Graduado em Medicina pela Faculdade de Medicina do ABC (1978) e doutorado em Psiquiatria pela Faculdade de Medicina da U...
iSetembro é o mês de prevenção da Síndrome Alcoólica Fetal (SAF), uma doença grave que traz comprometimentos cognitivos, comportamentais e emocionais por toda a vida. Ela é totalmente evitável e requer apenas uma atitude preventiva: não consumir bebida alcoólica durante a gestação. Evitar completamente o consumo de álcool é a via mais prudente, e é a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) para grávidas.
É fácil entender o porquê das consequências negativas do consumo de álcool durante a gravidez: a placenta é totalmente permeável ao álcool, o que permite que, em pouco tempo, a concentração de álcool no sangue fetal seja equivalente à materna.
Beber estando grávida
Se para o ser humano adulto já não existe um nível seguro de consumo de álcool, imagine para o feto! Nesse caso, todo consumo, por parte da mãe, é perigoso para o feto, que não consegue metabolizar o álcool. A concentração alcoólica fetal ficará elevada até que a concentração no sangue materno diminua, ocorrendo a passagem do álcool que está no feto para a circulação materna, sendo este o principal mecanismo de eliminação do álcool fetal.
No entanto, na contramão das recomendações da OMS, segundo a Organização Pan-Americana de Saúde, a prevalência de uso de álcool durante a gravidez na região das Américas é de 11,2% - índice próximo ao registrado globalmente, de 9,8%1. Um estudo de 2017, em 31 países da América Latina e do Caribe², apontou que no Brasil a prevalência é maior, de 15,2%.
Até agora, a ciência ainda não conhece completamente todos os fatores que influenciam a relação entre o consumo de álcool e a SAF. Pode depender do estado de saúde da mãe, do estágio de maturação do feto, de fatores contextuais, de fatores genéticos desconhecidos, e muito mais.
Nesse cenário, beber, estando grávida, é um risco. Já é sabido que o impacto do consumo de álcool pode ser prejudicial mesmo no primeiro trimestre de gestação; e se esse consumo permanecer durante toda a gravidez, o risco torna-se cada vez maior.
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Nesse cenário, beber, estando grávida, é um risco. Já é sabido que o impacto do consumo de álcool pode ser prejudicial mesmo no primeiro trimestre de gestação; e se esse consumo permanecer durante toda a gravidez, o risco torna-se cada vez maior.
O dano que o álcool pode causar estende-se de anormalidades faciais, problemas intelectuais, hiperatividade, dificuldade de aprendizado, linguagem e memorização, problemas comportamentais a até complicações cardíacas.
Entre as consequências mais graves, além da própria SAF, observam-se morte fetal, aborto espontâneo, parto prematuro, comprometimento do crescimento intrauterino e baixo peso ao nascer. O diagnóstico e a intervenção precoce da SAF e de outros problemas associados ao uso de álcool na gestação podem ajudar no tratamento das crianças acometidas. No entanto, há grande dificuldade na identificação dos mesmos.
A Sociedade de Pediatria de São Paulo tem um grupo de trabalho focado exclusivamente nos "Efeitos do Álcool na Gestante, no Feto e no Recém-nascido", e que tem parceria com o Centro de Informações sobre Saúde e Álcool, entidade que fundei e atuo como presidente executivo. Há 10 anos, uma campanha liderada pela Professora Dra. Conceição Segre vem sendo realizada para a prevenção da SAF e conscientização dos riscos do uso de álcool pela gestante.
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Essa é, sem dúvida, uma importante contribuição para a discussão do tema. Mas, infelizmente, ainda se escuta de alguns médicos que "uma taça de bebida alcoólica, uma vez ou outra, está liberada na gestação".
Precisamos avançar mais rapidamente em medidas educativas e preventivas para que as mulheres sejam adequadamente orientadas pelos representantes de saúde, do planejamento familiar à amamentação, sobre as consequências da ingestão de bebidas alcoólicas, especialmente no período gestacional.
Também há necessidade de estimular a realização de pesquisas científicas nacionais sobre a SAF, para que possam embasar políticas públicas mais assertivas.
- 1 OPAS (2019). Riscos do consumo de álcool durante a gravidez. Disponível em: https://nacoesunidas.org/curso-virtual-da-opas-aborda-riscos-do-consumo-de-alcool-durante-a-gravidez/
- 2 Lange, S., Probst, C., Heer, N., Roerecke, M., Rehm, J., Monteiro, M. G., & Popova, S. (2017). Actual and predicted prevalence of alcohol consumption during pregnancy in Latin America and the Caribbean: systematic literature review and meta-analysis. Revista Panamericana de Salud Pública, 41, e89.
- 3 Roozen, S., Peters, G. J. Y., Kok, G., Townend, D., Nijhuis, J., Koek, G., & Curfs, L. (2018). Systematic literature review on which maternal alcohol behaviours are related to fetal alcohol spectrum disorders (FASD). BMJ open, 8(12), e022578.
- 4 Ehrhart, F., Roozen, S., Verbeek, J., Koek, G., Kok, G., van Kranen, H., & Curfs, L. M. (2019). Review and gap analysis: molecular pathways leading to fetal alcohol spectrum disorders. Molecular psychiatry, 24(1), 10.
- 5 Conceição Aparecida de Mattos Segre, coordenador. Efeitos do álcool na gestante, no feto e no recém-nascido, 2ª edição, p54. Sociedade de Pediatria de São Paulo São Paulo, 2017.
Arthur Guerra é presidente executivo do Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA), supervisor do GREA (Programa do Grupo Interdisciplinar de Estudos de Álcool e Drogas do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP) e Professor Titular de Psiquiatria da FMABC.