Médico especialista em Pneumologia pela UFRJ e pela Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), especiali...
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Enquanto estamos dormindo, a sensação é de que o corpo inteiro se desliga. Mas a verdade é que o cérebro segue atento a tudo o que acontece ao redor. Isso mesmo: uma nova pesquisa mostrou que, mesmo quando dormimos, continuamos interagindo com o mundo exterior.
O estudo foi feito por pesquisadores do Paris Brain Institute e foi publicado neste mês na revista científica Nature Neuroscience. Segundo os achados, as pessoas podem captar vozes e informações e respondê-las contraindo os músculos faciais enquanto estão dormindo.
De acordo com os pesquisadores, essa capacidade ocorre de forma intermitente (ou seja, em intervalos) durante quase todas as fases do sono. É como se janelas que levam ao mundo exterior fossem abertas temporariamente. Essa descoberta pode ajudar a ciência a compreender como a atividade mental muda durante o sono.
“Mesmo que pareça familiar porque nos entregamos a ele todas as noites, o sono é um fenômeno altamente complexo. Nossa pesquisa nos ensinou que a vigília e o sono não são estados estáveis: pelo contrário, podemos descrevê-los como um mosaico de momentos conscientes e aparentemente inconscientes”, explica Lionel Naccach, neurologista do Hospital Universitário Pitié-Salpêtrière e neurocientista e um dos autores do estudo.
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Os achados podem ajudar, ainda, a decifrar os mecanismos cerebrais que estão relacionados a esse estado entre vigília e sono. Isso pode ser útil futuramente para compreender como tratar distúrbios como sonambulismo, paralisia do sono, alucinações e outras alterações no sono.
“Os detalhes exatos de como isso funciona a nível neurofisiológico podem variar, mas a pesquisa indica que o cérebro mantém certa capacidade de processamento”, comenta Gleison Guimarães, pneumologista e especialista em medicina do sono. O especialista não fez parte do estudo, mas é autor do livro “Super Sono: por que dormir mal está atrapalhando todas as áreas da sua vida – e como resolver isso”, pela editora Gente.
Na sua visão, a descoberta desafia ainda mais a visão tradicional de um estado de inconsciência completa. “Isso pode ter implicações importantes para o tratamento de distúrbios como a insônia e levar a novas abordagens para entender e melhorar a qualidade de vida das pessoas através da promoção de um sono reparador”, acredita.
O cérebro está em constante atividade durante o sono
Apesar da pesquisa ter feito novas descobertas, outros estudos já haviam sugerido que o cérebro não fica completamente inativo durante o sono. Para Gleison, já foi constatado que o órgão segue responsável por uma intensa atividade metabólica, pela secreção hormonal e pela atividade dos sistemas nervoso autônomo, cardiovascular e imunológico.
“Essas conexões breves com o mundo exterior são uma parte intrigante da atividade cerebral e ainda precisam de muitos estudos para entendermos completamente o que acontece”, comenta o médico.
O especialista também afirma que o cérebro se mantém em algum grau de consciência e atividade, mesmo quando dormimos profundamente. “Durante os laudos de polissonografia, na interpretação do eletroencefalograma, presenciamos ondas de sono superficial, mesmo em períodos de sono profundo”, comenta.
O contrário também acontece: a atividade cerebral pode manter o indivíduo em constante estado de alerta, podendo levar a despertares breves frequentes. Para Gleison, essa pode ser uma oportunidade para que haja maior conexão cerebral com o mundo exterior durante o sono.
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“Mas tudo ainda é incerto. Essas perspectivas podem levar a uma reavaliação fundamental de como entendemos e estudamos o sono e estamos caminhando a passos largos”, finaliza.
Como o estudo foi feito?
Para realizar o estudo, os pesquisadores do Paris Brain Institute recrutaram 22 pessoas sem distúrbios de sono e 27 pacientes com narcolepsia. Essa é uma condição caracterizada pela sonolência excessiva durante o dia ou episódios recorrentes e incontroláveis de sono.
As pessoas com narcolepsia têm muitos sonhos lúcidos, nos quais têm consciência de que estão dormindo. Alguns podem, até mesmo, moldar o sonho como quiserem. Além disso, eles possuem facilidade de entrar no sono REM, o estágio do sono em que os sonhos lúcidos ocorrem, durante o dia. Todas essas características fazem deles bons candidatos para estudar a consciência durante o sono.
Os participantes do estudo foram convidados a tirar um cochilo. Os pesquisadores aplicaram um teste de “decisão lexical”, no qual uma voz humana pronunciava uma série de palavras, reais e também inventadas. Os participantes tiveram que reagir sorrindo ou franzindo a testa para que pudessem categorizá-los.
As pessoas envolvidas no estudo foram monitoradas por polissonografia, que registra a atividade cerebral e cardíaca, movimentos oculares e tônus muscular. Ao acordar, os participantes relataram se tiveram ou não sonhos lúcidos durante o cochilo e se lembravam de ter interagido com alguém.
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“A maioria dos participantes, narcolépticos ou não, respondeu corretamente aos estímulos verbais enquanto permanecia dormindo. Esses eventos foram certamente mais frequentes durante episódios de sonhos lúcidos, caracterizados por um alto nível de consciência. Ainda assim, os observamos ocasionalmente em ambos os grupos durante todas as fases do sono”, disse Isabelle Arnulf, uma das pesquisadoras e chefe do Departamento de Patologia do Sono do Hospital Universitário Pitié-Salpêtrière.