Graduado em medicina pela Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL-MG), com residência médica em Genética Médica pelo Hos...
iRedatora de saúde e bem-estar, autora de reportagens sobre alimentação, família e estilo de vida.
O que é Artrogripose?
Artrogripose é o nome dado à malformação das articulações do bebê, ocasionando limitação de movimento e menor força muscular. Nesse quadro, o bebê tem dificuldade em mover as articulações devido a uma contratura.
Normalmente, na artrogripose as articulações não se desenvolvem, a cápsula articular (membrana que envolve as articulações) se torna fibrosa e espessa, dificultando os movimentos. Além disso, os tendões se tornam fibrosos e o músculos ficam atrofiados e desenvolvem infiltrações de gordura. Tudo isso faz com que a criança não consiga mover as articulações que estão com este dano.
De modo geral a artrogripose é congênita e rara, ocorrendo em 1 a cada 10 mil bebês nascidos vivos.
Causas
A artrogripose pode ser primária, quando se trata da artrogripose múltipla congênita, ou secundária, quando ela é ligada a alguma outra síndrome.
De modo geral, os problemas da articulação característicos da artrogripose ocorrem devido à falta de movimentação dentro do útero. Isto leva à atrofia dos músculos e rigidez da cápsula muscular (membrana que envolve a articulação), o que resulta na limitação dos movimentos naquela região.
Essa falta de movimentação pode ocorrer devido a diversos fatores:
- Doenças do Sistema Nervoso Central, como anencefalia e redução das células nervosas da medula, que afetam o desenvolvimento motor do bebê. Eles são responsáveis por 93% dos casos de artrogripose múltipla congênita
- Perda de líquido amniótico, o que diminuí a capacidade do bebê de se mover
- Gestações de múltiplos, em que o bebê acaba tendo menos mobilidade por falta de espaço
- Complicações da saúde materna, como esclerose múltipla ou problemas vasculares no útero
- Síndromes genéticas que podem afetar diversos aspectos do desenvolvimento do bebê. Existem mais de 170 condições genéticas relacionadas à artrogripose e estas síndromes podem envolver os cromossomos comuns, sendo normalmente alterações no gene dominante, mas também podem estar ligadas à problemas no cromossomo sexual X.
Além disso, um estudo conduzido pela especialista em medicina fetal Adriana de Melo e publicado na revista científica Ultrasound in Obstetrics & Ginecology, relacionou o aparecimento de casos de artrogripose na Paraíba com a infecção materna pelo Zika vírus. A relação entre as duas doenças não foi confirmada pela Organização Mundial da Saúde ou pelo Ministério da Saúde, mas os danos causados pela microcefalia (outra doença relacionada do feto ao Zika vírus), por exemplo, podem levar ao desenvolvimento da artrogripose. Como ela pode afetar o sistema nervoso central, isso poderia causar problemas de mobilidade no bebê e resultar na artrogripose.
Saiba mais: Conheça os sintomas do Zika vírus
Um segundo estudo feito no segundo semestre de 2016 estudou mais profundamente essa relação em 7 bebês que nasceram com artrogripose em Pernambuco e tinham características típicas da síndrome congênita de Zika. Nesses casos, o estudo mostrou que há uma relação entre a malformação articular e o processo de formação dos neurônios desses bebês, uma deficiência que dificulta o envio de estímulos nervosos para as regiões periféricas do corpo, no caso os braços e pernas.
Tipos
Existem mais de 100 síndromes consideradas doenças artrogripóticas, ou seja, doenças maiores que apresentam a artrogripose como sintoma. Além disso, existe um quadro clínico chamado Artrogripose Múltipla Congênita, considerada o quadro mais clássico da doença, que costuma comprometer articulações das mãos, pés, cotovelos, joelhos e algumas vezes até o quadril.
Podemos classificar o quadro de artrogripose conforme a quantidade de articulações que ela compromete. Existem dois tipos:
- Múltipla: que, como descrito, acomete mãos, pés, cotovelos, joelhos e algumas vezes até o quadril
- Distal: que ocorre apenas nas articulações das mãos e pés, normalmente está mais relacionada a síndromes genéticas.
Além disso, a artrogripose pode ser dividida em severa e moderada, conforme a perda de mobilidade da pessoa.
Sintomas
O principal sintoma da artrogripose é a perda de mobilidade da articulação. O bebê pode nascer com ela flexionada ou estendida, mas logo no nascimento o pediatra consegue notar que o pequeno não é capaz de alterar essa posição.
Normalmente as articulações apresentam características específicas:
- Ombros: eles podem ficar inclinados, voltados para dentro do tronco e até mesmo internamente rotacionados
- Cotovelos: eles normalmente estão em extensão, deixando os braços permanentemente esticados, mas em alguns casos a criança pode nascer com eles em flexão
- Punhos: os punhos costumam estar em flexão e mais voltados na direção do dedo mínimo
- Dedos das mãos: os dedos costumam ser afilados e ficam dobrados, com o polegar preso a palma
- Quadris: É comum que alguns bebês apresentam luxação nos quadris, o que impede os movimentos de abertura
- Joelhos: Os joelhos normalmente estão em extensão, mas também podem aparecer flexionados
- Tornozelos: os pés ficam semelhantes ao pé torto congênito, voltados para dentro (posição equinovara), mas alguns bebês podem apresentar os pés voltados para fora.
Além dessas características, é possível notar que a pele nas articulações não costuma ter as fendas, pregas e reentrâncias, comuns do movimento.
É importante ressaltar que a maioria das crianças que desenvolve artrogripose, principalmente a artrogripose múltipla congênita, não desenvolve problemas cognitivos, apresentando inteligência e desenvolvimento normal.
Diagnóstico
O diagnóstico da artrogripose pode ser feito durante o pré-natal. Durante a ultrassonografia morfológica fetal do segundo trimestre, feita entre as 20 e 24 semanas, é comum que o ginecologista observe que o bebê não se movimenta conforme o esperado e apresenta algum desvio no eixo dos membros e até mesmo as mãozinhas fechadas, sinais característicos da artrogripose.
No entanto, o diagnóstico só é confirmado mesmo no nascimento, pela observação clínica do bebê, que nasce com diversas contraturas articulares. Depois disso exames de imagem podem observar melhor como estão as articulações do bebê.
Alguns exames são necessários para determinação da causa do problema. Podem ser feitos exames genéticos para avaliar se há alguma síndrome cromossômica, além de testes neurológicos para descartar problemas no sistema nervoso central, como a eletromiografia e biopsia muscular.
Fatores de risco
Quando a artrogripose está relacionada a algum problema genético pode haver até 25% de chance de o problema se repetir em uma próxima gravidez, por isso é importante sempre investigar se a artrogripose tem alguma relação genética, para seguir com um aconselhamento genético.
Além disso, mulheres com gestações múltiplas, principalmente com mais de três bebês, tem mais risco de terem filhos que apresentem artrogripose, devido a difícil mobilidade dentro do útero.
Na consulta médica
Especialistas que podem diagnosticar uma artrogripose são:
- Pediatra
- Ortopedista
- Neurologista.
É importante levar suas dúvidas para a consulta por escrito, começando pela mais importante. Isso garante que você conseguirá respostas para todas as perguntas relevantes antes da consulta acabar. Algumas perguntas básicas incluem:
- A artrogripose tem cura?
- Quais as chances de meu filho conseguir se locomover novamente?
- Como é o tratamento da artrogripose?
- Meu filho terá que passar por alguma cirurgia?
- Meu bebê pode vir a ter algum problema cognitivo ou dificuldade de aprendizado no futuro?
Não hesite em fazer outras perguntas, caso elas ocorram no momento da consulta.
Buscando ajuda médica
Normalmente o diagnóstico da artrogripose é feito no nascimento ou mesmo no pré-natal do bebê, portanto assim que o parto for feito o médico começará a tomar providências e dará as devidas orientações.
Tratamento
O objetivo do tratamento da artrogripose é dar a criança o máximo de independência possível. Para tanto, existem diversas intervenções que podem ser feitas. É importante ressaltar que a artrogripose não é uma doença progressiva, portanto ela não piora com o tempo, o que facilita o tratamento.
Nos membros superiores, o primeiro passo é dar mobilidade para as mãos, liberando o movimento dos polegares principalmente. Para tanto podem ser feitas cirurgias específicas. Nos cotovelos é possível trabalhar para conseguir dar flexão ativa a eles, permitindo que a criança mova os braços.
Quanto aos membros inferiores, podem ser usadas trocas gessadas, moldes de gesso trocados periodicamente que ajudam o membro a retornar à posição correta. Caso elas não adiantem, a cirurgia também pode ser uma alternativa. Os pés têm uma tendência a voltar à posição original, mas métodos semelhantes ao tratamento do pé torto congênito vêm sendo usados com sucesso nesse tratamento.
Nesses membros a ideia é permitir que a criança consiga andar sozinha, alinhando os pés e tentando preservar e aumentar a mobilidade das pernas.
Outro ponto importante do tratamento é a fisioterapia que pode ajudar na recuperação dos movimentos. No entanto é importante fazê-la sem forçar demais os membros, já que eles são sensíveis a dor e isso pode desestimular o paciente a seguir com o tratamento.
A terapia ocupacional também tem um papel importante na adaptação de instrumentos como talheres, canetas e computadores, tornando a criança e jovem cada vez mais independentes nas tarefas cotidianas.
O tratamento pode ser iniciado já nas primeiras semanas de vida, inclusive algumas cirurgias já podem ser feitas desde cedo, conforme o diagnóstico do médico. Como cada caso é único, não há uma ordem em que cada membro deve ser tratado.
Tem cura?
Pessoas com artrogripose podem levar vida muito próxima do normal, desde que tratadas desde cedo. Seguir com o tratamento e fazer sessões de fisioterapia e terapia ocupacional são essenciais para adaptação dessa criança ao meio e seu melhor desenvolvimento. Com esses cuidados, dá para esperar um desenvolvimento normal de crianças com artrogripose.
Prevenção
A artrogripose ocasionada por problemas genéticos pode ser evitada quando já há algum filho do casal que tenha nascido com essa doença. Nesses casos, um aconselhamento genético é feito para o casal, que pode recorrer a uma fertilização in vitro com análise dos embriões (usando o método de diagnóstico e mapeamento genético pré-implantação) para escolher o que não apresenta essa característica genética.
Já os outros casos de artrogripose, principalmente a artrogripose múltipla congênita, não podem ser evitados.
Complicações possíveis
Quanto maior a demora para tratar a artrogripose, mais difícil a recuperação dos movimentos. Por mais que a doença não evolua ou piore, com o tempo as articulações se estabelecem e se fixam mais, o que torna o tratamento e mudança mais complicada. Nesses casos, a recuperação da mobilidade de algumas articulações pode ser tornar impossível.
Referências
Médico geneticista Ciro Martinhago (CRM-SP 102.030), diretor do departamento de genética médica do SalomãoZoppi Diagnósticos e diretor da Chromossome Medicina Genômica (SP)
Ortopedista pediátrico André Luís Fernandes Andújar (CRM-SC: 6.736), membro da Comissão de Ensino e Treinamento da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia
Pediatra Rui Maciel Godoy Jr. (CRM-SP: 24.556), especialista em ortopedia e presidente do departamento de ortopedia da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP)
Ginecologista Adriana de Melo (CRM-PB: 4.950), especialista em medicina fetal e pesquisadora do Instituto de Saude Elpidio de Almeida (PB)
Infectologista Antonio Carlos de Oliveira Misiara (CRM-SP: 42.963), médico do Hospital Sírio-Libanês (SP)
Manual Merck de Medicina