Graduada médica pela Universidade Federal do Rio de JaneiroPsiquiatra e Terapeuta comunitária (UNIFESP)Hipnoterapeuta Ed...
i"O mundo vai girando cada vez mais veloz, a gente espera do mundo, o mundo espera de nós. Um pouco mais de paciência. Será que é tempo que me falta para perceber, será que temos esse tempo pra perder e quem quer saber? A vida é tão rara, tão rara"
"Tenho medo de amor e não saber amar... tenho medo do medo que dá". (Lenine)
Saiba mais: Mindfulness: aprenda a praticar a atenção plena
Esses trechos de música ressoam como um convite a apresentar o mindfulness em um tempo de humanos acusados de desumanizados, acelerados, preocupados, estressados e cada vez mais adoecidos física e mentalmente.
Em um mundo carregado de estressores de A a Z, a humanidade caminha com acidentes, agressões, abandonos, banalização do trabalho, carência de afeto e cuidado, danos, escassez... Há todo um alfabeto de desafios à saúde psicológica da sociedade.
Precisamos de mais tempo interno que nos possibilite atitudes mais conscientes e pacíficas conosco e com os outros para assim termos uma sociedade mais saudável e menos violenta. Precisamos de um tempo que não nos damos, de um mínimo de tempo necessário e é por isso que o mindfulness está tão em alta.
O que diferencia os seres humanos dos demais seres é a nossa consciência, ou seja, a percepção e separação entre o mundo interno e o mundo externo. Mas o que é mais relevante ainda à nossa humanização plena é a possibilidade de agir conscientemente, e não reativamente. Para agir consciente precisamos ser capazes de reconhecer nossos próprios pensamentos e sentimentos. A partir daí, regular e escolher comportamentos que nos represente de forma consciente, pela própria vontade e decisão, e não de forma reativa, no automático, gerado pelo medo ou pela incerteza.
A meditação mindfulness traz a proposta de uma prática constante da Atenção Plena, consciente.
Vários estudos científicos têm comprovado múltiplos e relevantes benefícios especialmente para a saúde mental. Exemplos disso são a redução dos sintomas de depressão (1), a redução da ansiedade (2), diminuição de abuso de substâncias psicoativas (3) e redução da compulsão alimentar (4). Ou seja, as práticas de mindfulness causaram um impacto positivo nas medidas objetivas de humor e cognição, percepção e planejamento (5).
Princípios do mindfulness
Essa estratégia tem origens na tradição budista oriental e baseia-se em dois princípios fundamentais:
1.a consciência e atenção ao momento presente;2.a aceitação sem julgamentos ou críticas aos seus estados emocionais no presente
O mindfulness é, portanto, o processo de aprendizagem para treinar a mente em focar no momento presente, reconhecendo-se. Esse treinamento permite ao praticante que ele reconheça seu processo de pensar, de sentir e agir. Permite que a pessoa de fato adquira consciência, perceba e lide com seu estado atual.
Quem pratica mindfulness passa a reconhecer com mais habilidade e naturalidade as tendências automáticas da mente em trazer memórias ou criar cenários futuros ensinando o praticante a reconhecer essas tendências como um observador dessas tendências e voltar e estar no agora.
A pessoa começa a lidar com essas tendências da mente circular entre o passado e futuro de forma muito mais consciente sempre reforçando a experiência do agora, respirando e generosamente focando no momento presente.
Dessa forma, o mindfulness surge como estratégia fundamental para que, quando os pensamentos surjam, a pessoa treine o que chamamos de "curiosidade gentil". Isso consiste simplesmente em ter uma atitude de aprendiz curioso consigo ao reconhecer e compreender os próprios pensamentos a sentimentos.
Estar consigo mesmo
A meditação é uma estratégia de criar espaço interno para reconhecer os próprios pensamentos e estar consigo mesmo de uma forma diferente.
Essa forma foi perdida há muito tempo, e muitas vezes foi vivida na infância, quando tínhamos tempo para estar conosco mesmo. Aquela forma que tínhamos de dialogar com uma atitude de curiosidade gentil conosco mesmo, que enquanto brincávamos, falávamos sozinhos conosco mesmo. De certo modo, tínhamos uma inteligência e criávamos um continente mais amplo para os problemas do mundo que já começavam a nos atravessar. Para alguns de nós que tiveram infâncias "adultizadas", esse espaço de ser foi sequer experimentado.
Com o mindfulness, cria-se um tempo para estar consigo mesmo de modo a reconhecer as próprias experiências emocionais sem tentar fugir delas a qualquer custo ou de qualquer jeito. Atitudes impensadas e reações automáticas geram mais conflitos internos e interpessoais.
Costumamos notar que dialogar sobre um fato desagradável acaba com alguém querendo achar culpados ou modificá-lo, quando a solução do problema não está em nossas mãos. A decisão torna o fato com sofrimento ainda maior do que ele realmente representa. Tornamos o que era uma sombra, um monstro.
Assim, podemos experimentar não fugir do desagradável, mas criar um espaço de auto-respeito para se escutar, se reservar o direito de parar por alguns minutos e me retirar para estar comigo mesmo, escutar minha própria voz e perguntar: "como estou me sentindo agora?". Talvez eu reconheça que estou triste, estou assustada, estou preocupada sobre o futuro, sobre o que acontecerá a mim mesma e às pessoas que amo. E, de novo, respiro profundamente e presto atenção a mim mesma agora, nesse momento em que observo meus pensamentos e sentimentos. O praticante constante do mindfulness será capaz de experimentar uma perturbação muito menor do que experimentaria antes de realizar a prática da meditação.
O mindfulness é a oportunidade de estar consigo de uma maneira mais generosa e compreensiva, tentando evitar pensamentos de preocupação que me levem para um futuro incerto.
Programas de mindfulness
Geralmente, os programas mais consistentes de mindfulness consistem em encontros duas vezes por semana, com duração de 8 semanas, em que as técnicas e princípios são praticados, mas existem outros programas mais curtos.
O treinamento mindfulness é um processo constante que permite que a pessoa adote estratégias para reconhecer as ditas experiências primárias de conforto e desconforto que surgem no corpo. Por exemplo, é possível reconhecer essas sensações com certos estímulos: prazer ao comer um doce, dores no corpo ao estar por exemplo muito tempo encurvado.
A ideia é criar crescente consciência e reconhecimento do que se está vivenciando. Ao invés de ignorar o desconforto, o sujeito passa a atuar sempre usando a respiração e os princípios de diálogo interno que são a base da filosofia mindfulness. Isso previne elaborações perturbadoras ou ruminações negativas que geram sofrimento muito maior que o fato primário desconfortável.
O mindfulness também ensina o participante a reconhecer as experiências positivas de modo a maximizá-las, potencializá-las e fortalecê-las. Assim, o participante valoriza os momentos de bem-estar e busca vivê-los com a importância que possuem. Esses momentos podem ser pequenos, como sentir o cheiro do café, perceber uma fragrância agradável, um sabor especial... Isso cria estados de bem-estar a partir de experiências singelas do cotidiano e aumenta o senso de qualidade de vida das pessoas.
O mindfulness nos ajuda a lidar conosco mesmo no sentido de termos congruência. Isso não significa não ter dor, nem negar o desagradável, mas lidar com os fatos de uma forma mais integradora. O sofrimento ainda existe, mas para muitos que praticam essa técnica, ele é vivenciado com menor nível de desespero. Finalizo esse artigo com um trecho de Ivan Lins: "Desesperar jamais. Aprendemos muito nesses anos. Afinal de contas não tem cabimento entregar o jogo no primeiro tempo. Nada de correr da raia, Nada de morrer na praia... Nada de esquecer no balanço de perdas e danos, já tivemos muitos desenganos, já tivemos muito que chorar, mas agora, acho que chegou a hora de fazer valer o dito popular: Desesperar jamais".
- 1. Coffman, Dimidjian e Baer, 2006, Hoffman, Sawyer, Witt, & Oh, 2010, Ma & Teasdale, 2004, Piet & Hougaard, 2011
- 2. Hoffman et al., 2010
- Roemer, Salters-Pedneault, & Orsillo, 2006
- 3. Bowen et al., 2006
- 4. Tapper et al., 2009
- 5. Chambers, Lo, & Allen, 2008, Chiesa, Calatti e Serretti, 2011, Fiocco & Mallya, 2015