Mauro Fisberg - Pediatra e Nutrólogo. Professor Associado do Setor de Medicina do Adolescente- Escola Paulista de Medici...
iO ambiente ao qual o bebê está exposto dentro do útero é um fator importante na determinação do peso da criança nos primeiros anos de vida e, quando desequilibrado, pode aumentar as chances de quadros de obesidade infantil e adulta ou de baixo peso e mudança no padrão de crescimento das crianças, além de favorecer o risco para doenças cardiovasculares, como diabetes, hipertensão, dislipidemias, alergias e outras.
O nome que se dá a esta interferência do ambiente dentro do útero materno no desenvolvimento fetal é 'Programação metabólica', um tema muito importante em que os cientistas têm tentado entender o desenvolvimento de algumas doenças buscando formas de prevenção e tratamento precoce.
Esta relação da alimentação e nutrição da mãe com o peso do bebê acontece a partir do equilíbrio hormonal. O crescimento e desenvolvimento das estruturas fetais são desencadeados pelo hormônio de crescimento (GH), que é estimulado pelo cérebro e regula o funcionamento de glândulas, como ovários, testículos e suprarrenais. O GH tem a ajuda de proteínas transformadas no fígado e que transportam seus componentes até os tecidos, chamadas "Fator de crescimento de insulina" (IGF).
As IGF sofrem interferência, entre muitos outros fatores, do estado nutricional de um indivíduo, e tendem a estar reduzidas quando há baixo peso, e aumentadas, em casos de obesidade. Como o IGF interfere na formação das células fetais em sua composição mais primária, sua redução ou excesso implica em formação de estruturas menores ou maiores.
Por isso, mães com baixo peso ou ganho de peso abaixo do esperado tem maior risco de bebês pequenos para a idade gestacional, e gestantes obesas ou com ganho de peso excessivo tem risco para bebês muito grandes. Além disso, a desnutrição da mãe aumenta a exposição do bebê ao hormônio do estresse, o cortisol, que provoca o amadurecimento precoce dos tecidos fetais e diminui o crescimento intrauterino (RCIU), deixando o bebê mais suscetível aos problemas na sua vida fora do útero.
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Muito bem, mas como isso tem efeitos tão duradouros na vida do bebê? Aí é que entra a programação metabólica. Ainda que o bebê nasça com peso normal, o desequilíbrio hormonal e de nutrientes na vida intrauterina não regula apenas o seu desenvolvimento estrutural. Ele programa e ensina o organismo fetal a lidar com um determinado ambiente, e isto perdura por toda a sua vida.
Por exemplo, o excesso de gordura corporal da mãe durante a gestação interfere no metabolismo fetal, programando-o para lidar com um ambiente rico em gorduras maléficas e toxinas (o que muda a maneira como os hormônios e células trabalham), aumentando seu risco cardiovascular e o estado de alerta do organismo para inflamações.
No outro extremo, quando existe desnutrição materna, o organismo do bebê precisa aprender a sobreviver com menor quantidade de nutrientes. Isso modifica seu centro de saciedade, seu ponto de equilíbrio hormonal para se manter em desenvolvimento, as células da parede dos vasos sanguíneos têm menor poder de adaptação aos agentes agressores. É como se o ambiente ensinasse o bebê a lidar com a escassez. E aí, temos uma criança que precisa de poucos alimentos para se sentir satisfeito, que cresce em menor velocidade, mais leve e menor do que a média.
E como pode uma criança programada para este ambiente ter risco de ser obesa daqui alguns anos? Quando se oferece excesso de nutrientes na vida intrauterina a um organismo que sempre esteve acostumado a lidar com pouco, ele tem dificuldades para adaptar o metabolismo a este excedente, passando pelas mesmas alterações metabólicas explicadas acima.
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Vários estudos mostram a relação entre o peso excessivo da mãe antes e durante a gravidez e presença de obesidade em crianças menores de 6 anos, assim como o ganho de peso gestacional insuficiente e maior risco de prematuridade e baixo peso ao nascer. A partir de 13 semanas gestacionais, o ganho de peso materno acima de 500g semanais está associado ao aumento do IMC índice de massa corporal), gordura corporal, aumento de inflamação, pressão arterial e mudanças das gorduras sanguíneas nas crianças menores de nove anos. Por exemplo, o trabalho da equipe de Cocetti et al, realizado em 2012 em diversas regiões do Brasil mostrou que há 5x mais chance de crianças apresentarem obesidade infantil quando o peso de nascimento é maior ou igual 3 kg.
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Sendo assim, como oferecer o melhor ambiente possível para o desenvolvimento do bebê? Não existem alimentos mágicos, e o equilíbrio na dieta materna é a chave. É muito importante já iniciar a gravidez com peso e organismo saudáveis (níveis adequados de glicemia e gorduras, vitaminas e minerais), assim como controlar e manter o ganho de peso durante a gestação em níveis adequados.
Cuidar do consumo de fontes de proteínas de boa qualidade, ferro, ácido fólico, cálcio, gorduras saudáveis (em especial o ômega 3), fibras e vitaminas (em especial B12, A, D, C e E), nutrientes de especial importância no desenvolvimento fetal; assim como evitar o excesso de doces, guloseimas, carboidratos refinados e alimentos processados e gorduras de origem animal e trans fazem parte do que as mães devem fazer para manter um ambiente intrauterino saudável. Colonizar o seu próprio intestino com bactérias benéficas (através do uso de probióticos), também é uma boa preparação para a flora intestinal do bebê (que recebe estas bactérias protetoras na hora do parto, no contato com o canal vaginal, via leite materno e até mesmo via líquido amniótico), reduzindo as chances no desenvolvimento de alergias, sobretudo as respiratórias.
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Nada disso porém, deve ocorrer sem o aconselhamento de profissionais. A quantidade específica que cada gestante deve consumir varia de acordo com o estado nutricional da mãe, por isso não existe um valor universal em relação às quantidades, e é o nutricionista quem a estipula. Assim, uma gestante com excesso de peso não necessariamente deverá comer as mesmas quantidades de uma gestante saudável. De modo geral, para atingir todas estas recomendações acima, devem-se manter a alimentação saudável recomendada aos adultos, além de:
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- Aumentar o consumo de frutas e vegetais, cereais integrais, leguminosas, carnes magras e leite/derivados
- Consumir peixes com frequência para aumentar a ingestão de ômega 3 e vitamina D e expor-se ao sol diariamente. Sempre consultar um profissional, pois alguns tipos de peixes são contraindicados durante a gestação devido ao seu alto teor de mercúrio
- Aumentar o consumo de fontes de cálcio (leite e derivados, vegetais de cor verde escuro de derivados da soja)
- Consumir fontes de antioxidantes regularmente (vegetais e frutas vermelho/amarelo-alaranjados, frutas cítricas, castanhas e oleaginosas)
- Manter o consumo regular de probióticos
- Evitar o excesso de cafeína, doces, guloseimas
- Evitar o consumo de álcool e cigarro.
*Texto elaborado com a participação da nutricionista Rachel Machado, Mestre em Ciências pela EPM-UNIFESP, responsável pela área de pesquisa do Centro de Dificuldades Alimentares- Instituto Pensi- Hospital Infantil Sabará