Médica Endocrinologista formada pela UNISA em 1993. Doutorado em endocrinologia pela FMUSP. Médica fundadora do Ambulató...
iAté muito pouco tempo atrás, acreditava-se que a célula adiposa era um mero reservatório para guardar a gordura, especialmente na forma de triglicérides. Se o organismo precisasse de energia, esta seria a primeira fonte a ser mobilizada e usada como combustível. Em pessoas de peso normal, o tecido adiposo responde por 20% a 25% do peso corporal no homem e por 15% a 20 % na mulher.
Somente a partir de 1987, começou a se conhecer a capacidade da célula de gordura de produzir substâncias com função de hormônios e capazes de agir local e sistemicamente. Atualmente, a quantidade de hormônios produzidos pelo tecido adiposo é tão grande, bem como a expressão de tantos receptores hormonais, que podemos dizer que a gordura se trata do mais importante órgão endócrino do organismo. E alguns destes hormônios estão relacionados à resistência à insulina, sendo a leptina, adiponectina, interleucina-6, TNF alfa e PAI-1 os mais estudados.
Para entender um pouco a influência destes hormônios na regulação de apetite e queima calórica, vamos entender melhor a leptina, cujo nome tem sua origem na palavra grega (leptos) que significa magro. A leptina é uma proteína expressa quase que exclusivamente pela gordura em resposta à alterações celulares secundárias ao efeito da insulina, funcionando como um marcador de quantidade de tecido adiposo. Isto é, quanto maior o excesso de peso do indivíduo, maior a concentração de leptina no sangue.
Desta forma evidenciou-se que deficiência de leptina não era a causa da obesidade, uma vez que pacientes com obesidade apresentam, na verdade, níveis aumentados de leptina no sangue, salvo em síndromes genéticas associadas à deficiência primária parcial ou absoluta de leptina.
Um dos alvos da leptina é o hipotálamo, onde a ligação da insulina ao seu receptor informa sobre a quantidade de depósitos de gordura. Esta informação referente à quantidade de tecido adiposo leva a ativação de vias anorexígenas, que diminuem o apetite (CRH, MSH e CART) e o gasto energético. Assim, a leptina elevada serve como um sinal para o hipotálamo informando que existem estoques adequados de energia e que devemos parar a ingestão de alimentos e aumentar o gasto energético e por outro lado, inibe a produção e liberação dos neuropeptídeos que aumentam a fome (AGRP e NPY).
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O estímulo ao gasto energético é mediado pela ativação ou não dos hormônios tireoidianos. O que se vê em pessoas com obesidade é que a leptina é aumentada, mas ineficiente em promover diminuição do apetite e aumento de queima calórica, pela presença de resistência central à insulina.
Vários compartimentos distintos de tecido adiposo podem ser identificados quando ocorre excesso de peso. Em mulheres com obesidade, tipicamente, o maior acúmulo de gordura é na porção inferior do corpo. Enquanto os homens com obesidade depositam gordura na porção superior do corpo. Esta obesidade no tronco tem duas localizações: subcutânea e intraperitoneal (visceral).
A subcutânea é a gordura que incomoda mais esteticamente, mas não gera maiores problemas a saúde, enquanto a gordura abdominal altera o comando de produção de insulina e metabolização do açúcar e começa a acontecer uma produção aumentada de insulina pelo pâncreas (hiperinsulina). Estamos diante do quadro conhecido como resistência insulínica em que a insulina tem dificuldade de exercer sua ação por um problema de sinalização intracelular. Quanto maior a quantidade de insulina gerada, maior efeito de "guardar" o açúcar dentro da célula de gordura, num ciclo vicioso onde se engorda cada vez mais, ou por outro lado, quando o pâncreas esgota sua capacidade de aumentar a produção de insulina, o açúcar circulante aumenta, caminhando para um diabetes. A resistência insulínica se associa a fatores genéticos e ambientais (alimentação inadequada, pouca atividade física e estresse).
A obesidade está relacionada ainda a ciclos menstruais irregulares, falta de menstruação e infertilidade. Na gestação relaciona-se ao risco de diabetes gestacional, hipertensão, má formação fetal e complicações no parto. As adipocitocinas: leptina, adiponectina e resistina, substâncias "toxicas" produzidas pelas células de gordura influenciam a fertilidade feminina.
Já foi demonstrado que a leptina apresenta em papel central na fertilidade alterando os comandos do hipotálamo influenciando a liberação GnRH (hormônio liberador de gonadotrofinas) e consequentemente de LH (hormônio luteinizante) e FSH (hormônio folículo estimulante) bem como no desenvolvimento do embrião.
Desta forma, a leptina serve como um indicador do estado nutricional para a atividade reprodutiva, sendo fundamental para o desenvolvimento da puberdade e para fertilidade.
A obesidade também afeta a fertilidade masculina. O excesso de peso reduz o nível de testosterona e aumenta o nível de estradiol, o que compromete a produção de esperma. Pesquisas já comprovaram que pessoas com excesso de peso possuem maior índice de fragmentação do DNA do espermatozoide, o que provoca falhas na fertilização.
Outros problemas que os hormônios excretados pela gordura podem causar em pessoas como sobrepeso ou obesidade são relacionados ao aumento da pressão arterial, inibição da enzima lipase-lipoproteica o que favorece aumento de colesterol, alterações de coagulação sanguínea que geram aumento de doenças cardio-vasculares e maior risco de tromboses venosas. Além do aumento de câncer, como, por exemplo, o de mama.
Em pessoas com quantidade correta de gordura, esta produz adiponectina. Trata-se do hormônio conhecido como protetor metabólico, já que tem ação anti-inflamatória, inibe formação de placas de gordura nas artérias e melhora a ação da insulina, protegendo do diabetes. Contudo, conforme o adipócito vai acumulando muita quantidade de gordura, vai progressivamente diminuindo a produção de adiponectina e perdendo seus benefícios!
Todo esse conhecimento a respeito da célula de gordura vale como motivação para tratar a obesidade!