Quando a pessoa passa por uma situação de demissão, é necessário atenção e alguns cuidados. Toda transição causa estranhamento, e ainda quando essa transição é inesperada, causa imensa frustração. E como todo imprevisto, causa uma série de reações.
O trabalho é uma variável importante na construção de identidades. Partindo da premissa que o indivíduo constrói uma imagem de si no trabalho e consequentemente no ambiente organizacional, o seu desligamento involuntário pode significar um dilema na sua trajetória. A inserção no mundo do trabalho sempre apareceu como resultado de uma vida "normal", por isso essa tão intensa relação com a dignidade, principalmente para os homens.
O lado psicológico da demissão
Demissão está psicologicamente associada aos dois maiores medos que o ser humano tem na vida: o medo do fracasso e o medo da rejeição. Por isso é um processo bem delicado e os impactos podem ser maiores do que se imagina.
O trabalho sempre foi um meio para o indivíduo realizar uma tarefa (que está relacionado a um dos propósitos de vida que é fazer as coisas) e ainda mais antigamente tinha uma representação bem ruim. Hoje, alguns conceitos estão se modificando. Além da vontade de fazer as coisas, é também um meio para realizar sonhos e um grande veículo para trazer mais sentido à vida e estabelecer relacionamentos com outros indivíduos.
Vem dessas mudanças sobre o significado do trabalho, o motivo pelo qual a preocupação com o contexto empresarial de hoje vem aumentando. Porque o trabalho está expandindo seu significado para realização. A atmosfera que ainda vemos em muitas empresas, não está fazendo mais sentido, relacionada à ideologia da excelência, traduzida pela competitividade, com o culto à alta velocidade, resultados imediatos, com o evitar de sentimentos e o desaparecimento da ética. Fazendo com que o sofrimento mental aumente e a estabilidade psíquica das pessoas seja afetada. Por isso vemos no trabalho muitos casos de depressão, ansiedade, estresse, como já ouvimos falar muito por aí.
Só que há quem diga que "ruim com ele, pior sem ele". Ao perder um emprego, ainda que pudesse estar exausto daquele ambiente, dos problemas ou das atividades realizadas, pode vir à tona um gosto amargo de rejeição. E o sentimento de traição vem junto, devido à sensação de ter se esforçado tanto, sofrido tanto e mesmo assim, ainda ser descartável e substituível - trazendo junto o arrependimento, mais frustração, sentimento de incompetência e indignação por tempo perdido.
Nesses casos, vemos inúmeros sintomas como: desânimo, insegurança, raiva, impaciência, crises de pânico, dentre outros. Os estudos dizem que esses sintomas vem dos impactos da demissão na autoestima e na autoconfiança da pessoa. Tudo isso, pode trazer a ela dificuldades para encontrar uma nova rotina, um novo emprego e uma nova esperança. Recomenda-se a esses casos, acompanhamento psicológico e muito apoio da família e amigos.
Vale ressaltar que, além de consequências econômicas, a demissão, acarreta sim danos psicológicos se não for bem cuidada. E dependendo do quanto for uma experiência traumática e dolorosa, pode tirar da pessoa o desejo de seguir em frente, tirando seu potencial. Aqui deixo meu pedido aos empregadores que tem que demitir alguém: prestem muita atenção na forma que esse processo é feito! Isso tem muito impacto no que o demitido poderá sentir. Claro que a responsabilidade do significado que ele vai atribuir a esse momento da vida é dele, porém, acredito que sempre que a gente puder fazer alguma coisa para evitar danos às pessoas, é válido.
Quando o problema sai dos limites
Existem casos ainda mais graves que acontecem quando mesmo depois da demissão, os indivíduos permanecem psicologicamente vinculados ao trabalho. Se o apego ao trabalho, ao lugar e se a convivência foi feliz, não há como se desvincular integralmente de forma imediata, é algo que precisa ser bem trabalhado.
Nesses casos a rejeição e o fracasso aparecem como sensações ainda mais fortes e a insegurança passa para a linha do que os outros vão pensar. Um jeito de ilustrar de forma mais clara essa insegurança de quem foi demitido, é o exemplo de pessoas mantém o hábito de sair de casa sempre no mesmo horário, como se fosse ao trabalho, para que os vizinhos não desconfiem que está desempregado. Desligar-se do trabalho representa uma ruptura num processo de construção de identidade e de vínculos. Para algumas pessoas, perder o emprego tem impacto em quem ele é e não só no que ele faz. Ou fazia...
Estão presentes nesses casos mais graves sintomas como dificuldades cognitivas (dificuldades para pensar, analisar as coisas e tomar decisões), instabilidade emocional, ansiedade generalizada, angústia, estresse grave associado a distúrbios físicos, alterações cardiovasculares, gastrointestinais ou imunológicas, depressão mais severa, distúrbio psiquiátrico e até suicídio. É comum também uma deterioração da vida familiar e das relações interpessoais, podendo evoluir para casos de violência.
Para esses casos, o acompanhamento é feito com médico psiquiatra. Mas é sempre absolutamente indispensável o apoio dos familiares e amigos para minimizar o impacto que a demissão pode ter na vida de qualquer pessoa.
Atenção! Se isso acontecer algum dia com você ou com alguém que você conheça, acolha o vazio e elabore esse luto, com a certeza de que todos sempre temos escolha. Numa situação como essa, ou a pessoa pode se entregar às dores dessa experiência, detonar sua autoestima, encher-se de ansiedade e pensamentos corrosivos, ou pode aprender com essa experiência e atribuir a ela um significado de oportunidade. Não temos controle de tudo na vida. Apenas temos o controle daquilo que acontece dentro da gente.
Tenha certeza de que nada acontece por acaso e quando uma porta se fecha, além de ser pelo motivo de que ela já não servia mais para você, é porque outra já está se abrindo. Lidar bem ou não com questões como essa, o segredo está no significado que se atribui à experiência.
Ana Paula Bellati é psicóloga, master coach e diretora da UM%, empresa de São Paulo focada em coaching e desenvolvimento de pessoas.