Especialista em Odontopediatria pelo Faculdade de Odontologia da USP;Especialista em Ortodontia e Ortopedia Facial pela...
iO paciente procura o ortodontista quando percebe que algo está errado com sua boca ou sua face. Normalmente, a bagunça já está instalada e o paciente vem em busca de um milagre para resolver o problema. O ortodontista, então, faz o diagnóstico da situação apresentada, lança mão de seus truques mágicos e conserta a posição dos dentes.
No consultório, inúmeras vezes eu adoto uma prática investigativa pouco convencional e peço aos pacientes que tragam fotos de seus rostos em diferentes estágios da vida, desde quando eram bebês até a adolescência. Analisando este book e a história contada pelo paciente consigo identificar a provável época e causa que levaram o crescimento e desenvolvimento a tomarem um atalho e não o caminho certo pré-determinado.
Se levarmos em conta as minhas pesquisas informais, temos uma prevalência superior a 70% dos problemas se manifestando ainda na fase de dentição de leite. Sem intervenção adequada, eles se perpetuam e ficam ainda piores na dentição permanente, época em que os pais costumam correr para o ortodontista. Tudo isso poderia ser evitado ou pelo menos amenizado com um acompanhamento adequado.
Vejo ainda que em 90% dos casos, os pais levam seus filhos ao odontopediatra por medo de seus filhos desenvolverem alguma cárie. A boa notícia é que a cárie deixou de ser o maior problema visto nos consultórios, o que é compreensível devido a presença de flúor na água de abastecimento, no sal e outros alimentos. A má noticia é que muito provavelmente será tarde demais para prevenir a instalação da vilã moderna: a má oclusão.
Para aqueles que ainda não a conhecem, aqui vai a sua apresentação: a má-oclusão constitui um dos problemas de saúde bucal mais prevalentes na atualidade. Raramente é encontrada em achados pré-históricos. Estudos mostram que são fenômenos das civilizações modernas, predominantemente urbanas.
Parte do problema ou cerca de 40% dele se dá por fatores herdados ou genéticos. Os outros 60% por fatores adquiridos ou ambientais. Se estas funções estão erradas, o sistema funciona errado e cresce de maneira desequilibrada.
O problema todo se inicia com a amamentação. As mães modernas deixaram de amamentar os seus filhos por um período de tempo suficiente. De acordo com a Organização Mundial de Saúde e demais órgãos competentes, esta deveria ser exclusiva até os seis meses de idade e prolongada até os dois anos ou mais. As razões para a redução desse tempo variam conforme questões culturais, econômicas e até práticas, já que a mamadeira e a chupeta se tornaram substitutos nutricionais e emocionais.
Neste momento, as mães determinam como será o desenvolvimento da face da criança. O recém-nascido que é alimentado no peito até o primeiro ano de vida tem o seu queixo avançado para frente (o queixo para trás é normal até esta idade para facilitar a passagem pelo canal do parto) e estabelece um padrão respiratório normal. Se for alimentado total ou parcialmente com mamadeira, fica com parte ou toda a posição do queixo por corrigir e, além disso, poderá ou não ser um respirador bucal.
Quando a criança respira pela boca pode ter o seu desenvolvimento comprometido. O ar inspirado pela boca não sofre o processo de filtragem, aquecimento e umedecimento, deixando o sistema respiratório mais vulnerável a doenças respiratórias em geral. A respiração bucal ainda acarreta varias alterações físicas e posturais, comportamentais e emocionais.
A amamentação também causa cansaço muscular pelo esforço feito durante o ato de sugar. Se a criança não for amamentada no peito, não terá feito o trabalho muscular necessário e correto e é exatamente a falta dessa fadiga que ela supre chupando o dedo ou outros objetos.
Os hábitos de sucção de chupetas, de mamadeira e dos dedos produzem efeitos indesejáveis permanentes, sendo que a correção tardia é muito difícil porque o desenvolvimento muscular como um todo já foi alterado.
Como se não bastasse, a criança que não realizou a ordenha do peito materno apresentará os músculos da mastigação pouco desenvolvidos e, assim, demonstrará resistência em aceitar alimentos duros em sua dieta. Contudo, a mastigação também é uma função, de forma que os impulsos e estímulos mastigatórios acabarão sendo supridos através de hábitos como onicofagia (roer unhas) e o bruxismo.
Como podemos notar, o acompanhamento na dentição de leite é a verdadeira prevenção da má-oclusão. Uma orientação adequada nesta época pode salvar uma boca pela vida inteira e, por isso, o recém-nascido deveria ser levado a um odontopediatra com a mesma naturalidade e regularidade que é levado ao médico pediatra.
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Exercer a odontologia infantil em toda a sua excelência, ou seja, com especial enfoque no âmbito preventivo, implica, sem dúvidas, não somente a diagnosticar ou intervir precocemente sobre as má-oclusões, mas, sobretudo, orientar, apoiar, e promover a amamentação.
A filosofia de tratamento ideal não está baseada em descobrir a técnica ortodôntica mais rápida e cara, mas, sim, em eliminar os obstáculos que estejam perturbando o desenvolvimento normal da criança.