando é o momento ideal para aderir ao quiet quitting? Segundo Cristiane, primeiramente é preciso entender sua atual situação na vida profissional. “Se a pessoa se percebe infeliz por conta da pressão que está vivendo no trabalho e mudar de emprego não é uma opção, pode ser que o quiet quitting seja uma solução”, opina.
Para chegar a essa decisão, antes mesmo de comunicar o líder, é importante fazer um trabalho interno: “É preciso ressignificar o perfeccionismo, essa ideia de querer ser elogiado o tempo todo ao realizar um trabalho. Também é preciso entender e estabelecer o próprio limite, permitir-se falhar, aceitar que, muitas vezes, não é possível ter as respostas para todos os problemas e, principalmente, saber se priorizar”, finaliza.