Possui graduação em Medicina pela Universidade Federal do Paraná (2004). Concluiu no ano de 2008 a Residência em Clínica...
i"Há mais mistérios entre o céu e a terra, do que toda a nossa vã filosofia." Essa frase de William Shakespeare pode mito bem ilustrar o tema desta coluna: intolerância ao glúten a diabetes tipo 1 estão relacionados?
Antes de tudo, é preciso explicar que a intolerância ao glúten, chamada de doença celíaca, é uma doença que acomete o intestino. Ela acontece porque o organismo da pessoa não reconhece a proteína do glúten, e por isso uma reação de defesa autoimune é desencadeada. O resultado é a destruição das células do intestino que são responsáveis por absorver os alimentos.
Os sintomas comuns da doença celíaca são diarreia e cansaço. Nas crianças, pode ocorrer redução do crescimento e desenvolvimento, uma vez que conseguem absorver corretamente as vitaminas e sais minerais. No entanto, uma parte das pessoas que tem doença celíaca é assintomática, isto é, não apresenta qualquer sinal ou sintoma da doença.
Foi observado que pacientes diabéticos tipo 1 apresentam mais chances de desenvolver doença celíaca, comparados com a população geral. Isso está relacionado ao fato de que o diabetes tipo 1 também é uma doença autoimune, ou seja, ocorre quando o próprio sistema imune da pessoa acaba destruindo as células do organismo. No caso do diabetes são as produtoras de insulina, chamadas células beta do pâncreas.
Mas por que existe essa associação? Aí está um dos mistérios do nosso organismo que estão sendo desvendados nos últimos anos pelas pesquisas genéticas. Cada pessoa apresenta um código de reconhecimento para o sistema imunológico, que é chamado de complexo maior de histocompatibilidade, codificado por meio do nosso DNA. Em algumas pessoas esse código de reconhecimento está com alguma alteração, e as células de defesa passam a enxergar as células do próprio corpo (como no caso das betapancreáticas) como inimigas e as atacam. Outras vezes, reconhecem alguns alimentos, como no caso do glúten, como inimigos e ocorre uma ativação do sistema inume.
Ainda existe a possibilidade de o sistema de defesa entra em contato com alguns vírus e o nosso corpo pensar que ele tem a mesma estrutura de uma célula que esteja no complexo de histocompatibilidade, como uma reação cruzada. A consequência é que o sistema imunológico passará a atacar o próprio corpo, uma vez que reconhecerá determinadas células como vírus.
Dessa forma, a explicação para que as pessoas com diabetes tipo 1 sejam mais propensas a desenvolver doença celíaca é uma alteração justamente nesse complexo maior de histocompatibilidade. Sabe-se que uma em cada 3345 pessoas no mundo terá doença celíaca sintomática, e uma a cada 200 ou 300 terá a forma assintomática. Estima-se que cerca de 2 a 10% dos pacientes com diabetes tipo 1 tenha alguma forma de doença celíaca.
Para os pacientes com diabetes tipo 1, é importante uma boa conversa com seu médico para avaliar a necessidade de pesquisar se a pessoa tem ou não doença celíaca. A principal modificação na dieta é a retirada do glúten, que está presente no trigo, cevada, centeio e aveia. A realização da dieta melhora a saúde geral da pessoa e permite que o controle do diabetes seja mais adequado. Alguns estudos até indicam melhora dos níveis de glicose no sangue com o controle do glúten na dieta daqueles que tem o diagnóstico de doença celíaca.
Saiba mais: Diabetes: como a dieta interfere na glicemia?
Para finalizar, é importante destacar que com o avanço dos estudos científicos, cada vez mais o tratamento do diabetes, tanto o tipo 1 quanto o tipo 2, passa a abranger mais aspectos e a também avaliar o paciente cada vez mais de forma global, não somente na doença ou órgão específico. Muito já foi e ainda está sendo estudado, e muitos mistérios ainda estão para serem descobertos.