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Em outubro de 2022, o Brasil levou um susto com a notificação de um possível caso de poliomielite em uma criança de três anos, em Santo Antônio do Tauá, no nordeste do Pará. Isso porque a doença foi considerada erradicada no país em 1994.
Apesar de o Ministério da Saúde ter rechaçado a hipótese e afirmado que o caso poderia se tratar, na realidade, de uma reação adversa da própria vacina (causada por um possível erro no esquema vacinal), o episódio chamou a atenção para o risco real da volta da poliomielite no Brasil.
Esse é um alerta que a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) já vem fazendo: de acordo com a entidade, o país está na lista de “alto risco” para a volta da pólio. O principal fator que está por trás disso é a baixa adesão à campanha de vacinação contra a doença.
Segundo dados do Ministério da Saúde, a cobertura vacinal atingiu, até agora, apenas 65% das crianças com menos de 5 anos - e a meta é vacinar 95% delas. Por isso, entenda o que aconteceu no Pará e por que esse caso é tão emblemático para alertar sobre o risco concreto da volta de uma doença que não circula no Brasil há 28 anos.
Pólio: o que aconteceu no Pará?
Tudo começou no início do mês de outubro, quando a Secretaria de Estado de Saúde Pública do Pará (Sespa) notificou ao Ministério da Saúde para informar que estava investigando uma suspeita de paralisia infantil em um menino de três anos de idade, do município de Santo Antônio do Tauá, no nordeste do Estado.
A criança começou a apresentar alguns sintomas no dia 21 de agosto, entre eles febre, dores musculares, mialgia e um quadro de paralisia flácida aguda, típico da poliomielite. Dias depois, ela perdeu a força dos membros inferiores e foi levada a uma Unidade Básica de Saúde (UBS).
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A partir desse quadro, foi realizado um exame de fezes no garoto, em que foi detectada a presença de poliovírus. Por isso, o caso foi considerado suspeito para a doença.
Porém, no dia 7 de outubro, o Ministério da Saúde informou que não se tratava de poliomielite, mas provavelmente de um quadro de paralisia flácida aguda atribuída ao uso da vacina poliomielite oral (VOP) sem que, antes, tenha sido aplicada a vacina inativada poliomielite (VIP).
“Na caderneta de vacinação da criança, não consta registro de vacina inativada poliomielite (VIP), que deve ser administrada anteriormente à VOP. Em geral, a vacina poliomielite oral é bem tolerada, e muito raramente está associada a algum evento adverso grave. Destaca-se que o risco de paralisia flácida aguda com a VOP é muito raro e que quando a VOP é aplicada como reforço após o esquema básico com a vacina VIP esse risco é praticamente nulo”, informou o Ministério em nota.
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Essa possibilidade foi levantada, porque o vírus presente nas fezes da criança era o poliovírus Sabin Like 3, um dos componentes da dose de reforço contra a pólio. “Esse não é o vírus selvagem da poliomielite, é o vírus vacinal”, explica Isabella Ballalai, vice-presidente da Sociedade Brasileira de Imunizações (SBIm), em entrevista ao MinhaVida.
“A vacina da pólio oral é uma vacina atenuada, ou seja, ela contém dois tipos de poliovírus (1 e 3) enfraquecidos. A recomendação do Ministério é que sejam administradas três doses da vacina inativada, com o vírus morto, antes de aplicar a dose oral”, acrescenta.
Seguir esse esquema vacinal é fundamental para evitar casos de poliomielite associada ao vírus vacinal, como é a suspeita do caso no Pará. Isso porque, ao administrar apenas a vacina atenuada, existe um risco de 1 a cada 2,4 milhões de crianças vacinadas desenvolverem a doença. A vacina inativada entra como uma proteção contra o vírus selvagem e o vírus vacinal atenuado, conforme explica Isabella.
Risco da poliomielite voltar é real?
Apesar de ter sido descartada a infecção pelo vírus selvagem da pólio, o caso do Pará reforçou um alerta que já vinha sendo feito há anos: o risco de a doença voltar ao Brasil. “Já é certo que não se trata de pólio, foi um susto, mas esse é um cenário que vamos precisar nos acostumar: sempre que uma criança estiver com uma paralisia flácida aguda, será obrigatório investigar se é pólio ou não”, esclarece a vice-presidente da SBIm.
Vale ressaltar que o Ministério ainda não concluiu a investigação para saber se, de fato, o quadro de paralisia flácida aguda foi causado pelo vírus vacinal ou não. “Segundo as informações que temos, a criança apresentou esses sintomas um dia depois de receber a vacina. É impossível ter sido uma reação adversa? Não, mas é pouco provável. Até mesmo o vírus vacinal precisa de um tempo para causar a doença”, afirma Isabella. Por isso, outras causas possíveis, como a Síndrome de Guillain Barré, ainda não foram descartadas.
Porém, a especialista alerta: as chances de a poliomielite voltar a circular no Brasil são reais e isso está cada vez mais próximo de acontecer. “Estou torcendo para que não aconteça, mas [a doença] pode, sim, voltar a qualquer momento. A maneira de não deixar isso acontecer é estabelecer um engajamento de toda a saúde pública, incluindo as esferas federal e municipal, para levar informações às famílias, chamando-as para vacinar suas crianças menores de cinco anos”, enfatiza a médica.
Importância da vacinação completa
A única forma de prevenir a poliomielite e garantir que a doença permaneça erradicada no Brasil é a vacinação. As campanhas nacionais acontecem anualmente e todas as crianças menores de cinco anos de idade devem ser imunizadas.
O esquema vacinal contra a poliomielite é de três doses da vacina injetável aos 2, 4 e 6 meses. Depois, são administradas mais duas doses de reforço com a vacina oral bivalente, em gotinha, aos 15 meses e aos 4 anos.
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A recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é que os países implementem medidas para aumentar a cobertura de vacinação contra pólio para 95%. Na campanha deste ano, que teve início em 8 de agosto e acabou no dia 30 de setembro, o Brasil atingiu apenas 65,6% do público esperado, segundo o Ministério da Saúde.
O Estado da Paraíba foi o único a alcançar a meta, chegando em 95,09%, seguido pelo Amapá, que teve 90,08%. Diante desse cenário, mesmo após o encerramento da campanha nacional de vacinação, 12 Estados e o Distrito Federal decidiram prorrogar a ação devido à baixa adesão.
Na última segunda-feira (17), o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, fez um novo apelo para que os pais ou responsáveis levem suas crianças às salas de vacinação. Isso porque a poliomielite pode levar à paralisia total ou parcial dos membros inferiores, causando diversos impactos na vida de quem adquire a doença.