Danilo Höfling é endocrinologista e doutor em ciências pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. É Membro...
iEm primeiro lugar, é importante mencionar que vamos abordar a situação que ocorre quando o diabetes tipo 1 ou 2 já estava presente antes da gestação, ou seja, o diabetes pré-gestacional. É uma condição diferente daquela na qual uma mulher não diabética adquire a doença durante a gestação, caso do diabetes gestacional. A diferenciação entre essas duas condições é indispensável, pois podem trazer problemas distintos para a gravidez e o desenvolvimento do feto.
A gestação da mulher com diabetes geralmente envolve apreensão e ansiedade em decorrência de possíveis problemas que essa enfermidade possa trazer aos bebês. De fato, as gestantes diabéticas têm maior risco de complicações tanto para si próprias como para seus filhos - e eles são maiores ainda nas gestantes que apresentam controle inadequado da doença.
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Riscos e complicações
O risco de malformações congênitas nos fetos de gestantes diabéticas é três a seis vezes maior quando comparado às não diabéticas. Nesse caso, o risco é maior quando o controle da glicemia é insatisfatório entre o momento da concepção e a oitava semana de gestação. O aumento da glicose no sangue tem efeito tóxico para vários órgãos que são formados exatamente nesse período, quando muitas vezes a mulher sequer sabe que está grávida.
As mulheres com diabetes já podem ter algumas complicações decorrentes da doença antes da gestação, como doenças oftalmológicas (retinopatia diabética), renais (nefropatia diabética), vasculares (vasculopatia diabética) e neurológicas (neuropatia diabética). Tais doenças podem se agravar durante a gestação.
Pode haver, também, aumento do risco de infecção urinária e vaginal, pré-eclâmpsia (hipertensão arterial com a presença de proteína na urina, que pode causar lesão em vários órgãos), aborto espontâneo, parto prematuro e cesárea.
Dentre as complicações no parto, o diabetes aumenta a ocorrência de macrossomia (feto com peso acima de quatro quilos ou acima do percentil 90 em relação à idade gestacional), dificuldades durante o parto, aspiração de mecônio (primeiras fezes eliminadas pelo feto), hipocalcemia (diminuição de cálcio), hipomagnesemia (redução de magnésio), hiperbilirrubinemia (aumento das bilirrubinas), policitemia (elevação do número de células vermelhas do sangue), hipoglicemia (queda da glicose) e morte fetal. Quando a macrossomia está presente, os bebês têm aumento do risco de desenvolver obesidade e diabetes tipo 2 na vida adulta.
Planejamento
Por todos esses motivos, recomenda-se fortemente o planejamento da gestação em mulheres com diabetes. O ideal é procurar os médicos pelo menos seis meses antes da concepção, tanto para alcançar o controle adequado do diabetes quanto para avaliar a presença de possíveis complicações da doença, como problemas na retina, nos rins e nas artérias. A doença das artérias coronárias com a presença de placas de lipídeos na parede desses vasos sanguíneos pode, por exemplo, ser uma contraindicação para a gestação de mulheres diabéticas, que devem ser avaliadas por um cardiologista previamente.
A mulher com diabetes pode, contudo, engravidar sem qualquer programação prévia. Nesse caso, o medo de um possível problema com o bebê gera ansiedade que dificulta ainda mais a normalização da glicemia. Assim que souber da gravidez, o endocrinologista e o obstetra devem ser procurados para dar as orientações necessárias, iniciar o tratamento e, inclusive, solicitar o auxílio de outros profissionais, como nutricionistas, enfermeiros e até psicólogos, se necessário. Quanto mais cedo o tratamento for iniciado, menores os riscos para mãe e bebê.
Acompanhamento
A glicemia deve ser monitorada com o objetivo de atingir níveis de glicemia de jejum de 65 a 95 mg/dL e, uma hora após a alimentação, de até 140 mg/dL, exceto para as gestantes com risco aumentado de hipoglicemia. A hemoglobina glicosilada deve estar com valor < 6% ou até 1% acima dos limites superiores para o método utilizado.
É importante realizar, também, a avaliação da tireoide, especialmente para a presença de tireoidite de Hashimoto, que é mais frequente em mulheres com diabetes tipo 1 do que nas não diabéticas.
O controle glicêmico é realizado mais frequentemente com o emprego de glicosímetros, que são pequenos dispositivos capazes de analisar a glicemia em uma gota de sangue. Devem ser realizadas três a sete verificações diárias, incluindo os momentos antes e depois das refeições, de acordo com a orientação do endocrinologista.
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Foram lançados recentemente, inclusive, pequenos sensores que são facilmente fixados sobre a pele e possuem capacidade de monitorar a glicemia ao longo do dia, como o FreeStyle® Libre e o Dexcom®. Embora sejam ferramentas muito úteis para auxiliar no tratamento da doença, ainda têm como obstáculo o custo elevado.
A bomba de insulina é considerada a melhor forma de administração de insulina durante a gravidez, mas essa opção deve ser considerada de forma planejada, antes que a mulher com diabetes tente engravidar.
Cuidados especiais
Dieta adequada, controle de peso corporal e prática regular de atividades físicas são requisitos importantes para alcançar os níveis desejados das glicemias. Ela deve ser planejada pelo nutricionista que avalia a quantidade de calorias baseando-se no índice de massa corporal (IMC). O valor calórico total recomendado deve ser composto por 40 a 45% de carboidratos, 15 a 20% de proteínas e 30 a 40% de gorduras. Vale lembrar a necessidade de suplementação com ácido fólico até a 12ª semana de gestação para reduzir o risco de malformação do tubo neural do feto.
A prática de atividades físicas contribui para o controle da glicemia e para evitar ganho excessivo de peso, afastando complicações maternas e fetais. Se não houver contraindicações, podem ser realizadas atividades próprias para gestantes, como hidroginástica, caminhada, alongamento e relaxamento corporal. No entanto, deve-se procurar orientação médica antes de iniciá-las.
Atualmente, devido à segurança e à eficácia comprovadas do uso da insulina para o controle da glicemia, orienta-se a descontinuação do uso de antidiabéticos orais para as gestantes com diabetes tipo 2 e sua imediata substituição por insulina, de preferência antes da gravidez ou logo após seu diagnóstico.
As gestantes com diabetes tipo 1 já fazem o uso de insulina, mas pode haver necessidade de troca, uma vez que ainda não há evidência de que alguns tipos de insulina sejam seguros nessa fase. Geralmente, são empregados os tipos NPH, regular, detemir, lispro e asparte.
Ao longo da gestação, a resistência à insulina pode ocorrer pelo aumento das concentrações de vários hormônios no sangue, o que leva à necessidade de aumento das doses de insulina utilizadas durante esse período. Daí a importância da monitorizações contínuas das glicemias e visitas ao médico em curtos intervalos.
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Referências
- Avaliação e tratamento da paciente gestante com diabetes mellitus. Diretrizes da Sociedade Brasileira de Diabetes 2017-2018
- Sociedade Brasileira de Diabetes (www.diabetes.org.br)
- Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (www.endrocrino.org.br)
- E-book 2.0, Diabetes na Prática Clínica, Airton Golbert, Capítulo 08, Tratamento do Diabetes Gestacional e da gestante com Diabetes.