Com mais de 40 anos de experiência, Dr. Paulo Chaccur é formado pela Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo. I...
iProvavelmente você já ouviu falar em fibrose pulmonar ou fibrose cística, mas saiba que a condição também pode atingir o coração? Primeiro, vamos entender do que estamos falando. De maneira simplificada é possível caracterizar as fibroses como uma espécie de cicatriz, porém, mais firmes. São ricas em colágeno e por isso rígidas e resistentes.
Elas surgem a partir de um processo reparativo ou reativo do organismo em decorrência de um trauma local, ou por uma malformação congênita (como a fibrose cística, que afeta o trato digestivo). Quando alguém sofre uma lesão, tem um ferimento, infecção, está em um estado inflamatório ou passa por uma cirurgia, por exemplo, um gatilho humoral é disparado no organismo dando início a um processo de cicatrização ou reparo tecidual.
As fibroses são formadas durante esse processo, só que de maneira exagerada. Cabe dizer então que a fibrose é uma formação excessiva de tecido conjuntivo fibroso. Ou seja, à medida que o organismo reage de forma exacerbada ao trauma, deposita muita matriz extracelular e fibras de colágeno internamente no local, formando esse tecido rígido.
E, diferente do que muitas pessoas acreditam, a fibrose pode acometer órgãos ou tecidos em qualquer região do corpo. Dependendo do caso, há riscos de alterações na estrutura e funcionamento de um órgão ou tecido subjacente, acarretando até em limitações funcionais, se estiver localizada em uma articulação, por exemplo.
Algumas das mais conhecidas são, além do pulmão, a fibrose na pele ou no fígado (cirrose).
Fibrose no coração
A fibrose cardíaca ou miocárdica envolve o comprometimento das células musculares do coração, chamadas de miócitos. Os miócitos vêm de células que recebem o nome de mioblastos, fundamentais para controlar os batimentos cardíacos. Indo um pouco mais além, cada célula do miócito tem uma coleção de filamentos cilíndricos: as miofibrilas, unidades que permitem que o coração se contraia.
Ao ocorrer a fibrose miocárdica, os miócitos são substituídos por tecidos incapazes de se contrair.
Isso acontece quando as principais células envolvidas na cicatrização produzem colágeno em quantidades excessivas, o que resulta em um caso de cicatrização anormal ou fibrose. Assim, a fibrose faz com que os tecidos afetados endureçam e, em alguns casos, fiquem até distendidos - modificações que podem torná-los incapazes de funcionar adequadamente.
Quando a condição está presente no coração, provoca mudanças na dinâmica do órgão e, geralmente, afeta os ventrículos (suas câmaras de bombeamento). Por essa razão, gera alterações no ritmo de batimentos (taquicardias e arritmias), além da insuficiência cardíaca - quando o coração não consegue bombear sangue suficiente para atender às necessidades do corpo.
Causas da fibrose cardíaca
Doença arterial coronária
Existem muitas causas potenciais para o surgimento da fibrose cardíaca, seja pelo tratamento de uma enfermidade ou em decorrência dela, como a doença arterial coronária (DAC). Nesta doença, ocorre o acúmulo de placas de gordura (ateromas), fazendo com que as artérias coronárias se estreitem e, assim, dificulte ou bloqueie o fluxo sanguíneo para o coração.
Com a formação das placas de ateromas, surge a possibilidade de obstrução total do fluxo de sangue e, consequentemente, o infarto agudo do miocárdio, que pode levar então ao desenvolvimento de fibrose miocárdica. Um rápido atendimento de emergência, no entanto, é capaz de interromper o processo do infarto, impedindo a necrose do músculo cardíaco e sua evolução para fibrose.
Doença reumática
Outro exemplo de doença que evolui para fibrose no coração é a febre reumática ou doença reumática, uma condição auto imune, secundária a infecções na garganta, que desencadeia a inflamação das valvas do coração e do músculo cardíaco, a cardite reumática. Após a fase inflamatória, como dito, o organismo reage, dando início ao processo de cicatrização dos tecidos.
Assim, as lesões e sequelas da atividade inflamatória podem desencadear a fibrose e, consequentemente, alterações no funcionamento das valvas mitral e aórtica - dependendo do caso, apenas uma ou ambas são afetadas. Localizadas entre as câmaras do coração, elas funcionam como portas que garantem a passagem do sangue apenas no sentido correto da circulação.
Quando a abertura e o fechamento dessas valvas ficam comprometidos com a fibrose pode ocorrer a redução de seus orifícios e/ou retração e rigidez do tecido que as compõem, com riscos de insuficiência cardíaca.
Miocardite
A miocardite é o nome dado à inflamação do músculo do coração, o miocárdio. Existem dezenas de causas para a doença, incluindo infecções por vírus (aqui entra também o SARS-CoV-2, causador da COVID-19), bactérias, protozoários ou fungos, medicamentos, doenças autoimunes, consumo frequente de álcool e cocaína, entre outros. Dependendo do quadro, o paciente apresentará inflamação e edema dos tecidos, com possível regressão para normalidade ou evolução para uma situação mais definitiva, com a fibrose do miocárdio.
O grande problema é quando o acometimento do músculo cardíaco provoca disfunção do órgão, também levando a um quadro de insuficiência cardíaca.
As principais consequências são a falência da bomba do coração, ou seja, redução da capacidade do órgão em bombear o sangue, e o surgimento de arritmias cardíacas.
Fibrose cardíaca na vida real
Aqui vale reforçar um ponto importante: não há idade para que isso ocorra. Um caso recente é do ator Rafael Cardoso, que aos 35 anos precisou passar por um procedimento cirúrgico por ser portador de uma miocardiopatia hipertrófica, que causou fibrose no músculo do seu coração. O coração de Rafael apresentava uma hipertrofia de 20 milímetros no músculo cardíaco e cerca de 14% de fibrose no órgão (até 10% é um índice considerado normal, acima de 20% é grave).
A doença congênita predispõe uma arritmia chamada de taquicardia ventricular, que pode ser fatal porque fica incessante. No caso do ator foi preciso fazer o implante de um desfibrilador para conter arritmias (ele faz com que o coração volte ao ritmo normal) e desta forma evitar uma possível morte súbita.