Redator de saúde e bem-estar, entusiasta de pautas sobre comportamento e colaborador na editoria de fitness.
O termo hiperssexualização significa atribuir a algo ou a alguém aspecto, aparência, natureza ou caráter sexual em excesso. Quando falamos em hiperssexualização dos corpos negros, sejam eles de homens, de mulheres ou de pessoas não-binárias, algumas pessoas podem pensar que isso está relacionado à valorização da beleza negra, mas não está.
"Você achar um corpo bonito é algo totalmente diferente de você acreditar que aquele corpo é unicamente feito para prazer ou sexo", explica a psicóloga Bruna Serpejante. Isso porque, ao contrário da admiração ou da valorização da beleza negra, a hiperssexualização está relacionada à objetificação destes corpos e surge a partir de estereótipos, muitas vezes reforçados pela indústria pornográfica, por exemplo.
Ainda de acordo com a psicóloga, é notável que a indústria de filmes pornográficos percebe que reforçar os estereótipos de mulheres negras com seios, bundas e coxas grossas e grandes ou de homens negros fortes e de pênis exagerados atrai o público, tanto homens quanto mulheres.
Hiperssexualização e a saúde mental da população negra
É a partir da criação destes estereótipos e dos padrões de beleza nestes filmes que a saúde mental da população negra é afetada. "Cria-se no inconsciente dessa população que aquilo que é fora desse padrão que a indústria pornográfica nos oferece não é bom o suficiente para ser notado, desejado ou interessante", afirma Bruna.
Além do interesse sexual, ainda segundo a psicóloga, toda uma classe social é subjugada pela hiperssexualização por conta da diminuição da população a corpos volumosos e objetos sexuais.
A autoestima com o próprio corpo também é afetada pela objetificação e pela hiperssexualização dos corpos negros e, consequentemente, pode prejudicar a forma como esta população é vista. Por exemplo, enquanto uma mulher negra é "quente", "sexy", ou "boa de cama", uma mulher branca é "boa para casar", "construir família" ou "ter um futuro".
"Essa criação e idealização de que mulheres de vaginas rosadas, pequenas, claras e sem pelos são 'limpas' e mulheres de vaginas escuras, grandes e com pelos são 'sujas' é o que dá a conotação de que mulheres negras são nojentas ou que não são limpas", reforça a psicóloga.
Além da indústria pornográfica, é possível testemunhar a hiperssexualização até mesmo na mídia em geral, como em novelas, filmes e séries. Para isso, basta analisar o papel interpretado por atrizes negras, explica Bruna.
"Reparem, quantos galãs de novela negros nós vemos? E quantos amantes das novelas ou filmes são negros? Quantas protagonistas são negras? E quantas empregadas assediadas pelos seus patrões são negras? Precisamos começar a repensar algumas coisas", alerta a psicóloga.
A hiperssexualização dos corpos negros e a escravidão
Apesar de ser um debate recente, a hiperssexualização dos corpos negros não vem de hoje. Foi a partir da chegada dos colonizadores europeus no Brasil, em 1500, que foi instaurado o padrão estético de beleza atual: pessoas brancas, com narizes finos e pequenos, corpos magros, órgãos genitais claros e cabelos lisos.
Com a escravidão, implantada no país em 1535, foram tirados de seus países de origem homens e mulheres de peles escuras. Assim, esse período foi marcado também por subjugação, dominância física e psicológica, hiperssexualização e doutrinação, segundo Bruna.
"Temos em nossa história um período em que pessoas brancas estupravam, violentavam e exibiam corpos negros como atração turística por terem partes do seu corpo diferentes do padrão estético que predominava o país", explica.
Segundo Gustavo Maximiliano, professor de sexologia, ginecologia e obstetrícia da Universidade São Francisco (USF), em alguns casos, pessoas negras escravizadas na época precisavam usar os seus corpos para sobreviver. Além disso, houve também o grande choque cultural entre os europeus e os negros escravizados.
"Então, essa questão do negro ser trazido de uma cultura e ser inserido em outra à força pela escravidão fez com que houvesse essa mistura cultural. O negro tem uma cultura de mais proximidade, de usar o corpo, de usar a dança, de usar os tambores, e isso foi visto com uma sexualização pela sociedade europeia branca, objetificando o corpo negro e sua forma de expressar", complementa Gustavo.
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