Danilo Höfling é endocrinologista e doutor em ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. É Membro...
iHá estudos sugerindo que várias substâncias, naturais ou sintéticas, podem agir no sistema endócrino provocando problemas de saúde. Tais compostos químicos são denominados desreguladores ou disruptores endócrinos (DEs).
Em 2012, a Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou um relatório no qual expressa suas preocupações com os potenciais efeitos adversos dos desreguladores endócrinos (State of the Science of Endocrine Disrupting Chemicals, 2012). Segundo a OMS, "um disruptor endócrino é uma substância ou mistura exógena (que provém de fora do organismo) que altera as funções do sistema endócrino e, consequentemente, causa efeitos adversos na saúde de um organismo intacto, nos seus descendentes ou (sub) populações".
Os DEs têm uma estrutura química parecida com a de alguns hormônios. Podem, assim, agir como se fossem verdadeiros hormônios, desregulando o sistema endócrino. Entre as potenciais consequências para a saúde, incluem-se: puberdade precoce, problemas reprodutivos, distúrbios fetais, abortamentos, problemas no sistema nervoso, alterações de comportamento, desordem do sistema imune e alguns tipos de câncer.
Há grande variedade de substâncias capazes de agir como DEs, as quais se encontram em, praticamente, todas as regiões do planeta. Algumas delas podem estar presentes na água e no ar, enquanto outras, em embalagens de alimentos, aditivos alimentares, pesticidas, produtos eletrônicos, produtos de higiene pessoal, cosméticos etc. Ao atingir o organismo, tais substâncias são capazes, até, de atravessar a placenta e chegar ao embrião ou feto, ou ainda ao bebê através do leite materno.
Alguns fatores talvez contribuam para aumentar o risco de desencadeamento das doenças associadas aos DEs. Exemplos: o tipo de desregulador que penetra no organismo, a quantidade da substância e o tempo que o indivíduo permanece em contato com ela. Assim, uma pessoa exposta à grande quantidade de um determinado DE, por tempo prolongado, possivelmente correrá maior risco de sofrer de algum dano a sua saúde.
A idade em que se dá a exposição parece ser, também, um fator que eleva o risco de desenvolver problemas de saúde. Há relatos sugerindo que, durante as diversas fases de desenvolvimento do organismo humano, como no embrião, no feto, nas crianças e nos adolescentes, há maior suscetibilidade para o desenvolvimento de problemas de saúde associados à exposição aos DEs.
Várias substâncias já foram apontadas como possíveis DEs, tais como: fitoestrógenos, diversos pesticidas organoclorados, endosulfan, ftalatos, alguns metais pesados como cádmio, arsênio, mercúrio, metilmercúrio e chumbo, medicamentos, bisfenol A, hexaclorobenzeno e dioxinas. Uma lista mais completa, com a maioria dos possíveis DEs pode ser acessada no link da referência 3.
Grande destaque tem sido direcionado para os ftalatos (usados em plásticos maleáveis e na produção de brinquedos, perfumes, sabonetes, hidratantes, desodorantes, condicionadores, xampus, produtos médicos e farmacêuticos, etc.) e para o bisfenol A (também chamado BPA, é uma substância usada na fabricação de plásticos de policarbonato e resina epóxi, usados na fabricação de recipientes plásticos e revestimento plástico interno de latas usadas para acondicionar e manipular diversos alimentos).
O bisfenol A é um dos DEs mais discutidos atualmente. Essa substância tem estrutura química parecida com os hormônios esteroides, em especial o estradiol, que é o principal hormônio feminino. Uma vez dentro do organismo, o bisfenol A poderia provocar alterações no equilíbrio hormonal. Embora ainda não haja comprovação em humanos, estudos realizados em animais demonstraram que a exposição ao bisfenol A estaria associada com diversos problemas de saúde, como doenças da glândula tireoide, infertilidade, puberdade precoce, alterações no desenvolvimento dos órgãos sexuais e ainda alguns tipos de câncer.
Muitos países já demonstraram suas preocupações sobre os potenciais riscos à saúde envolvidos com a exposição ao bisfenol A. Já em 2010, a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia lançou uma importante campanha: "Diga não ao bisfenol A, a vida não tem plano B".
Por medida preventiva alguns países, incluindo o Brasil, optaram por proibir a importação e a fabricação de mamadeiras que contenham esse composto desde 2012.
Segundo o relatório da OMS (State of the Science of Endocrine Disrupting Chemicals, 2012), "embora esteja claro que certos desreguladores endócrinos possam interferir nos processos hormonais, ainda não há provas suficientes para afirmar que eles provoquem efeitos nocivos à saúde humana. Mas, em animais, já há evidências suficientes para concluir que tais substâncias podem causar efeitos nocivos provocados por sua interferência no sistema endócrino". Tal publicação concluiu que os DEs têm capacidade de interferir nos tecidos, no desenvolvimento e funcionamento de órgãos e, dessa forma, eles podem afetar a suscetibilidade a diversas doenças ao longo da vida.
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Assim, há grande número de potenciais DEs amplamente distribuídos em nosso meio. Obviamente, a probabilidade de que as pessoas se exponham a algum deles é muito alta, o que cria um potencial e complexo problema de saúde pública mundial.
Apesar de ainda não haver comprovação científica de que os DEs possam provocar efeitos prejudiciais à saúde humana, por precaução, a tentativa de reduzir a exposição a essas substâncias é medida muito importante, especialmente nas gestantes, nas crianças e nos adolescentes.
Referências
Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia
http://www.who.int/ipcs/publications/new_issues/endocrine_disruptors/en/
http://www.endocrinedisruption.org/endocrine-disruption/tedx-list-of-potential-endocrine-disruptors/overview
http://apps.who.int/iris/bitstream/10665/78102/1/WHO_HSE_PHE_IHE_2013.1_eng.pdf
http://www.unep.org/chemicalsandwaste/Portals/9/EDC/SOS%20of%20EDCs%202012%20Summary%20for%20DMs.pdf