É cirurgião da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM) e especialista em distúrbios intestinais...
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Imagine só a seguinte situação: você está em uma reunião importante no trabalho e, de repente, começa a sentir alguns sintomas comuns de embriaguez, como tontura, fala arrastada, raciocínio lento e sonolência. Só que você não bebeu uma gota de álcool durante o dia para se sentir assim. O que será que aconteceu?
Parece desesperador pensar em um cenário como esse, mas algumas pessoas já passaram por isso! Uma reportagem recente, publicada pela BBC News, trouxe à tona uma curiosa síndrome que faz as pessoas ficarem bêbadas sem consumirem álcool: a síndrome de fermentação intestinal (SFI).
Sua causa ainda é desconhecida, mas seus sintomas são idênticos ao de embriaguez. Alguns pacientes, inclusive, podem ter problemas ao serem pegos no bafômetro, mesmo sem terem consumido álcool.
Ficou curioso? Nós, do MinhaVida, também! Por isso, conversamos com Mikaell Faria, cirurgião da Sociedade Brasileira de Cirurgia Bariátrica e Metabólica (SBCBM) e especialista em distúrbios intestinais para tentar entender o que poderia estar por trás dessa condição. Confira a seguir!
O que é Síndrome de Fermentação Intestinal (SFI)?
A Síndrome da Fermentação Intestinal, também chamada de Síndrome da Autofermentação, é uma condição que eleva os níveis de álcool no sangue e produz sintomas de embriaguez em pacientes, mesmo quando eles não ingerem álcool. A doença pode causar problemas para a vida social, profissional e legal das pessoas afetadas - já que o nível de álcool pode, inclusive, transparecer no comportamento, no hálito e, até mesmo, no teste de bafômetro.
A causa ainda é desconhecida, mas, antes de falarmos especificamente sobre o que pode estar relacionado ao surgimento dessa síndrome, é preciso entender como funciona a fermentação intestinal. “O processo de fermentação no intestino acontece naturalmente. Durante a digestão dos alimentos, ocorre uma série de processos, como quebra de partículas, quebra dos alimentos e os processos fermentativos”, explica Mikaell.
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O médico explica que esses processos fermentativos são realizados pelas bactérias presentes no intestino, que formam a famosa microbiota intestinal e, em quantidades pequenas, é algo natural do organismo. Porém, quando há algum desequilíbrio nessa “flora intestinal”, essa fermentação pode acontecer em quantidades elevadas.
“A consequência disso é, muitas vezes, a maior produção de gases, desconforto abdominal, diarreia e, em alguns pacientes, maior produção de álcool pelo intestino”, explica. É aí que entra a síndrome de fermentação intestinal.
O que pode estar relacionado à causa dessa síndrome?
A causa exata da síndrome ainda é desconhecida. Porém, alguns estudos científicos já publicados podem ajudar a encontrar possíveis caminhos para entender essa curiosa condição. A literatura mostra que, embora a SFI tenha sido encontrada em pessoas saudáveis, a maior incidência ocorre em pacientes que sofrem de comorbidades como diabetes, doenças hepáticas relativas à obesidade, doença de Crohn e naquelas pessoas que passaram por operações intestinais anteriores.
Além disso, estudos recentes revelaram que podem existir uma série de fatores que aumentam o risco de SFI. A presença excessiva de alguns fungos e bactérias produtoras de álcool no trato gastrointestinal pode gerar a superprodução de álcool através do processo de fermentação intestinal.
Algumas dessas bactérias produtoras de álcool são do gênero Candida, como Candida albicans, Candida kefyr e Candida galbrata. A levedura Saccharomyces cerevisiae, que é usada na produção de vinho e cerveja, também é uma delas. Isoladamente, a presença de pequenas quantidades desses micro-organismos não leva à síndrome, mas outros fatores podem colaborar para o aumento dessas populações no organismo e, consequentemente, levar a processos fermentativos fora do normal.
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“Devido ao processo alimentar do paciente, o tipo de alimento que ele estava consumindo, associado às bactérias presentes no intestino dele, o resultado final da fermentação foi uma grande quantidade de álcool”, explica Mikaell. “Isso justifica tanto o motivo de algumas pessoas passarem mal, terem sintomas de embriaguez mesmo sem terem ingerido álcool, como casos de pacientes que nunca beberam, mas desenvolveram uma cirrose em alguma fase da vida”, completa.
Um dos fatores que pode levar à síndrome de fermentação intestinal é o alto consumo de carboidratos. “Esse é o substrato que faz as bactérias fermentarem mais. O processo de fermentação das bactérias é feito sobre os carboidratos. Então, quanto maior a quantidade de carboidrato ingerida, maior a chance de ter processos fermentativos em excesso”, esclarece o profissional.
Portanto, a alimentação exerce uma grande influência no equilíbrio da microbiota intestinal. Mas, além dela, há outros fatores que podem gerar um desbalanço e, consequentemente, processos fermentativos no intestino. Um deles é o uso de antibióticos.
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“Muitas vezes, aquele antibiótico que nós tomamos para a garganta, por exemplo, pode desequilibrar a microbiota intestinal, porque ele não elimina somente as bactérias causadoras de infecção na garganta, mas elimina os micro-organismos de várias partes do corpo”, afirma Mikaell.
Porém, é preciso entender que isso não é uma regra: nem todo antibiótico vai aumentar a produção de álcool pelo intestino. “O medicamento pode desequilibrar a ponto de gerar um aumento das bactérias que produzem álcool no intestino. Mas também pode aumentar a quantidade de bactérias que produzem gás, que mudam o muco, que dão mais diarreia. Cada pessoa pode ter um desfecho diferente, não tem como garantir o que vai acontecer com o uso do antibiótico”, ressalta o profissional.
Resumidamente: essa é uma síndrome rara e que ainda é muito misteriosa. Porém, já é possível entender que pode existir uma forte relação entre o desequilíbrio da microbiota intestinal e a autofermentação pelo intestino.