Graduado pela Faculdade de Medicina de Marília (FAMEMA). Residência médica em Psiquiatria pela Universidade Estadual de...
iA automutilação é para muitas pessoas a válvula de escape para as dores emocionais que as acomete. Ouço constantemente no consultório relatos de que aquele gesto de traçar uma linha horizontal nos braços, abdômem ou pernas ajudam a aliviar o aperto no peito e angústia que sofrem. É como se a dor física aliviasse a "dor na alma".
É cada vez mais comum adolescentes, mas também adultos, com quadros de automutilação. E ela não ocorre apenas com atos de se cortar, bater em si mesmo e se queimar. Algumas pessoas me perguntam se arrancar o cabelo e comer unha também podem ser consideradas com automutilação. Normalmente não, pois estão mais ligadas com um estado de ansiedade ou inquietação motora do que como uma tentativa de autoagressão.
Saiba mais: Entenda melhor os sentimentos por trás do suicídio
Mas o que é a automutilação? É quando o indivíduo intencionalmente agride o próprio corpo sem a intenção direta de suicídio. Entretanto, embora naquele momento a automutilação não tenha tido a característica imediata do suicídio, ela própria é a "ponta do iceberg". Mais de 50% das pessoas que fazem isso tentarão suicídio em algum momento da vida.
Entre os motivos que mais escuto, estão: brigas com familiares, brigas com cônjuge, problemas nas relações interpessoais, incluindo amizades, problemas escolares. Entre as principais finalidades com que a pessoa faz isso temos a necessidade de aliviar um estado ou sentimento negativo, como um estado ansioso, depressivo, ou sentimento de angústia, frustração, desespero, tensão, raiva e, até autocrítica. Também o fazem na tentativa de induzir um sentimento positivo e até como forma de lidar com as relações interpessoais.
A pessoa normalmente tem esses atos de forma tão repetitiva que pensa inúmeras outras vezes nisso ao longo dos dias sem realizar o ato em si. Há aquelas que não conseguem ver uma outra forma de lidar com a frustração que não seja propriamente com a automutilação. O ato normalmente é impulsivo e ocorre para alívio imediato da situação causadora. A pessoa muitas vezes faz isso sem pensar.
E quem são as pessoas que mais têm esse tipo de conduta? Muitos dizem que ocorre apenas em adolescentes, mas não. Embora crescente nessa população, a automutilação é comum em adultos. Mas ainda é mais frequente em adolescentes. O advento das redes sociais e super-exposição contribui negativamente para a expansão dessas condutas.
Alguns quadros psiquiátricos estão bastante associados, como a depressão, o transtorno de personalidade borderline, transtornos alimentares, transtorno de personalidade histriônica e transtornos de ansiedade. Cabe lembrar que a automutilação por si só já é enquadrado na psiquiatria como um transtorno psiquiátrico independente, ocorrendo em jovens sem os quadros descritos acima, mas que estão num sofrimento psicológico e social intensos.
Percebo no consultório que essas formas de aliviar o estresse e outros sentimentos negativos é uma má adaptação aos desafios e estresses que a vida traz. São jovens que modulam mal a forma como lidam com o sofrimento. E o mais difícil é que os pais, professores e outras figuras não percebem em boa parte dos casos que isso acontece. Vários pais, ao invés de buscar ajudar o filho, criticam a atitude e relatam ser frescura. Sempre afirmo que não adianta apenas criticarmos a automutilação sem dar suporte, afeto e um olhar mais empático para o que acontece.
A automutilação está adquirindo características de problema de saúde pública e cabe a nós, como sociedade, fornecermos amparo e suporte para essas pessoas que tanto sofrem e não conseguem ser ouvidas. O tratamento normalmente envolve a psicoterapia e, em alguns casos, medicamento para tratamento da automutilação ou da sua condição clínica associada. Terapias alternativas em associação com as duas acima também são bem-vindas como acupuntura, atividade física e yoga.