Médico endocrinologista e metabologista com especialização em diabetes tipo I e tipo II, com tratamento de difusões horm...
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O último estudo sobre o medicamento Ozempic não foi promovido por uma associação de saúde, uma faculdade de medicina ou um grupo de pacientes com diabetes. Foi realizado por ninguém menos que o Walmart, rede norte-americana de hipermercados com mais de 10.500 lojas espalhadas por vinte países.
O levantamento mostrou que pessoas que utilizam Ozempic ou Wegovy para emagrecer estão mudando hábitos de compra e de alimentação. Segundo as informações divulgadas pela empresa depois de analisar o padrão de consumo de seus clientes, quem usa os medicamentos está comprando menos alimentos.
O Ozempic é um remédio à base de semaglutida indicado para o tratamento de diabetes tipo 2, mas tem se popularizado devido aos seus efeitos na redução do peso corporal. Já o Wegovy tem o mesmo componente em sua fórmula, mas em diferente dosagem, sendo indicado especificamente para o emagrecimento.
O uso desses medicamentos para a perda de peso é um fenômeno em diversos países, incluindo o Brasil. Por aqui, o Ozempic já gerou R$ 3,7 bilhões em vendas, de acordo com dados publicados no jornal Valor Econômico. Já nos EUA, onde está a sede do Walmart, houve aumento de 111% na demanda pelo remédio, de acordo com dados da IQVIA, empresa de tecnologia da informação em saúde e pesquisa clínica.
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Nesse contexto, a rede varejista buscou entender a influência do aumento das vendas desses remédios em suas vendas. A pesquisa mostrou que os clientes que incluem na cesta medicamentos como Ozempic ou Wegovy saem das lojas com menos alimentos.
“Vemos uma ligeira mudança em relação à população total, um ligeiro declínio na cesta geral de compras”, explicou John Furner, presidente e CEO das operações do Walmart nos EUA, à Bloomberg.
O dirigente não entrou em maiores detalhes na entrevista e se limitou a dizer que são “menos unidades e um pouco menos de calorias”. Mas essa afirmação está alinhada a outras análises que já mostraram que existe, sim, um “efeito Ozempic” nos preços das empresas que produzem bebidas e snacks açucarados.
Conclusões sobre a influência do Ozempic no consumo
A lista de produtos vendidos no Walmart é extensa: inclui alimentos, roupas, livros, itens de higiene pessoal e medicamentos. Para determinar se a venda de medicamentos à base de semaglutida, como Ozempic, estava influenciando na venda de outros produtos, os responsáveis pela rede varejista começaram a observar o comportamento dos clientes.
Por meio de dados anônimos sobre os consumidores, a empresa observou o padrão de compra entre as pessoas que tomavam o medicamento e o comparou com o de clientes que tinham perfis de estilo de vida semelhantes, mas que não usavam o remédio. Os resultados mostraram que o “efeito Ozempic” não afeta todos os departamentos da mesma forma, inclusive, o setor de farmácia - que disponibiliza esse tipo de medicamento - viu suas vendas serem impulsionadas em 2023.
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O estudo do Walmart sugere uma tendência que já começou a ser percebida por outras empresas. Em entrevista à NBC, Steve Cahillane, diretor executivo do fabricante de aperitivos Kellanova, disse que ainda é cedo para saber se o Ozempic influenciará no setor de alimentação, mas esse mercado já está atento ao fenômeno.
Em um relatório de 82 páginas, uma equipe de analistas, estrategistas e associados do Morgan Stanley mostrou como os medicamentos para obesidade poderiam reduzir a procura de alimentos e remodelar o “ecossistema alimentar”. Esse relatório, que foi divulgado pelo veículo Axios, prevê alguns pontos, entre eles:
- Nos próximos 10 anos, 7% da população dos Estados Unidos poderá tomar esses medicamentos
- As pessoas que usam o remédio consumirão 20% menos calorias
- Em 2035, isso representaria 1,3% do total de calorias consumidas. Os analistas também modelaram um cenário em que o consumo de calorias pode ser reduzido em até 1,7%
Um outro relatório da Barclays aponta para a mesma linha de tendência. Segundo o estudo, os medicamentos para perder peso representam um risco real para as empresas de fast food.
Uso de Ozempic e Wegovy para emagrecimento
Dados divulgados recentemente pela Trilliant Health mostram que os prestadores de cuidados de saúde nos Estados Unidos emitiram mais de 9 milhões de prescrições de Ozempic, Wegovy e medicamentos semelhantes para diabetes e obesidade nos últimos três meses de 2022.
Vale ressaltar que os Estados Unidos têm uma taxa mais elevada de pessoas com obesidade do que o Brasil. De acordo com os Centers for Disease Control and Prevention (CDC) dos EUA, o percentual da população com obesidade é de 41,9%. No Brasil, de acordo com a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (ABESO), o número é de 19,8%.
Esses dados representam um aumento de 300% nas prescrições nos EUA entre o começo de 2020 e o final de 2022. A maior parte é referente ao Ozempic, representando mais de 65% das prescrições no final de 2022.
Nesse contexto, a preocupação com o mercado de alimentos, principalmente os de produtos industrializados, bebidas açucaradas e fast food, é baseada em um efeito colateral desses medicamentos à base de semaglutida. A substância tem uma ação no cérebro que inibe o apetite e aumenta a sensação de saciedade, reduzindo a vontade de comer compulsivamente e de comer doces em geral.
“A semaglutida age através da inibição do apetite mediada por hormônio por um hormônio gastrointestinal, que é o GLP-1. Ela sinaliza para o cérebro que já comemos o suficiente, mesmo tendo comido menos do que o usual”, explica Ricardo Barroso, endocrinologista e diretor da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia Regional São Paulo (SBEM-SP).
Além disso, o especialista explica que a semaglutida também age controlando a glicemia, justamente por inibir o apetite. É por isso que o medicamento é indicado para o tratamento de diabetes tipo 2.
Porém, é fundamental lembrar que o Ozempic não é indicado especialmente para esse fim. Isso porque a dosagem deste medicamento (1 mg por semana) não é considerada suficientemente eficaz para esse uso, apesar de apresentar esse efeito. Além disso, esse benefício não está previsto na bula. Ou seja, por aqui, seu uso é considerado off label.
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“O Ozempic é um remédio que deve ser usado com acompanhamento médico e não deve ser utilizado de forma indiscriminada”, ressalta Ricardo. “Sem prescrição médica, esse uso pode levar a complicações, tanto para diabetes quanto para o uso off label para obesidade”, completa.
Já o Wegovy é o medicamento aprovado pela Agência Sanitária de Vigilância Sanitária (Anvisa) para sobrepeso e obesidade. Ele também é composto pela semaglutida, mas em dosagem diferente (2,4 mg).