Com mais de 40 anos de experiência, Dr. Paulo Chaccur é formado pela Faculdade de Medicina da Santa Casa de São Paulo. I...
iDe acordo com a Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), pessoas com diabetes têm o dobro de risco de sofrer um infarto agudo do miocárdio. Estimativas da International Diabetes Federation revelam que até 80% dos pacientes com diabetes ou diabetes melito (tipo 2) morrem justamente em decorrência de complicações relacionadas a problemas cardíacos.
Quando trazemos isso para a quantidade de pessoas atingidas, os números assustam e nos ajudam a ter uma dimensão do tamanho do desafio. Uma declaração da Organização Mundial da Saúde (OMS), em abril deste ano, revela que o número de indivíduos com diabetes quadruplicou nos últimos 40 anos. Hoje, acredita-se que a doença afete cerca de 250 milhões de pessoas em todo o mundo. Só no Brasil, segundo a SBD, mais de 13 milhões vivem com esse diagnóstico.
O principal alerta aqui é que há grande potencial de crescimento dessas taxas. Projeções da OMS revelam que pode ocorrer aumento da prevalência mundial na ordem de 114% nos próximos 20 anos, levando ao surgimento de 330 milhões novos casos. O Brasil segue essa tendência, figurando entre os dez países com maior número absoluto de indivíduos portadores de diabetes tipo 2.
O crescimento acelerado é resultado, em parte, do envelhecimento da população, mas, principalmente, das modificações nos hábitos de vida, além do acesso a tratamentos e medicamentos. O diabetes é uma doença silenciosa que, sem o controle adequado, pode acarretar em uma série de problemas e danos à saúde, entre elas as doenças cardíacas, cegueira, doenças renais, amputações e até a morte. É uma condição pré-existente que aumenta também o risco de infecções oportunistas, como a COVID-19.
O que é diabetes?
Para começar, vamos entender, então, do que estamos falando. O diabetes é classificado como uma doença crônica não transmissível (DCNT). Trata-se de uma condição causada pela produção insuficiente ou má absorção de insulina, hormônio controlado pelo pâncreas que tem a função de quebrar as moléculas de glicose (açúcar) - e, assim, regular sua quantidade no sangue, garantindo a manutenção das células do organismo.
Em condições normais, quando o nível de glicose no sangue sobe, células especiais liberam a insulina de acordo com as necessidades do momento. A glicose pode ser utilizada como combustível para as atividades do corpo ou fica armazenada como reserva, em forma de gordura. Esse controle mantém em níveis normais a taxa de glicemia no sangue.
Para o coração, o aumento desta taxa acarreta em complicações que, em casos mais graves, pode levar à morte. O diabetes é capaz de desencadear infarto agudo do miocárdio, acidente vascular cerebral (AVC) e entupimentos das artérias, além de formação de aneurismas (dilatação de um vaso sanguíneo). Quando a doença se instala, potencializa ainda outras condições de risco, como a pressão alta e o colesterol elevado.
Diabetes e doenças cardiovasculares
Quando o organismo apresenta níveis elevados de glicose no sangue, várias alterações que interferem no sistema cardiovascular podem ocorrer. O principal comprometimento é a doença arterial coronária, que surge em decorrência do processo precoce e acelerado de aterosclerose - formação de placas de gordura na parede das artérias do coração.
Isso porque o diabetes traz mudanças para a função de vários tipos de células, como as endoteliais, as musculares e as plaquetas, além de favorecer a produção de coágulos e elevar o nível de colesterol, formando um número maior de placas de gordura nas artérias coronárias (as responsáveis por irrigar o coração).
A hiperglicemia crônica, a dislipidemia (presença de níveis elevados de gordura no sangue) e a resistência à insulina, somados, favorecem a progressão aterosclerótica, elevando o risco de entupimento dos vasos.
Para manter-se em pleno funcionamento, o músculo cardíaco necessita de uma demanda constante de sangue. Assim, a obstrução parcial ou total das coronárias pode acarretar no surgimento ou agravamento de fatores de risco ou doenças cardíacas.
Entre elas, estão a insuficiência cardíaca, a hipertensão arterial, o aneurisma da aorta (quando a maior artéria do corpo fica enfraquecida, levando a dilatação acentuada deste vaso sanguíneo) e o infarto do miocárdio (a interrupção do fluxo sanguíneo desencadeia o infarto e o processo de necrose da musculatura do coração).
Existe ainda a possibilidade de que o mesmo processo que acontece com as coronárias ocorra em outras artérias do corpo. O resultado pode ser a falta de sangue no cérebro, que provoca o AVC, ou a ausência de sangue suficiente nos pés, mãos ou braços, causando a doença vascular periférica.
Tipos mais comuns de diabetes
Entre os tipos mais comuns da doença estão o 1 e o 2. Segundo a SBD, o tipo 1 concentra entre 5% e 10% do total de pessoas com a doença e é causado pela falta ou perda da capacidade do pâncreas em produzir insulina suficiente. É um tipo caracterizado por ser autoimune e genético (uma mutação nos genes). Geralmente, aparece na infância ou adolescência. Pessoas com parentes próximos que têm ou tiveram a doença devem fazer exames regularmente para acompanhar a glicose no sangue.
Já o tipo 2 é frequentemente adquirido com o passar dos anos, no geral na fase adulta. Cerca de 90% das pessoas com diabetes apresentam o tipo 2 e é nele que está o maior perigo para os problemas cardiovasculares. Nesses casos, as células adiposas e musculares não conseguem aproveitar completamente o hormônio liberado pelo pâncreas e a glicose passa a ser utilizada de modo ineficaz pelo organismo.
Este tipo não apenas potencializa as chances de complicações cardíacas, mas também costuma vir associado aos principais fatores de risco para as doenças que acometem o coração, como obesidade, pressão e colesterol altos.
A causa do diabetes tipo 2 está diretamente relacionada a hábitos e estilo de vida, envolvendo má alimentação, falta de atividade física regular, sobrepeso, sedentarismo, triglicerídeos elevados, hipertensão arterial e hábitos alimentares inadequados. Seu agravamento pode acarretar no diabetes latente autoimune do adulto (LADA), caracterizado, basicamente, pelo desenvolvimento de um processo autoimune do organismo, que começa a atacar as células do pâncreas.
Diabetes gestacional
Na gravidez, o corpo da mãe e o do bebê precisam garantir suas necessidades: o organismo da criança exige uma demanda alta de açúcar para seu desenvolvimento e o corpo da mãe responde com insulina, na tentativa de controlar o excesso da substância no organismo.
Além desta batalha, na gestação, outros hormônios são liberados pela placenta e acabam atrapalhando o processo de controle da taxa de glicemia no sangue. Eles forçam o pâncreas materno a trabalhar mais para manter os níveis da substância equilibrados. O problema é que, muitas vezes, nem todo esse esforço é suficiente. O resultado é a sobra de açúcar na corrente sanguínea, a hiperglicemia. É daí que surge o diabetes gestacional.
Mesmo sem nunca ter apresentado qualquer tendência ao diabetes, é possível que a mulher veja suas taxas de açúcar subirem durante a gravidez. E se não for devidamente diagnosticado e tratado, o diabetes gestacional pode trazer complicações à saúde da mãe e do bebê, como o ganho de peso excessivo (para ambos), aumento no líquido amniótico, malformações fetais e parto prematuro.
Seus desdobramentos servem ainda como precursores de fatores de risco e doenças que afetam o coração, inclusive o surgimento de pré-diabetes ou diabetes tipo 2 depois da gravidez ou do nascimento.
Pré-diabetes
O pré-diabetes se caracteriza quando os níveis de glicose no sangue estão mais altos do que o normal, mas ainda não tão elevados para caracterizar os tipos 1 ou 2. É um alerta do corpo, que geralmente aparece em obesos, hipertensos e/ou pessoas com alterações nos lipídios. É um sinal importante por ser a única etapa do diabetes que pode ser revertida, prevenindo a evolução da doença e o aparecimento de outras questões associadas.
Prevenção e cuidados
Assim como outras doenças crônicas, é possível conviver com o diabetes por meses ou anos até que os sintomas se tornem evidentes ou que as alterações nos níveis de glicose sejam detectadas em um exame de rotina. Porém, a demora no diagnóstico, além de ser perigosa, é uma oportunidade perdida para iniciar os cuidados antes de o problema se agravar. Isso porque, logo no início, as chances de monitorar e reverter ou retardar a evolução do quadro é muito maior.
Uma vez com o diagnóstico da doença, o controle glicêmico passa a ser fundamental. E aqui vale um alerta: ter ou não sintomas não deve ser um indicador. Muitos diabéticos acreditam que a falta de sinais indicam que o problema está sob controle. Creem que podem continuar a comer o que quiserem, seguir sem praticar atividades físicas e até mesmo descuidar da medicação, com a possibilidade de aderir ao tratamento e aos cuidados depois. A negligência ou esta demora podem ter desfechos graves, muitas vezes com danos irreversíveis.
Assim, seguir as recomendações médicas e realizar a automonitorização desde o início são essenciais para prevenir o surgimento de doenças cardíacas e outras complicações. É importante adotar um estilo de vida com hábitos saudáveis, incluindo alimentação equilibrada, prática de exercícios físicos, controle da pressão e do colesterol, controle de peso e da gordura abdominal, não fumar e reduzir o estresse diário. Em muitos casos, é necessário também o uso de medicamentos, como a metformina e as sulfonilureias, além da utilização da insulina.
O fato é que as pessoas não morrem de diabetes, mas sim da falta de controle e por consequências da enfermidade. É possível conviver com a doença, transformando a condição em um motivo extra para cuidar da saúde. Comportamentos saudáveis evitam e ajudam no controle não apenas do diabetes, mas de outras doenças crônicas e fatores de risco para o coração.