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Quando atinge alguém de forma direta e aberta, o racismo costuma ser questionado, debatido e pode até ser penalizado, já que desde 1989 a lei (n. 7.716/1989) prevê que discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional são considerados crimes inafiançáveis e imprescritíveis.
Porém, devido a uma herança do período escravocrata, no qual pessoas negras eram obrigadas a servir pessoas brancas, determinadas atitudes, hábitos e até palavras utilizadas naquela época são perpetuadas até hoje, sem que a maior parte da população saiba ou tenha consciência disso.
Como enfatiza Mauro Baracho, administrador, mestrando em antropologia e criador de conteúdo na página @afroestima2, "a linguagem também é uma forma de estabelecer hierarquias e demonstrar poder. É uma forma de demarcar lugares".
Além disso, em um país onde pouco mais de 56% da população brasileira se identifica como preta ou parda (segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, do IBGE), entende-se que questões raciais, incluindo o racismo, não devem ser debatidas e/ou levantadas apenas quando um caso extremo acontece ou no mês de novembro, quando há o Dia da Consciência Negra.
Sendo assim, para elucidar esse tema, listamos abaixo cinco situações em que o racismo está presente, mas muita gente não percebe.
Situações racistas no dia a dia
1 - Quando alguém diz: "mas eu tenho amigos negros"
Algumas atitudes estão enraizadas no vocabulário e no cotidiano da população. Por esse motivo, não é incomum ouvir a justificativa "mas eu tenho amigos negros" para se dizer não racista. Essa fala, porém, é problemática, uma vez que alguém pode ter familiares negros e ainda se comportar de forma racista, como explica Mauro.
"É preciso entender que afeto não impede racismo. Isso foi o que demonstrou a pesquisa da psicóloga Lia Vainer Schucman sobre famílias inter-raciais. No estudo, é possível constatar que as hierarquias raciais se reproduzem mesmo dentro das famílias. Ter amigo negro, avó negro, não impede ninguém de ser racista ou de cometer atos racistas", diz.
2 - Usar palavras e expressões de origem racista
Oficialmente, a escravidão no Brasil teve fim em 13 de maio de 1888, quando a princesa Isabel assinou a Lei Áurea. Porém, mesmo atualmente, o país ainda possui um vocabulário carregado de expressões pejorativas que, no passado, serviram para ofender os escravos e as pessoas negras. Confira algumas delas:
- Denegrir: fazer ficar mais negro, tornar escuro, obscurecer. Alguns sinônimos que podem ser usados para substituir o termo são: caluniar ou difamar.
- Mulato: refere-se à mula, animal resultante do cruzamento de uma égua e um burro. Por isso, o termo era constantemente usado para nomear filhos de patrões brancos com escravas negras que nasciam pardos.
- Criado mudo: era a pessoa escravizada que ficava ao lado da cama do "senhor", em silêncio, pronta para servir ou segurar objetos. Essa palavra pode ser substituída por apoio ou mesa de cabeceira.
- "A coisa tá preta": dizer "a situação está ruim" é mais adequado, pois a frase em questão remete que o "preto" é algo negativo.
- "Não sou tuas negas": no período da escravidão, mulheres negras eram obrigadas a servir seus patrões de diferentes formas, inclusive, para fins sexuais. Portanto, a expressão considera que mulheres negras podem ser submetidas a todo tipo de situação, enquanto mulheres brancas não.
- Boçal: esse era o termo usado para fazer referência ao escravo recém-chegado ao Brasil e que não dominava a língua portuguesa. A palavra pode ser trocada por ignorante, grosseiro, rude, entre outras.
Essa lista é bastante extensa, podendo ressaltar ainda expressões como "feito nas coxas", "lista negra", "mercado negro", "dia de branco", "inveja branca", "humor negro", "neguinho é isso ou aquilo". Mas vale pesquisar mais a fundo e substituí-las no vocabulário, certo?
3 - Falar que uma pessoa negra tem uma beleza exótica
No dicionário, algo exótico é aquilo que não é comum, que não é natural. Portanto, quando uma pessoa faz esse tipo de "elogio", entende-se que a comparação está para um padrão idealizado.
Completam a lista de elogios dispensáveis dizer que uma mulher é, por exemplo, "uma negra bonita", comentar sobre traços finos ou dizer que ela é "da cor do pecado" - termo que hipersexualiza o corpo da mulher e também vem do período colonial, quando os senhores usavam as mulheres negras para trair suas esposas, ou seja, para cometer um "pecado".
4 - Comentar que o cabelo de uma pessoa é ruim
Cabelos crespos, cacheados, com dreads ou diferentes tipos de tranças costumam ser criticados e taxados como "ruins". Mas, o que seria um cabelo "bom", já que eles não fazem mal a ninguém?
"Para existir o bonito é preciso existir o feio. Então, ridicularizar a aparência de uma pessoa negra é uma das formas de desumaniza-la e isso é algo que convivemos desde a infância. Isso destrói a autoestima e faz o negro acreditar que é inferior", ressalta Mauro Baracho.
Além desse tipo de comentário, pedir para tocar ou perguntar como a pessoa lava o cabelo causam constrangimentos e é uma ação racista, pois a higienização é possível e necessária, assim como em outros tipos de cabelos.
5 - Associar trabalho mal feito à expressão "serviço de preto"
"Quando você diz que tal serviço ruim é serviço de preto, você está dizendo que todos os pretos trabalham mal, ao contrário dos brancos. Reforçar isso é, também, reforçar a ideia de que pretos não merecem ter trabalhos bons, porque trabalham mal e que deveriam agradecer por terem subempregos e serem mal remunerados", explica Mauro.
Portanto, quando algo não está bom, basta dizer que um trabalho não foi feito corretamente.
Por que é importante repensar o racismo?
O racismo é capaz de interferir na autoestima da população negra. Mas, além disso, este preconceito racial pode causar danos à saúde, se tornar um trauma, causando efeitos psicológicos, como o transtorno do estresse pós-traumático, TOC ou ansiedade generalizada.
"Também é possível que a pessoa não se dê conta que a ansiedade foi causada por um trauma. No caso do racismo, ela pode reconhecer o medo descabido, mas não perceber a relação daquilo com o preconceito ou violência que sofreu", explicou a psicóloga Ellen Senra em entrevista ao Minha Vida.
Pais, responsáveis e familiares de crianças negras podem - e devem - trabalhar a autoestima e o empoderamento dos pequenos desde cedo para minimizar esses danos. Isso pode ser feito com ajuda de filmes, livros, terapia e outros recursos.
Mas, acima de tudo, as pessoas brancas devem repensar suas atitudes do dia a dia. "Elas precisam reconhecer que isso é um problema, reconhecer que existe racismo e que, por vezes, elas podem ter sido racistas. Esse é o primeiro passo. Além disso, não faltam pesquisas e nem pessoas nas redes sociais explicando esse tipo de coisa", conclui Mauro.
Então, que tal revisar suas atitudes e contribuir para uma sociedade antirracista e mais igualitária?