Formada em psicologia pelo Centro Universitário Paulistano e em psicanálise pelo Centro de Estudos em Psicanálise.Especi...
iFrequentemente sou abordada por pacientes, leitores e conhecidos a respeito deste assunto e também sobre os conflitos gerados por estas duas palavras: individualismo e relacionamento. Já abordei anteriormente, em outros artigos, uma visão sobre a importância da individualidade de cada sujeito e do EU existir, para que então se tenha a chance de uma boa relação. Mas, desta vez, apesar da base para o artigo ser as mesmas palavras, o contexto será bem diferente. Aqui o conflito está em torno de relações que possuem características individualistas e egocêntricas. Na psicanálise também podem ser ditas como narcísicas (este termo é uma referência à história de Narciso e vale ler a respeito).
É importante retomar que desde nosso nascimento dependemos de outra pessoa para sobreviver, tanto fisicamente como emocionalmente, havendo uma necessidade de troca de experiências e reconhecimentos nas diferentes etapas da vida. Conforme crescemos, vamos ampliando e remanejando essas vivências para nossas relações, internas e externas. Aprendemos, portanto, desde bebês e também enquanto crianças, se devemos ou não estar abertos para receber e trocar com os outros. Nossas vivencias irão mostrar se ganhamos ou perdemos com isso, e entenderemos se o olhar do outro nos agrega, nos critica ou nos supervaloriza.
Pessoas com características individualistas vivem o ideal de perfeição de si mesmas. São pessoas que possuem dificuldade de se reconhecerem no meio, no outro ou até nelas mesmas. Às vezes acontece porque foram tão enaltecidas por seu meio, seus pais - bebês e crianças que aprenderam que são melhores que outras, que são mais inteligentes, mais desenvoltas, com muita opinião, tudo deles é o máximo etc. - que seu ego se torna cheio de si e entendem, assim, que por serem melhores que os demais não precisam do outro, às vezes nem mesmo de seus pais. Logo, por que precisaria de um(a) companheiro(a) um dia em sua vida?
Há também o caso inverso, onde faltou um olhar/cuidado afetivo, amoroso, acolhedor e encorajador no meio que nasceu e viveu. Essa pessoa tenta compensar tal falta olhando intensamente para si mesma, para seu ego, numa tentativa fantasiosa de se acolher e de acreditar em si mesma. Isso chega a tal ponto que não deixa espaço para o outro, ela mesma basta para se admirar.
Em ambos os casos é comum que sejam pessoas com falas arrogantes, frases cheias de razão, posturas prepotentes que costumam desmerecer ou criticar muito os outros ou aquilo que não é sua escolha ou que não lhes represente. Todos ou tudo aquilo que não lhe interessa ou representa é sinal de risco, isto é, uma ameaça a sua posição de destaque, de ser o melhor ou o "mais-mais" (seja qual for o assunto) e a tendência é que seja alvo ou seja afastado de sua vida.
Como se relacionar com alguém assim?
Na verdade, partimos do ponto que pessoas com ego tão inflado ou com personalidade narcísica intensa tendem a não se relacionar. Ao menos não de acordo com o que entendemos por relacionamento adequado ou saudável, onde há um tipo de amor harmônico, parceiro e onde os sonhos são sonhados juntos e para ambos. Para um individualista isso não interessa, ele é uma pessoa de atitudes egoístas, usa como base somente sua satisfação, sua verdade e tende a ditar regras nas relações. Quando contrariado ou quando lhe apresentam outra possibilidade de pensar acaba entendendo como afronta. Assim, é uma relação quase impossível de se manter e normalmente é cercada de estresse, brigas, agressões ou criticas e desmerecimentos contínuos.
Porém, isso não significa que estas pessoas não se relacionem, pelo contrário. Existem alguns perfis que podem atrair, e muito, uma pessoa narcísica/individualista:
Buscam pessoas com mesmo perfil: neste caso pode até parecer inicialmente afinidade de casal, o que seria bom, mas no caso de uma pessoa individualista se trata, na verdade, de enxergar a si mesmo no outro, como um espelho. Apaixonam-se por pessoas de personalidade muito próxima, às vezes são parecidos até fisicamente, possuem gostos e atos muito similares. Na verdade estão apaixonados por eles mesmos, se enxergam através do outro e não o outro (percebem a diferença?) e isso acontece com ambos. Logo, é uma relação egocêntrica e não de parceria.
Buscam pessoas que eles gostariam de ser ou um dia foram: aqui eles escolhem parceiros que alimentem suas fantasias ou ideais, que não conseguiram concretizar ou que os tenham perdido. Muitas vezes basta estar ao lado ou conviver no meio para acreditar que também é merecedor de destaque, sucesso e reconhecimento (que é do outro). Um exemplo disso são as pessoas mais velhas que se envolvem com outras muito mais novas; mãe que usa roupa da filha; esposa que acha que tem tanto sucesso quanto seu marido, que é ator de sucesso e ela nem atriz é; Pai que se julga inteligente através das notas do filho etc.
Buscam pessoa para lhe servir: nesta situação a pessoa individualista procura conviver e se envolver com outras que são seu oposto, mas com um objetivo claro, que a outra pessoa os sirva. Ela quer alguém com autoestima baixa, pois precisa de alguém que a admire constantemente e precise de alguém para admirar. Esta é uma relação que lhe enaltece muito, pois a pessoa tende a viver lhe parabenizando, mimando, servindo e atendendo seus desejos, garantindo sua fantasia.
Vocês notaram que em todos os casos citados há o mesmo ponto em questão? São eles:
- O de que a única atração de um individualista é ele mesmo
- A paixão sentida será dele por ele mesmo, e só irá se envolver com alguém se esta pessoa lhe representar e for seu espelho continuo
Estas relações geralmente são turbulentas, vazias e cheias de sintomas e disfarces, pois um ou ambos os lados possuem conflitos emocionais e são instáveis para se envolver com outra pessoa. Estes relacionamentos podem durar uma vida toda, ou poucos dias, tudo depende do casal e de quais as suas defesas para disfarçar e lidar com o egocentrismo.
Para terminar, vale citar que dificilmente pessoas assim buscam ajuda, pois não estão abertas a ouvir ou a descobrir suas falhas e pontos fracos. Logo, dificilmente vão reconhecer que precisam mudar ou melhorar algo na relação. Então, quando me perguntam o que podem fazer para que seu companheiro(a) entenda isso, para que mude ou amenize o seu comportamento, a minha resposta é sempre a mesma: Você, estará tentando fazer o trabalho dele por ele e isso não funciona! Você só pode fazer por você, perceber seus sintomas, perceber porque entrou ou está nesta relação, o que ganha e perde com isso, além de analisar seu ?eu? e o que fazer daqui por diante com você.
Saiba mais: Seu tipo de personalidade predispõe você ao estresse?
É muito importante saber que a partir dessas suas elaborações sua relação venha mudar, pois inevitavelmente você não será mais tão atraente aos olhos do individualista, visto que vai deixar de refleti-lo!
Caetano Veloso, já cantava na música Sampa "quando te encarei frente a frente não vi o meu rosto; Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto o mau gosto; É que Narciso acha feio o que não é espelho!"