Médica nutróloga pelo HCFMRP/USP e ABRAN (Associação Brasileira de Nutrologia). Professora de Nutrologia da UEA Universi...
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O aspartame, principal adoçante presente em bebidas e doces dietéticos, foi adicionado à lista de substâncias “possivelmente cancerígenas” pela Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (Iarc, na sigla em inglês), da Organização Mundial da Saúde (OMS). A decisão foi anunciada na quinta-feira, dia 13 de julho.
A publicação foi feita após um grupo de trabalho da Iarc, composto por 25 especialistas de 12 países, se reunir para avaliar estudos relacionados ao câncer em humanos, além de testes clínicos em animais e as principais evidências sobre características dos carcinogênicos. Segundo o documento, a classificação do aspartame como “possivelmente cancerígeno” foi feita devido às “limitadas evidências de câncer em humanos” e em experimentos com animais.
A decisão ocorreu depois que a OMS desaconselhou o uso de todos os tipos de adoçantes não nutritivos como substitutos do açúcar em dietas para controle de peso, em novas diretrizes publicadas em maio deste ano. O alerta diz respeito aos efeitos colaterais dessas substâncias a longo prazo, incluindo diabetes tipo 2, trombose, doenças cardiovasculares e alguns tipos de câncer em adultos.
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A nutróloga Isolda Prado, do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto na Universidade de São Paulo (HCFMRP/USP) e membro da Associação Brasileira de Nutrologia (ABRAN), explica que o debate em torno do possível risco de câncer associado ao aspartame “tem sido objeto de estudos científicos e revisões de segurança por várias agências reguladoras em todo o mundo”, como a FDA - agência reguladora de alimentos e medicamentos dos Estados Unidos - e a Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (EFSA).
A médica explica que, ao ser digerido, o aspartame libera fenilalanina, um aminoácido que pode ser separado do ácido aspártico, produzindo uma pequena quantidade de metanol. “O metanol pode ser potencialmente cancerígeno, pois pode se converter em ácido fórmico, com potencial para danificar o DNA”, esclarece.
No geral, a classificação da OMS para substâncias avaliadas é dividida em quatro grupos com base nas evidências científicas existentes, sendo eles:
- Cancerígenos para humanos
- Provavelmente cancerígenos
- Possivelmente cancerígenos
- Não classificável
A decisão não significa que o uso de aspartame deve ser suspenso
Apesar da classificação do aspartame como “possivelmente cancerígeno”, a decisão da OMS não significa que é preciso parar de consumir aspartame. “Não é preciso parar de consumi-lo completamente, mas se atentar para as doses recomendadas”, explica Isolda.
A FDA, por exemplo, indica que a ingestão máxima de aspartame pode ser de 50 mg/kg por dia. Segundo o órgão, uma pessoa com peso médio de 60 kg teria que consumir mais de 75 pacotes de 8 gramas de aspartame para estar exposta a algum risco. Já a EFSA estabelece que o limite é de 40 mg/kg por dia.
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“As agências reguladoras estabelecem limites de ingestão diária aceitável para o aspartame, que são quantidades consideradas seguras para o consumo ao longo da vida. Esses limites são baseados em pesquisas científicas e na avaliação dos riscos potenciais”, afirma a nutróloga.
Além disso, a publicação com a decisão da OMS inclui o parecer da JECFA (Comitê isto da FAO e OMS de Peritos em Aditivos Alimentares), que concluiu que “não há evidências convincentes de dados experimentais em animais ou humanos de que o aspartame tenha efeitos adversos após a ingestão”. O comitê da JECFA também ressalta que não há razão para alterar a recomendação máxima diária de consumo do adoçante.
No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) também considera o produto seguro e recomendou a ingestão diária máxima de 40 mg/kg, conforme recomenda a EFSA. “Depois de revisar a literatura científica disponível, ambas as avaliações observaram limitações nas evidências disponíveis em relação ao câncer e também a outros efeitos na saúde”, diz a nota da Anvisa.
Já o Instituto Nacional do Câncer (Inca), órgão auxiliar do Ministério da Saúde, recomenda que seja evitado o consumo de adoçantes artificiais após classificação da Iarc/OMS. Em nota, divulgada na sexta-feira (14), o órgão recomendou que o consumo de ultraprocessados também seja limitado.
“O Inca aconselha a população geral evitar o consumo de qualquer tipo de adoçante artificial e adotar uma alimentação saudável, ou seja, baseada em alimentos in natura e minimamente processados e limitada em alimentos ultraprocessados”, diz o Inca.
O que os estudos dizem sobre o aspartame?
Um estudo publicado na PLoS em 2022 relacionou o uso de adoçantes, especialmente o aspartame, a sucralose e o acessulfame-K, com chances de desenvolver câncer. Segundo o trabalho, essas substâncias presentes em marcas de alimentos e bebidas foram associadas a chances aumentadas de desenvolver a doença.
Para chegar à conclusão, o estudo avaliou 102.865 adultos por uma média de 7,8 anos. O consumo de adoçante pelos participantes foi avaliado por meio de registros alimentares repetidos de 24 horas, incluindo marcas de produtos industrializados.
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Segundo os resultados da pesquisa, o aspartame e o acessulfame-K foram associados a riscos mais altos de câncer de mama e de cânceres relacionados à obesidade. As relações entre adoçantes e incidência de câncer foram avaliadas e ajustadas para idade, sexo, educação, atividade física, tabagismo, índice de massa corporal, altura, ganho de peso durante o acompanhamento, histórico familiar de câncer e diabetes.
Outro estudo, publicado na Indian Journal Pharmacology em 2016, concluiu que gestantes, lactantes, crianças, diabéticos e pacientes com enxaqueca e epilepsia representam grupos suscetíveis aos efeitos adversos dos adoçantes não nutritivos.
Por outro lado, o diretor da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Regional São Paulo (SBEM-SP), Leonardo Parr, considera que "ainda são necessários mais dados e estudos para confirmar essa associação [entre aspartame e câncer] e definir se há risco para o consumo nas quantidades atualmente recomendadas".
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O especialista cita estudos que associaram o consumo de bebidas adoçadas artificialmente com o risco de câncer de fígado. "Embora fossem estudos de alta qualidade, a IARC concluiu que o acaso, viés ou fatores de confusão não poderiam ser descartados com razoável confiança", explica Leonardo.
Ainda de acordo com o endocrinologista, "ainda não existem estudos em seres humanos com força de evidência suficiente para definir o aspartame como cancerígeno, já que a maioria dos estudos disponíveis foram realizados em animais experimentais, são estudos de associação e não são capazes de demonstrar causalidade e nem conseguem explicar por qual mecanismo o aspartame poderia causar o câncer", afirma.