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Nas histórias de amor, seja em filmes, livros, música ou redes sociais, é muito comum enaltecer aspectos relacionados ao romantismo, troca de afeto, conquista e dias e noites com a pessoa amada na cabeça. Esse enredo a gente já conhece.
No entanto, pouco ou nada se fala acerca da vida prática. Desde o aspecto mais simples, como se os horários de ambos coincidem, se um prefere aproveitar o dia, enquanto o outro só consegue acordar após o meio-dia - até concordâncias ou divergências maiores, como quando um tem planos de morar no bairro em que cresceu e o outro prefere uma vida fora do País.
E, quando isso é lembrado, coloca-se como se fosse de menor importância, um detalhe que pode ser deixado para depois. De fato, iniciar uma relação não precisa ser apenas um cruzamento de informações no qual as coincidências superam o que é diferente. Isso tira o encantamento da vida e a graça do encontro. Mas a vida prática também é protagonista no enredo de um casal.
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Isso acontece porque nosso cérebro fica meio anestesiado quando nos interessamos por alguém. De forma que, ao mesmo tempo que há um aumento na produção de substâncias relacionadas ao prazer e à euforia, também há uma menor atividade do nosso córtex frontal, fazendo com que pensamentos de dúvida, crítica e julgamentos diminuam.
"Durante esse período é comum que aconteça uma idealização do par. E até as características que não se encaixam parecem ser irrelevantes ou passíveis de serem mudadas no futuro", explica a psicóloga Wanessa Moreira e terapeuta transpessoal.
A questão é que, com o passar do tempo, as projeções que criamos sobre o outro podem se desfazer ou até mesmo se transformar e nem sempre essa revelação será agradável. De fato, estar em uma relação afetiva envolve, entre muitas descobertas, a experiência de precisar fazer concessões. Afinal, o relacionamento é com o outro. Um alguém que carrega, na maioria das vezes, experiências, crenças e repertórios diferentes dos nossos. Sendo assim, é necessário fazer adequações para que a relação funcione.
De acordo com a psicóloga e psicanalista Raquel Baldo, também especialista Minha Vida, algumas concessões podem ser feitas tranquilamente em nossas vidas, pois possuem pequeno peso, como abrir mão de ir ao parque quando o parceiro quer ir ao cinema, por exemplo. Mas tanto essas divergências menores quanto outras diferenças maiores podem nos causar imensas angústias.
É aí que é necessário atenção. Até que ponto nos sentimos confortáveis a fazer adequações pelo (a) parceiro (a)? Será que além de fazermos tais acordos, estamos preparados para lidar de forma saudável com essas escolhas?
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Aceitar o outro sem conhecer a si mesmo
Tão importante quanto entender as necessidades, limites e virtudes do outro é conhecer os próprios quando se está em uma relação. Caso contrário, corre-se o risco de condicionar-se aos desejos do par sem considerar a si mesmo. Segundo Raquel, quando se diz ?sim? ou ?não? tomando como referência as ideias vindas do parceiro (a), é possível que haja uma traição de si mesmo. ?Deixamos de existir e de pertencer e passamos a viver como sombras, nos apoiando no movimento e na vida do outro.?
Segundo ela, esse tipo de comportamento costuma acontecer com pessoas que se equilibram em ideias românticas, crendo que o amor será o suficiente para compensar a mudança ou a falta. "Muitas vezes estas pessoas estão perdidas dentro de si e, por isso, ausentes da relação", completa.
Wanessa pontua que é preciso estar inteiro para si mesmo antes de buscar uma vida com um parceiro (a). "Não podemos abrir mão de quem somos para nos adequarmos às demandas alheias", diz.
Esse tipo de situação, quando não cuidada, pode se tornar disfuncional, fazendo com que o relacionamento entre em uma lógica de poder, na qual quem tem a personalidade mais forte, for mais confiante ou estratégico consiga se impor com mais facilidade sobre o outro.
Uma verdade incômoda
A psicóloga Marina Simas, sócia-diretora do Instituto do Casal, afirma que sociologicamente as mulheres foram educadas para cederem mais dentro das relações afetivas. ?A educação feminina mostra que as mulheres foram criadas para dar afeto, abrir mão das próprias necessidades?.
Uma das razões que justifica a explicação de Marina é o fato de vivermos em uma sociedade patriarcal na qual predominou (e ainda predomina) o machismo. Raquel explica que o machismo é um sistema histórico, religioso, cultural e hierárquico no qual predomina a recusa por direitos e deveres iguais. "O termo existe porque na história da humanidade sabemos que os homens eram enaltecidos e tidos como superiores às mulheres unicamente por seu gênero. Enquanto isso, as mulheres eram limitadas, submetidas e reprimidas em sua existência", completa.
Com isso, tornou-se comum, durante muito tempo, as mulheres serem vistas como a pessoa que tem que ceder nas relações e adequar-se às vontades dos homens.
Junto a isso há também o fato de que ainda vivemos em uma sociedade de relacionamentos compulsórios, na qual estar em um relacionamento afetivo traz uma espécie de status social. ?As mulheres vivenciaram e ainda encaram a pressão social por um relacionamento afetivo. Como se só fosse possível viver projetos e ser feliz estando com um parceiro?.
No entanto, ao longo da história e com as conquistas femininas essa realidade vem mudando e as mulheres vêm conseguindo alcançar seu espaço dentro do mercado de trabalho e na sociedade, o que lhes dá oportunidade de escolher viverem suas vidas como desejarem. O mesmo se dá nas relações afetivas: à medida que as mulheres percebem que têm direito a voz, também é possível se colocar de maneira mais firme com o parceiro.
"Também vejo que os homens estão querendo essa troca, de forma a não serem os únicos protagonistas dentro de uma relação. Antigamente era comum as mulheres buscarem, por exemplo, a terapia de casal e os homens vinham obrigados. Hoje, percebo que são eles que procuram o atendimento para melhorar a relação", aponta Marina, sócia-fundadora do Instituto do Casal.
O que é importante de se ter em mente é que as relações sociais e afetivas estão se transformando, mas ainda vive-se uma lógica que pressiona e diminui as vozes das mulheres - e todos nós precisamos ter consciência disso.
Vale tudo por um amor?
Estar em uma relação amorosa com outra pessoa é prazeroso. Mas o fato de ter um parceiro é ou deveria ser apenas mais um dos vínculos que temos em nossas vidas e não o principal, pois isso faz com que se torne refém da relação, evitando olhar as situações de forma crítica e analisando se as dinâmicas do casal são confortáveis para ambos.
De forma objetiva e clara, as especialistas entrevistadas afirmam que toda relação precisa de limites. Sendo assim, não é saudável colocar o amor acima do bom senso e do respeito, consigo e com o outro. "Não é saudável que para se estar em uma relação afetiva uma das pessoas precise abrir mão dos próprios sonhos e valores, a fim de agradar o par", explica Marina.
Por exemplo, se as condições para que a união aconteça exigem que uma das pessoas tenha que abandonar projetos significativos, como um emprego, estudos, hobbies ou pessoas que sejam do seu convívio social, esse é um indicativo de que essa relação pode ser disfuncional. Se por acaso também houver retaliação sobre a roupa, gostos pessoais, uso ou não de maquiagem, aparência física ou qualquer outro tipo de comentário, ameaça ou violência física que resulte em constrangimento para alguém na relação, esse ato também pode ser configurado como um abuso na relação.
Um relacionamento passa a ser abusivo quando somente um lado faz concessões pelo parceiro. "A partir do momento em que não há respeito bilateral, a relação passa a ser abusiva. Da mesma forma que, quando se percebe que uma das pessoas exige as coisas com xingamentos, depreciações, ofensas, puxões de cabelos, também trata-se de uma relação disfuncional",alerta a psicóloga Marilene Kehdi.
De acordo com Marilene, é possível que a vítima esteja tão fragilizada que não se dê conta ou não consiga reagir diante das imposições e abusos do parceiro. "Em um relacionamento abusivo, a convivência vai ficando cada vez pior e geralmente a vítima ainda é vista como culpada por estar estragando a relação", alerta a psicóloga Marilene Kehdi.
"Frequentemente assistimos em novelas, filmes ou ouvimos histórias de relações onde o ciúme excessivo, a manipulação em nome da paixão, atos invasivos e persecutórios são aceitos e compreendidos em nome do amor ou de Deus, e assim uma relação abusiva é entendida desde cedo que deve ser não somente suportada, mas desejada e admirada", explica Raquel.
É importante dizer que tanto o homem quanto a mulher podem manifestar um comportamento abusivo dentro de uma relação. Por isso, é importante ter em mente que a ausência da ideia de posse e o respeito pela individualidade e pelo direito de ir e vir do parceiro devem sempre predominar numa relação. Quando isso está ameaçado é um sinal de que é necessário procurar ajuda e entender se aquela relação ainda faz sentido. Amar aos outros é incrível, mas amar a si mesmo é fundamental.
Como se colocar na relação?
Mais do que uma data para trocar presentes, carinhos ou fazer um passeio diferente, o Dia dos Namorados pode ser um momento importante para repensar a relação a dois. Pode ser que você tenha descoberto que existem aspectos na sua união que precisam ser revistos e transformados, tanto em você quanto no seu par.
Se você passou por essa indagação, é importante perceber que somente você pode chegar à conclusão sobre quais relacionamentos estão de acordo com o seu momento de vida. No entanto, existem algumas perguntas que você pode fazer a si mesmo a fim de encontrar algumas respostas:
Quando ocorrem discordâncias no meu relacionamento minhas opiniões são consideradas?
Sou capaz de reconhecer as necessidades do meu parceiro(a)?
Como me sinto quando preciso negociar minhas vontades?
Como me sinto quando preciso abrir mão de algo pelo meu parceiro(a)?
Eu sinto que consigo manifestar minha voz dentro do meu relacionamento?
Meus objetivos de vida estão de acordo com o meu par?
Tenho que abrir mão de coisas que gosto e convívio com pessoas que amo para estar nessa relação?
Meu par faz comentários depreciativos a meu respeito?
Eu faço comentários depreciativos a respeito do meu par?
Tenho medo de apresentar meu companheiro a outras pessoas?
As pessoas do meu convívio já questionaram as atitudes do meu parceiro?
Existe algo que está sendo deixado de lado em minha vida em prol do relacionamento amoroso?
Eu me amo do jeito que sou?
Caso você tenha percebido que algo não vai bem em sua relação, é importante, primeiramente, identificar dentro de você quais são esses aspectos. Em seguida você pode escrever em um papel e propor uma conversa com seu par. Procure ter essa conversa em um momento em que ambos estejam calmos e dispostos a se abrir.
Quando iniciar a conversa, tenha muito claro na sua mente os pontos que estão lhe incomodando. Se possível, dê exemplos e diga como se sentiu diante daquela atitude, Diga também que você está em um processo de autoconhecimento e que deseja que seus limites e necessidades sejam respeitados e que está disposto a tentar construir laços fortes para que ambos se sintam confortáveis na relação, mas que em primeiro lugar está e sempre estará o seu amor-próprio.
Peça a seu par para expor os pontos dele também e tente escutar com atenção o que ele diz. Caso os ânimos se exaltem, diga que você prefere continuar essa conversa em um outro momento. Se o diálogo permanecer, pode ser uma boa vocês tentarem criar juntos estratégias de negociação e enfrentamento das dificuldades, como intercalar as escolhas, ou tentar fazer coisas diferentes no mesmo local - você se exercitando em um parque e ele lendo um livro, por exemplo - ou até mesmo propor que ambos compartilhem mais atividades juntos.
"O importante é sempre pensar em como o casal pode tirar proveito daquela situação juntos. A construção e o diálogo sempre serão necessários, mas vale muito a pena", explica a psicóloga Marina.