Formada em psicologia pelo Centro Universitário Paulistano e em psicanálise pelo Centro de Estudos em Psicanálise.Especi...
iAs redes sociais e as diversas formas de comunicação virtual se tornaram formas de comunicação comuns no mundo. E, ao mesmo tempo que são colaboradoras ágeis, instantâneas e muitas vezes excelentes auxiliadoras em tantas tarefas da vida, podem e são igualmente muito prejudiciais, por diversas vezes. Os mesmos adjetivos que usei para reconhecer seus benefícios podem também, ser analisados como um alerta negativo para os usuários das redes. Afinal, ser instantâneo e ágil, não necessariamente só contém benefícios. Pelo contrário, o excesso ou uso equivocado desses pontos, pode propor superficialidade, dificuldade em construir e analisar conteúdos, dificuldades de expressão, compreensão e interpretação, conflitos nos relacionamentos, ausência de dedicação, de esforço, de limite, de envolvimento e de responsabilidade...
As redes sociais não se tratam somente de uma ferramenta, mas sim de discursos de pessoas, de um meio, de uma sociedade e do mundo e suas relações. As pessoas usam as redes para expor suas imagens e falas, para expressar pensamentos e sentimentos, para fazer movimentos e manifestos, inventar histórias e dividir momentos. E, fazer isso tudo não é novidade. Se exibir, se apresentar e trocar sobre assuntos faz parte da sociedade desde sempre. A novidade aqui está na agilidade, na forma de exposição, dimensão de alcance e superficialidade na relação.
Antes, o comum era compartilhar com o grupo próximo ou com um diário. Era preciso tomar certo cuidado com a fala, estruturar seu pensamento e atitudes com certa cautela, pois a relação, quando muito direta, traz consigo a consequência direta também. Logo, a comunicação parecia ter uma estrutura de limite mais declarada e uma preocupação com seu lugar e imagem nesse meio restrito. Atualmente, nas redes sociais, os pensamentos e conteúdos estão expostos ao mundo todo. Ao mesmo tempo, vem acompanhado muitas vezes da fantasia de anonimato ou de proteção por de trás da tela. Assim, o filtro e a cautela parecem enfraquecidos.
É muito importante perceber que a linguagem virtual é uma linguagem plural, isto é, significa sempre muito mais que aquela imagem vista ou palavra escrita no literal. Logo, nem sempre aquilo visto ou escrito quer dizer exatamente o que parece ser. Ao mesmo tempo, assistir e ler a vida do outro provoca em tantas outras pessoas uma diversidade de sentimentos e sensação de acesso às suas frustrações e desejos. Dessa quantidade e intensidade de sensações, informações e superficialidade de relação com o outro surgem desentendimentos, mentiras, ataques, disseminação de ódio, irresponsabilidades, demonstração de imaturidades, agressões, preconceitos diversos, desrespeito e exibicionismos.
Um olhar psicanalítico para este tema nos lembra que o ser humano desde sempre possui uma relação conflituosa com seu ser/seu Eu/seu existir e com o meio que nasce e vive, pois seus desejos construtivos e amorosos se misturam frequentemente aos desejos invejosos e destrutivos. Todos nós passamos por todos esses sentimentos e conflitos e diversas vezes, desde nascer até morrer. Mas é durante nossa primeira etapa do desenvolvimento (primeira infância) que aprendemos nossas bases e referências sociais e emocionais e é delas que usaremos o conteúdo aprendido (ou não) para nossas estruturas psíquicas, durante toda nossa vida e em todas nossas relações e situações vivenciadas.
Passamos a vida lidando com o que sentimos, pensamos e desejamos. Também controlamos ou tentamos controlar impulsos e desejos diversos. Isso porque nós vivemos em uma sociedade e há regras para esse convívio. Elas são diversas, tanto no quesito da lei, como também nos valores morais e também nas posturas e etiquetas sociais. Desde muito cedo ouvimos e aprendemos sobre nosso controle e descontrole no existir. Há coisas que são permitidas e outras devem ser contidas.
Impulso x controle
O ser humano é por "natureza" repleto de impulsos, o que por vezes pode ser entendido como algo bom ou algo ruim. Conter impulsos, não faz parte do ser humano, na verdade faz parte do existir dele na sociedade, é algo a ser aprendido, mesmo que pareça tão óbvio. Reprimimos, educamos e contemos tantos desejos e hábitos (construtivos ou destrutivos) porque isso é uma regra para estar no meio, no mundo, desde sempre na história da humanidade e também na história de cada pessoa desde seu nascer.
Regras como horário para mamar e dormir, já são uma demonstração de que moldamos o ser humano a um formato cultural. Ensinamos e aprendemos desde sempre que tem hora, jeito e formato para fazer as coisas. Desde muito pequenos somos sinalizados com o que é certo ou errado, o que é permitido ou não, quando há exagero ou falta.
Uma fase muito significativa, para falar da estrutura emocional é, por exemplo, a do desfralde, em que ainda somos tão pequenos, mas já preparados para aprender conter nossas "necessidades" de ir ao banheiro. Um bebê ou criança pequena, até ontem, por usar fraldas, fazia suas "necessidades" como e onde bem quisesse, conforme sua vontade, que aliás nem era percebida como vontade em si, apenas sentia, fazia, se aliviava e ponto. Alguém vinha e limpava depois. Mas, ao aprender o desfralde, a criança, começa a precisar vivenciar novas sensações que geram conflitos e frustrações. Ela precisa perceber que tem vontade, mas não pode mais fazer como e onde ela quiser, agora é preciso segurar (se controlar) e ir até o penico/banheiro para então ali num local e jeito ideal se aliviar e um dia aprenderá também a se limpar, ou seja, limpar/se responsabilizar pelo que produz e faz.
Prestem atenção como essa relação com controlar ou não, segurar ou não, aprender e perceber ou não o formato para se aliviar fala na verdade muito mais do que um controle fisiológico. Essa etapa servirá como base na vida para tantas questões adiante. Na vida da pessoa, essa vivência aparece adiante para mostrar sobre nosso controle e descontrole emocional.
Descontrole e redes sociais
Hoje, as redes sociais são uma grande demonstração de descontrole emocional, falta de limites, falta de noção com espaço do outro, falta de responsabilidade, excesso de imaturidade e imenso desejo de ser admirado e ganhar destaque. É nítido como o ser humano, nesse ambiente, regride emocionalmente, acessa e se expõe de forma psíquica primitiva. Isso traz à tona o bebê que deseja ser amado pelo mundo e ser o centro das atenções e também a criança que reluta em seguir regras básicas de controle e descontrole emocionais.
As agressões nas redes são cenas de crianças birrentas que ainda não controlam seus pensamentos e desejos. São pessoas que agem como crianças descontroladas porque querem ganhar pelo ganhar, porque apenas quer e faz, sem se preocupar com o outro, com o jeito e tão pouco em conter seus impulsos ou estruturar ele de forma adequada.
Os ataques de ódio, de desrespeito e de preconceitos mostram claramente o descontrole emocional e a capacidade da pessoa de discernir sobre respeito, empatia, limites de espaço. A pessoa acredita que possui uma verdade absoluta e um lugar especial no mundo de salvador, herói, um lugar majestoso que deve ser acatado pelos outros e por isso se permite a sair falando sem qualquer preocupação com o lugar do outro, com o jeito e com a consequência disso, apenas quer atender seu impulso imediato, sentir prazer e se satisfazer, não há olhar e consideração com o meio e nem mesmo ideia ou preocupação em se responsabilizar e arcar com o que faz ou deixa de fazer.
Lembram da criança no desfralde, que citei acima?
Então, uma grande parte da sociedade que usa a rede social expõe claramente sua falta de estrutura emocional e falhas de seu psiquismo e no seu desenvolvimento. São pessoas com desordem emocional que, quando se encontram e juntam, podem disseminar o pior lado do ser humano e produzir conteúdos sujos e agressivos.
Algo muito importante para analisarmos, também, é que a internet ou as redes sociais ainda não possuem um limite muito claro de regras e posturas, apesar dos limites básicos da sociedade. A falta de ou dificuldade em impor lei e valores ou punição declarada, deixa a linguagem, por conta de cada um e seu tal bom.
Há a regra geral da sociedade sobre o que é certo ou errado, bem ou mal, devido ou indevido e que no dia a dia usamos nas ruas e em relações pessoais (ao vivo), notificam e cobram quase que instantaneamente, uma correção. Reparem que as pessoas quando ao vivo, para fazer algo errado, tentam fazer escondido, para não ser pego e punido.
Já nas redes sociais a sensação é de uma fantasia de estar escondido, mesmo que exposto ao mundo, de estar protegido pela tela e distância, logo, que não será pontuado e nem pego. Assim, as pessoas sentem que podem se descontrolar e nada irá acontecer com elas. Muitos fantasiam inclusive que se brigaram na rede social, isso não deveria influenciar na vida real, pois o que ele falou ali, não falaria pessoalmente.
É como se ali, nas redes, algumas pessoas se permitissem não mais usar o banheiro para suas necessidades, apenas se aliviam como e onde bem querem. Sem dúvida, alguma lentidão ou falta de punição colabora para o ser humano mostrar esse seu lado perigoso, imensamente imaturo e desestruturado.
O que vemos frequentemente é como a intolerância se manifesta em uma magnitude relevante. As pessoas deixam de usar seus filtros básicos de estrutura na vida e controle de impulsos a apenas agem e reagem. As pessoas falam suas verdades independente se alguém vai ouvir e tão pouco se vai ofender o outro. Falam porque fantasiam que seus conteúdos internos são tão relevantes que precisam exibir para o mundo e sentem muito prazer em não ter limite ou filtro em suas falas.
Gestos e falas agressivas costumam ganhar imenso público. A sociedade sempre adorou e sentiu prazer em assistir um outro sofrer (praças com pessoas enforcadas, mulheres acusadas de bruxaria sendo queimadas, apedrejamento em praças públicas, escravos sendo chicoteados). Sempre houve muita plateia que delira e sente muita satisfação com o outro sendo atacado. Logo, quem ataca nas redes sociais, não faz isso sozinho, faz porque se identifica com outros perversos pelo mundo que sentem muito prazer em menosprezar, agredir e humilhar outras pessoas.
A perversidade humana está escancarada nas redes sociais, mesmo que tantas vezes venha disfarçada com valores morais. A falta de filtro, de limite, de controle emocional e empatia é um grande sintoma da imensa imaturidade de ego e incapacidade ou adoecimento emocional dessas pessoas.
Infelizmente, parece que ainda teremos um longo caminho pela frente, pois identificamos aqui que a sociedade está arcando drasticamente com uma grande falta de controle e limites, falta de valor e empatia, falta de estrutura e aprendizado básico de educação afetiva emocional, para existir em sociedade.
A internet tem sido um grande termômetro para nos mostrar a consequência assustadora que a falta de manejo e cuidado, a falta de afeto ou excesso dele, a falta de limite ou excesso de limite, a falta de preocupação com o emocional nas formações das pessoas. Tudo isso causa sérios adoecimentos psíquicos e atinge toda sociedade.