Possui graduação em Medicina pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo (1991), residência e especial...
iCom poucas exceções, ir ao médico não configura atividade de lazer. A visita tem uma finalidade que provavelmente envolve a preservação e/ou a restauração de seu bem-estar e autonomia. Sob esta ótica, você deveria pensar no médico como um instrumento para uma tarefa. Se você escolher o instrumento adequado, a tarefa facilita, se não, você está comprando um problema. No entanto, além de usá-lo como um instrumento, é importante ter um bom relacionamento com seu médico - afinal, em que outra circunstância, sóbrio(a), você abriria sua vida a um completo estranho? Permitiria que ele te tocasse? Ou aceitaria recomendações como: "tome esta droga potencialmente tóxica" ou "submeta-se a este procedimento"? Como então escolher o médico mais adequado?
Este artigo visa discutir alguns aspectos desta complexa interação, para que você possa melhorar suas chances de escolher a pessoa mais apropriada para ser seu médico e, por conseguinte, estabelecer com ele uma relação boa, eficiente e produtiva.
Clínico geral ou especialista?
Um dito popular afirma que "10 especialistas não fazem um clínico geral". Será que isto é verdade? Para entender como isto te afeta, vamos comparar os dois. Via de regra, o clínico geral se concentra em um tipo de paciente que o especialista raramente vê: aquele que está saudável e/ou aquele cuja saúde não está desproporcionalmente comprometida pela disfunção de um órgão ou sistema em particular. Por isso, este médico aprende a avaliar as sutilezas dos diversos sistemas operando em conjunto, e manobra para atingir um equilíbrio entre eles, preservando uns e estimulando outros.
Já o paciente típico do especialista - como cardiologistas, neurologistas, endocrinologistas e etc - é aquele cuja disfunção de um determinado órgão ou sistema afeta a sua saúde de forma limitante. a tarefa do especialista é conseguir obter daquele órgão ou sistema específico o máximo rendimento e longevidade possíveis. Para isso, ele foca naquele único órgão deficiente, com avaliações especializadas mais detalhadas e intervenções mais complexas, refinadas e específicas. Apesar de eficientes com seu órgão alvo, de modo geral, especialistas não estão confortáveis lidando com outros órgãos e tendem a evitar fazê-lo, de modo que se o paciente for a cinco especialistas, não é incomum ele receber prescrições para cinco remédios, nem todos compatíveis entre si. Muitas vezes cai para o clínico geral a tarefa de coordenar estas múltiplas abordagens, suspendendo alguns e compatibilizando outros.
Portanto, seguindo nossa linha de escolher o instrumento mais apropriado para a tarefa, uma abordagem racional na escolha do profissional seria: se você é saudável ou sua queixa não envolve limitações importantes baseadas num órgão ou sistema em particular (ou você não tem certeza disso), você estará melhor sob um clínico geral. Se este puder resolver seu problema, o fará de modo mais abrangente, simples, barato e menos incômodo. Entretanto, se ele julgar ser caso para um especialista, você já irá melhor recomendado.
Por outro lado, se você já possui um diagnóstico estabelecido e/ou sua queixa envolve esse diagnóstico, você provavelmente se beneficiará mais de uma visita a um especialista que dispõe da experiência e meios para fazer um acompanhamento mais focado e tratar sua condição específica de um modo mais direcionado. Se você tiver diversos diagnósticos que demandam vários especialistas, talvez você precise do clínico geral para mediar a cooperação entre eles.
Quem pode ser meu médico?
Na minha opinião, o mínimo para qualquer prospectivo médico merecer seu crédito seria: saber tudo sobre tudo, ser impecavelmente pontual e cortês, estar sempre disponível a qualquer hora do dia, da noite, do ano, em qualquer lugar ou situação, possuir paciência inesgotável por tempo ilimitado para administrar todo e qualquer detalhe de qualquer mínima aflição, respondendo sempre de forma clara, completa, eficaz e precisa a toda e qualquer demanda, real ou imaginária, com taxa de acerto de 100% e não menos importante, fazê-lo sempre de graça, motivado apenas pelo seu amor ao semelhante. Médicos assim são fáceis de encontrar. Eles costumam circular em Igrejas e são imediatamente reconhecíveis por estarem pregados a uma cruz.
O objetivo desta ironia é marcar que a despeito dos mitos e seriados de TV, o relacionamento entre médico e paciente é essencialmente uma relação entre dois seres humanos distintos, sujeitos a falhas e cheios de manias. É uma troca baseada num tripé que compreende expectativa, empatia e profissionalismo:
Expectativa
A expectativa é de responsabilidade do paciente, e reúne os elementos que o motivam a buscar o médico. Ela provavelmente inclui uma preocupação com o seu bem-estar e autonomia, e presume que o médico está capacitado e disposto a acolher suas aflições e administrá-las, justificadas por força de sua vocação, caráter, estudo, treinamento e atitude. Também aqui podemos levar em conta características pessoais, como a preferência por uma abordagem mais objetiva e científica, ou mais "espiritual" e holística, que tornam um profissional mais apetecível que outro para cada pessoa.
Empatia
A empatia é involuntária, e como tal você não escolhe: é simplesmente gostar ou não de determinada pessoa. No primeiro caso, a relação flui natural e agradavelmente. No segundo, a manutenção da relação só se justifica se o ganho superar o esforço - e ainda assim, talvez seja melhor buscar outro profissional mais compatível, pois a base da relação médico-paciente é a confiança, e é muito difícil confiar em alguém que você não gosta. Mudando para um médico de seu agrado, é possível você tenha menos resistência a aceitar suas recomendações e segui-las, tornando o acompanhamento mais eficaz.
Profissionalismo
Esse é o componente mais previsível e objetivo do tripé, pois não é opcional e prevê que o médico siga o código de ética médica. Ele congrega tudo que você tem o direito de esperar de um médico como integridade, sigilo, isenção de conflitos de interesse, ética, honestidade, proficiência, coerência, correção, entre outros. Note que não constam aqui características pessoais como simpatia, carisma ou comunicabilidade. Como você, o médico é humano, essas características são distribuídas desigual e aleatoriamente entre a humanidade e ele nem sempre é beneficiado com uma cota adequada. Cabe a você julgar, se juntando expectativa e empatia, o pacote te basta.
Escolhendo o médico
Filosofia a parte, na prática, você escolherá seu médico pela sonoridade do nome no livrinho do convênio, pela conveniência do horário e/ou local da consulta, pela foto ou, com sorte, pela indicação de um conhecido. Isso é ruim? Veja bem, se você não tem nenhum dado a respeito dele, este método parece tão bom quanto qualquer outro e te permite julgá-lo após a primeira consulta. Para poder fazê-lo, seguem alguns pontos de reflexão.
Quem é você e o que você quer?
Como colocado acima, a expectativa é responsabilidade sua então, como avaliar sua consulta segundo este critério? Sócrates respondeu esta pergunta há 2500 anos: conhece-te a ti mesmo. É óbvio que se você gostou da consulta, as perguntas a seguir não são necessárias, mas se você estiver em dúvida, talvez ajudem:
- Você gosta de objetividade ou prefere espontaneidade?
- Te incomoda divagar sobre um assunto?
- Você prefere receber instruções? Ou ir lidando com as coisas à medida em que acontecem?
- Você vai ao médico para resolver um problema? Ou para procurar/validar opções de estilo de vida?
- Você gosta de chás, ervas e terapias alternativas? Ou não suporta falar disto?.
Estas perguntas tencionam estabelecer dois grupos polares: aqueles que vão para o médico para investigar e resolver uma queixa, e aqueles que querem saber se o chá que eles receberam da vizinha realmente ativa os Chakras, melhorando o fluxo das energias cósmicas. Não há nada de errado com nenhuma destas concepções, e todos estamos em algum ponto deste espectro, mas não adianta nos enganarmos: o médico que satisfaz o primeiro soa como um ditador robótico para o segundo, e o médico adequado para o segundo parece um charlatão para o primeiro. Moral da história: defina quem você é e procure aquele profissional que te ofereça a proporção correta dos dois.
Como foi a consulta?
Alguns elementos nos ajudam a avaliar se o serviço oferecido está na qualidade desejável:
- Tempo: o médico precisa te ouvir tempo suficiente para você expor sua queixa. No entanto, isto não quer dizer que ele tem de ouvir você reclamar de sua sogra por três horas. Lembre-se, o médico é um instrumento para pesquisa de problemas e indicação de tratamentos e só, portanto, a queixa precisa ser medicamente relevante, e esse julgamento cabe a ele fazer, assim como o direito de conduzir a consulta do modo que achar mais adequado.
- Coerência: certeza é um luxo raro em medicina, por isso, médicos trabalham com hipóteses e probabilidades, mas estas obrigatoriamente precisam fazer sentido. Então seja cético: se o médico falar algo que te soa absurdo ou então não conseguir explicar as razões de um diagnóstico ou conduta, isso não é um bom sinal. Igualmente, "não sei, vou procurar me informar" é uma resposta totalmente aceitável que costuma indicar integridade e honestidade.
- Soberba: na medicina, nada é simples, frequentemente as coisas não são o que parecem e ninguém sabe tudo. Então, desconfie do médico que desdenha de seus colegas, não admite discussão de seu diagnóstico e conduta ou não permite que você busque outra opinião. No geral, você está melhor com um médico que coopera que com um que se afirma capaz de resolver qualquer situação sozinho.
- Personalidade: o médico não precisa ser simpático, mas precisa respeitar sua pessoa e opiniões, mesmo que não concorde. Não se esqueça, ele está te prestando um serviço e não o contrário. Na contrapartida, não havendo risco iminente de morte, o médico não é obrigado a fazer algo com que não concorde. Se a discordância chegar a este ponto, é recomendável trocar de profissional.
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Bem, é claro que estes pontos não encerram o assunto, e nem era essa a intenção, mas espero que após ler o artigo, você se sinta melhor capacitado(a) a julgar a pessoa que te atendeu e o serviço que recebeu de um modo mais objetivo, para assim, poder decidir de forma livre e esclarecida, se deve ou não delegar a ele suas necessidades médicas.