Redatora especialista em conteúdos sobre saúde, beleza, família e bem-estar, com foco em qualidade de vida.
O isolamento social devido à pandemia do novo coronavírus causou diversas mudanças na vida e rotina das pessoas - principalmente das crianças. Segundo uma pesquisa realizada pela Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal e a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), os pequenos de 4 e 5 anos apresentaram sinais de atraso no desenvolvimento da expressão oral e corporal durante o período em que as aulas presenciais foram suspensas.
A pesquisa foi realizada em duas cidades do país - uma no Nordeste e outra no Sudeste -, envolvendo cerca de 2 mil professores e familiares de estudantes de 77 escolas públicas, privadas e conveniadas. 78% dos docentes consultados afirmaram que as crianças não estão se desenvolvendo como deveriam.
"Estudos e pesquisas mostram que todos os aspectos que envolvem o desenvolvimento da criança foram, de certa forma, impactados por esse freio nas relações sociais, cognitivas, funcionais e emocionais", pontua Débora Gasparello Braga, psicóloga do Colégio Stella Maris.
Para a confeiteira Caroline Barbalho, 27 anos, este atraso é evidente. Ela é mãe de quatro meninos, os gêmeos Guilherme e Vinícius, de 4 anos, Lucca, de 7, e Kauã, de 10 anos - três deles estudam em escola pública. "No início de 2020 o Guilherme estava na creche, se adaptando, aprendendo a ir ao banheiro e comer sozinho, desenvolvendo coordenação motora. A pandemia começou e regredimos. Demorei quase um ano pra conseguir adaptar ele à nova rotina [...] ele voltou a falar com dificuldade e gaguejar um pouco", relatou.
Além do trabalho como confeiteira, Caroline precisa dar atenção contínua ao filho Vinícius, que possui paralisia cerebral. Mesmo assim, a mãe ainda separa uma parte do dia para realizar atividades com Guilherme a fim de melhorar seu desenvolvimento, como brincadeiras com massinha, desenhos e estímulos para coordenação motora. Isso porque as aulas on-line não conseguem prender a atenção do menino, que acaba se distraindo com facilidade.
Saiba mais: Volta às aulas na pandemia: como saber se a escola está preparada?
Outra apreensão de Caroline é quanto ao desenvolvimento de Lucca, que possui déficit de atenção e precisou de aulas particulares para aprender a escrever o próprio nome e identificar números e letras. "No final do ano veio a surpresa que ele passou para o 2° ano do fundamental. Ele não lê, não escreve - só algumas coisas que aprendeu no particular, ainda assim com muita dificuldade. Se a pandemia permanecer ele irá para o 3°, e assim vai", contou preocupada.
Falta de contato com outras crianças
Com o isolamento social e o fechamento temporário das escolas, algumas crianças perderam o contato com pessoas da mesma idade. Isso é um dos fatores prejudiciais para o desenvolvimento infantil. "O convívio com seus pares tende a ser extrafamiliar, usualmente. E é no convívio com crianças da mesma faixa de idade que o estímulo é mais natural e em sintonia com suas necessidades", explica o pediatra Renato Santos Coelho.
Ao entrar em contato com outras crianças, os pequenos começam a construir seus comportamentos intelectuais e sociais, pois saem do egocentrismo e conhecem um mundo social mais amplo. "Somos seres sociais e as relações nos ajudam nas soluções de uma maneira geral, principalmente no processo educativo e pedagógico", completou o pediatra.
Essa falta de contato com outras crianças afetou consideravelmente o comportamento de Miguel, 4 anos, filho caçula da advogada Carla Roberta Quirino Ferreira de Souza, 43 anos. "As birras aumentaram e, pela primeira vez, ele não tinha mais paciência. 'Mãe eu não consigo esperar' - ele fala isso sempre, quando está com fome, quando pede alguma coisa [...] Ele realmente fica angustiado", relatou.
Antes da pandemia, a escola particular em que Miguel estuda em período integral estava ensinando as crianças a compartilhar os brinquedos. Mas agora o menino está com muita dificuldade para dividir as coisas. "Na escola, se ele pedia algo para a professora ele não era o único, então ele tinha que esperar. Em casa ele é a única criança", disse a advogada.
Miguel também possui dificuldade para se concentrar nas aulas on-line, e, por isso, apresentou atrasos no desenvolvimento motor e cognitivo. "Quando começou a pandemia ele já sabia se comunicar muito bem. Entretanto, a parte motora foi afetada. Antes da pandemia ele estava aprendendo a ler e escrever, depois ele apresentou dificuldade para identificar os números, letras e fazer escrita fina", disse Carla Roberta.
Efeitos em longo prazo
Esse atraso no desenvolvimento pode acarretar em uma série de problemas nas relações sociais, afetivas e pedagógicos. A parte motora também pode ser afetada. "O mais frequente em casa são as atividades sedentárias e os eletrônicos. E o pouco estímulo motor poderá trazer consequências músculo-esqueléticas", esclarece Coelho.
Com aulas on-line e mais tempo em casa, realmente é mais difícil evitar o contato das crianças com os eletrônicos. Antes da pandemia, Miguel, por exemplo, só usava o celular por menos de uma hora. Depois, por passar mais tempo com o irmão mais velho, ele despertou o interesse por videogame, e também começou a usar mais o computador por causa das aulas on-line.
"Eu não cortei esse interesse dele pelo videogame [..] Mas agora com a volta da aula presencial, o uso de tecnologia voltou a ser mais restrito, pois ele voltou a ter contato com mais colegas e passar menos tempo em casa", explicou Carla. Essa restrição de uso de telas é essencial para não aumentar o atraso no desenvolvimento infantil.
Saiba mais: 5 itens para não esquecer na volta às aulas presenciais
Quanto à área social, o pouco contato com pessoas da mesma faixa etária pode causar a falta de senso de coletividade, provocando poucos estímulos de empatia. Por isso é de extrema importância que pais ou responsáveis tenham atividades com as crianças que provoquem esses estímulos - mesmo com a volta às aulas, pois o isolamento social ainda é imprescindível para conter a propagação do novo coronavírus.
Como amenizar esse atraso no desenvolvimento infantil?
Para minimizar esse déficit no desenvolvimento das crianças é preciso, primeiro, estabelecer uma rotina. O ideal é tentar continuar com a rotina habitual, adaptando as interações pessoais para virtuais - como conversar por chamada de áudio ou vídeo com os amigos, os avós etc.
A psicóloga do Colégio Stella Maris, Débora Gasparello Braga, ainda orienta que os pais escutem e brinquem mais com a criança, além de estimularem a imaginação e a fantasia deles, interagindo com a realidade por meio de livros e desenhos. Isso irá auxiliar na construção de novas relações sociais dos pequenos.
"Todas as etapas da vida são importantes para uma pessoa, mas com certeza a primeira infância estará na base de todo o restante e com poder de influência muito intenso no que somos para o resto da vida", finaliza o pediatra Renato Santos Coelho.